Recordo-me da primeira vez que participei numa celebração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Foi em Sidney nos anos 90 quando era Cônsul-Geral naquela cidade australiana. Não me lembro em qual dos clubes portugueses ali existentes, mas perdurou na minha memória ter vivido um momento particularmente emocionante, pois nunca tivera bem consciência do que representa para os nossos compatriotas vivendo fora do seu país a celebração de um Dia que é só nosso.
Até então, Portugal nunca cessara de ser para mim um mistério. Como dizia o Prof. Orlando Ribeiro, um conceituado mestre de geografia, o país não tinha justificação geográfica para ser independente. E, no entanto, foi-o, é-o e tem mantido a sua independência ao longo de mais de oito séculos de História.
Ou seja, existiu uma comunidade fundadora que soube ultrapassar as vicissitudes geográficas adversas e construir, por via de uma comunhão de interesses, uma entidade sociopolítica autónoma diversa das outras que surgiram na Península Ibérica e que deram origem à nossa vizinha Espanha. Ao longo de gerações, foi-se sedimentando a singularidade dessa população, alicerçada numa depuração linguística que partindo de uma raiz comum ganhou uma particularidade única, dando origem também a uma cultura própria nas suas múltiplas e diversas manifestações. Foi um processo nem sempre linear, contudo gradual e sólido.
Tudo isto que escrevo é inteligível e conceitualizável de um ponto de vista teórico. Porém, esconde a sensação, o sentimento, diria mesmo, a vontade de ser português. A minha epifania veio daquele momento já distante no tempo em que pude observar e apreciar como para um grupo de portugueses, em latitude quase nos antípodas da pátria, a celebração do Dia em que se marca essa comunalidade transcendental correspondia a uma manifestação de orgulho em fazerem parte de um todo que a distância não maculava, antes engrandecia. Porventura, nunca antes sentira uma vibração semelhante, algo que possivelmente poderia traduzir pela expressão “fibra patriótica”.
Agora numa, para mim, nova comunidade estou convencido que usufruirei de instantes semelhantes. Também aqui na África do Sul nos separam milhares de quilómetros da casa-mãe, todavia, pelo que já me fui apercebendo resta bem forte entre aqueles que aqui habitam aquela chama nacional que brota do coração e do nosso código de comunicação peculiar que inventámos e a que chamamos língua portuguesa. A qual, hoje, compartilhamos com outros povos ao sabor de uma História onde nos encontrámos algures no passado e que quiseram utilizá-la, transformando-a num poderoso instrumento de afirmação coletiva.
Não há muitos países que juntem à comemoração do dia nacional a figura de um poeta. Um dos raros que soube perceber a transcendência de um povo que soube ultrapassar a ingratidão da terra árida onde nascera e que teve a engenhosidade para se deslocar no espaço sem jamais perturbar a sua identidade. As nossas comunidades espalhadas pelo Mundo são dignas sucessoras dos compatriotas que Camões cantou. Continuam a ser testemunha da nossa capacidade de adaptação, de sofrimento, de resistência, de pundonor. E fazem-me sentir totalmente realizado em servi-las.