Sinto-me luxemburguesa. Sinto-me italiana e sinto-me portuguesa. Por mais difícil que seja de explicar, a verdade é essa: não me sinto mais uma coisa que outra, sinto-me isso tudo, mas não me sinto imigrante.
Dizem-me que sou imigrante de segunda geração, mas nunca gostei muito de me definir assim. Sendo imigrante de segunda geração os meus filhos serão de terceira? Ou talvez de segunda e meia se casar com um “verdadeiro” luxemburguês. Porque eu na verdade também já sou luxemburguesa. E a partir de quando deixamos de contar as gerações? Será uma questão de integração, ou melhor, de assimilação? Será quando se falar luxemburguês em casa e que se substituir a frango assando no domingo por um prato de Kniddelen? E no caso isso não acontecer, teremos imigrantes de quinta geração ou mais?
Como muitos filhos de imigrantes falantes de línguas latinas, tive dificuldades na escola, especialmente com o alemão. Também já fui gozada e confrontada a estereótipos. Lembro-me bem das piadas sem piada que faziam sobre as mulheres portugueses: “Como uma mulher portuguesa pode emagrecer de dois quilos sem fazer dieta? Basta fazer a depilação!” Ha ha ha ha…
No entanto, não me considero imigrante porque apesar dos meus pais não serem de cá, eu nunca imigrei para o Luxemburgo. Nasci cá e nunca enfrentei os desafios que um imigrante tem muitas vezes de enfrentar: a experiência difícil de deixar casa e familiares por trás ou de ter de aprender uma nova língua. Sinto-me luxemburguesa. Sinto-me italiana e sinto-me portuguesa. Por mais difícil que seja de explicar, a verdade é essa: não me sinto mais uma coisa que outra, sinto-me isso tudo, mas não me sinto imigrante. Ainda não encontrei definição com qual me identifico. Talvez romantizando um pouco diria “cidadã do mundo”.
Sou confrontada com essa minha questão de identidade muitas vezes e tenho a convicção que as categorias que existem hoje, já não servem para muitas pessoas. Pois eu no Luxemburgo não tenho nada de exótico, sempre tive amigos e colegas como eu, misturas entre duas, três ou mais culturas. Muitos de nós falam mais de cinco línguas e temos várias pertenças culturais.
Hoje, o termo migrante em si também já não descreve o que descreveria há uns 50 anos. Já faz muito tempo que os sociólogos e antropólogos perceberam que os migrantes já não podem ser considerados apenas como pessoas que deixam permanentemente a sua casa e o seu país e enfrentam o difícil processo de integração numa sociedade e cultura diferente. Hoje, torna-se essencial considerar o facto de uma proporção significativa de migrantes que se instalam e se tornam bem integrados no seu novo país, continuarem a manter relações em outros países.
Num dia normal, trabalho no Luxemburgo, vou jantar a casa do meu irmão transfronteiriço na Alemanha, faço videochamada com as minhas amigas em Lisboa, mando os parabéns a uma prima na Itália e partilho um artigo interessante que li com um ex-colega em Nova Deli. Mas isso não sou só eu, muitos de nós mantém laços diários com pessoas que vivem há milhares de quilómetros. Numa altura em que uma pandemia mundial nos obrigada a comunicar em grande parte por intermediário de um ecrã, as fronteiras perdem cada vez mais importância.
Isso chama-se transnacionalismo. Foi no final do século XX que Basch, Schiller e Blanc-Szanton definiram a transnacionalidade como os processos pelos quais as pessoas forjam e mantêm relações sociais multifacetadas que ligam os seus locais de origem, de estabelecimento e de passagem. Estes processos são chamados de transnacionalismo para enfatizar que muitos migrantes hoje em dia constroem laços que atravessam fronteiras geográficas, culturais e políticas. Essa perspetiva rompe com uma visão espacial e temporalmente dicotomizada da migração. É dinâmica e pode privilegiar o ponto de vista do migrante como um ator articulado por diferentes redes em diferentes lugares do mundo e não apenas de um lugar para outro. Podemos “estar” em vários lugares simultaneamente e sustentar atividades dentro de várias comunidades, não sendo travados pelas fronteiras estatais. Também podemos ser várias coisas ao mesmo tempo.
E assim o meu sentimento de pertença também é transnational e não pertence a um país só. A nossa identidade é geralmente uma autodefinição, uma narrativa que dizemos a nos próprios e aos outros, como a resposta que damos à pergunta “quem és tu?”. Embora seja um conceito inerentemente multidimensional, incluindo o género e as identidades profissionais, para citar apenas algumas, o foco muitas vezes é sentimento étnico ou nacional de pertença. Sinto que ser chamada de imigrante de segunda geração é incompleto e não traduz a minha experiência. Na verdade, somos todos imigrantes de X geração porque no fundo, numa altura ou outra, nós fomos todos filhos de imigrantes.
Artigo de Jessica Lopes publicado no Contacto (Luxemburger Wort)