
Após a saída dos EUA do Afeganistão, o Presidente Joe Biden anunciou a concretização de um acordo com a Austrália e o Reino Unido (denominado AUKUS), com vista à prevenção da influência militar chinesa na região do Indo-Pacífico.
Em concreto, este acordo integra-se na estratégia dos EUA enquanto tal e está para além de quem exerce o poder de facto no país.
A propósito, é útil sublinhar e registar que, para além deste acordo, os EUA têm na região um outro, quadrilateral, que envolve outros países da região do Indo-Pacífico, incluindo para além da Austrália, a Índia e o Japão.
De notar que o acordo AUKUS conduziu desde logo à rutura da importante encomenda que a Austrália havia feito à França para o fornecimento de seis poderosos submarinos, no valor de sessenta mil milhões de dólares.
O argumento invocado foi o de que os submarinos em causa deviam possuir dispositivos nucleares e que os EUA tinham a tecnologia adequada para o fornecimento.
Neste novo quadro geoestratégico, considerado prioritário pelos EUA quanto à importância da região do Indo-Pacífico, há a condução da secundarização das relações euro-atlânticas e a diminuição da relevância da NATO, justificando o esforço da auto-defesa da U.E.
O novo objetivo estratégico dos EUA não significa que este país prescinda dos aliados europeus, não só pela importância comercial da U.E. no plano das relações de troca a nível mundial, mas, sobretudo, pelo posicionamento desta com a Federação Russa e a própria China.
Quer isto dizer que, do meu ponto de vista, perante o quadro mundial e por efeito dele, o aprofundamento e o reforço das relações entre os países de língua oficial portuguesa mais se justifica.
Isto porque, desde logo, estamos hoje perante um mundo multipolar, com o surgimento de países emergentes, com uma posição relevante à escala planetária.
Sucede que os países de língua oficial portuguesa que pertencem a uma instituição supranacional, a CPLP, têm tudo a ganhar e nada a perder se reforçarem o conjunto, porque isso reforça cada uma das partes que a integra, possibilitando uma maior margem de manobra neste relacionamento multipolar.
Não se trata apenas de todos os nossos países terem uma língua oficial comum e nalguns casos como língua materna o português, o que não é uma questão nada menor.
E não é uma questão menor, sabendo-se que a língua portuguesa é a quarta ou a quinta mais falada no mundo e também a mais utilizada nesta grandeza percentual nas plataformas digitais e redes sociais, sendo mesmo a primeira no Atlântico Sul.
Sabendo-se, como se sabe, que a língua portuguesa é hoje um instrumento económico da maior importância, ela é já utilizada como língua de trabalho em 32 organizações internacionais.
A este facto acresce que não foi por acaso que a China, consciente do papel que tem como potência emergente, passasse a considerar a Região Administrativa Especial de Macau como porta de relacionamento com os países de língua oficial portuguesa.
Daí que tivesse constituído um importante Fórum de cooperação com esses países, sediado em Macau, dotando-o de um fundo financeiro com um orçamento muito significativo.
Numa altura e num período em que mais de 90% das transações comerciais de bens se faz por mar e tendo presente que todos os países de língua oficial portuguesa fazem fronteira com os oceanos, percebemos melhor a relevância do aprofundamento e reforço da relação entre todos.
As potencialidades existentes são intraduzíveis para a afirmação do conjunto e de cada um dos nossos países se ousarmos fazer o que deve ser feito com os olhos postos no futuro.
Em consequência é determinante que não prossigamos uma política de cooperação à bolina, ou seja, à vista da costa e descurando a estratégia.
Tenho a plena consciência de que a generalidade dos nossos países vive no presente, com constrangimentos de desenvolvimento agravados pela pandemia, mas que perante as potencialidades existentes é fundamental ter um olhar para mais além do que é imediato.
Esse olhar mais além deve envolver a celebração de parcerias que, tendo presente as fronteiras oceânicas de todos, potenciem a criação de sinergias conjuntas em múltiplos domínios que vão desde a indústria da pesca, a clusters para a dinamização do turismo, até à exploração das riquezas do mar.
Estes são meros exemplos do que há e pode ser feito em conjunto para além do contributo que pode e deve ser dado na própria segurança do Atlântico Sul, se houver ousadia e horizontes largos como se impõe.
Os exemplos referidos poderiam ser multiplicados.
Para este objetivo importa que os cidadãos de todos os nossos países sintam que o direito de pertença à CPLP lhes é próximo e beneficiam diretamente com essa proximidade.
Por outras palavras, que não sintam que a CPLP lhes é distante e que respeita apenas à política e à diplomacia dos Estados.
Esta questão transporta-nos para a necessidade dos cidadãos dos países de língua oficial portuguesa terem mobilidade no espaço de todos eles.
Com óbvio realismo sei bem que não é de todo possível generalizar a liberdade de circulação imediata entre todos os países lusófonos.
Há, porém, pequenos passos que não podem nem devem deixar de serem dados.
Na última Cimeira de Chefes de Estado e de governo da CPLP, que ocorreu este ano em Luanda e por proposta de Cabo Verde, que então presidia à instituição, foi aprovada uma lei-quadro da mobilidade.
Trata-se, no fundo, de um documento de princípio que a partir de agora tem de ser paulatinamente concretizado.
E têm de ser criadas condições com regras consensualizadas que possibilitem a livre circulação de investigadores e cientistas, de responsáveis pelas direções de universidades públicas, numa primeira fase, de empresários que reconhecidamente invistam em algum dos nossos países que não apenas o da sua nacionalidade, para além da livre circulação de homens e mulheres da cultura, sabendo-se o que significa à escala planetária este tão importante domínio da lusofonia.
As condicionantes de espaço para o artigo legitimam que, para mera reflexão dos leitores, não possa desenvolver este tema que é vital para o futuro.
E é-o tanto mais quanto é certo termos iniciado um novo ciclo de ponderação geoestratégico à escala planetária pela relevância da priorização que os EUA estão a dar ao Indo-Pacífico.
Os países de língua oficial portuguesa têm, por isso, neste quadro multilateral existente, de saberem reforçar a lusofonia.
Isso é vital para o conjunto dos países e para cada um deles em particular.