“Quando um homem cai, cai sozinho”. Dois anos depois do ataque cardíaco e do coma, o lusodescendente que chegou a vice-primeiro-ministro do Luxemburgo fala de traição e amor, combate e sobrevivência.
O deputado era já vice-presidente desta subcomissão desde janeiro de 2019, tendo participado em inúmeras iniciativas no âmbito da valorização das diásporas, muito particularmente nas atividades da Rede Parlamentar para as Políticas das Diásporas, que realizou várias reuniões específicas para discutir questões como os direitos políticos e a participação cívica, o papel das associações, o potencial económico, entre vários outros temas.
Nunca um luso-descendente chegou tão alto num governo de outro país. Félix Braz foi ministro da Justiça e até vice-primeiro-ministro do Luxemburgo. Há dois anos, esteve entre a vida e a morte. Ainda estava em coma quando foi demitido. Agora, diz que este mês deixa de receber qualquer apoio e põe o estado luxemburguês em tribunal.
Foi no passado mês de outubro que Félix Braz, 55 anos, conduziu o seu carro durante 30 quilómetros e isso “foi uma das maiores alegrias dos últimos tempos”. O político de origem portuguesa explicava, na sua casa em Esch-sur-Alzette, a segunda maior cidade luxemburguesa, que a última vez que se tinha sentado ao volante fora precisamente a 22 de agosto de 2019. O dia em que a vida mudou para sempre.
Num semáforo vermelho anunciou que não se sentia bem e desfaleceu. Estava a 300 metros de um hospital. Nas urgências, morreu e ressuscitou várias vezes. Os médicos levaram 58 minutos a estabilizá-lo. Depois, entrou em coma.
Se o prognóstico era reservado, a luta era pela sobrevivência. Para o resto do mundo era, no entanto, um político em ascensão. “Ele podia muito bem chegar a ser o próximo primeiro-ministro do Luxemburgo. Levou Os Verdes onde eles nunca tinham chegado e acrescentouao partido uma seriedade institucional como ele nunca tinha tido antes”, diz Etienne Schneider, antigo líder dos socialistas do país e também vice-primeiro-ministro da coligação governamental liderada por Xavier Bettel – que congrega liberais, socialistas e verdes.
O HOMEM INVISÍVEL
No dia 11 de outubro de 2019 o governo tornou pública a “demissão honorável” de Félix Braz. As pastas que exercia foram nesse dia ocupadas por dois dos seus colegas d’Os Verdes, o partido que ele mesmo tinha catapultado para a esfera governamental.
No Luxemburgo, não há legislação que preveja qualquer apoio para um ministro que caia doente. Um ministro não tem direito a nada “e é por isso que decidimos colocar um segundo processo por discriminação contra o Centro de Gestão de Pessoal do Estado”, diz Jean-Marie Bauler, advogado do político lusodescendente.
Apesar de toda a amargura, Félix Braz conta que o processo por que passou nos últimos dois anos também lhe trouxe clareza: “Sei muito bem quem são os meus amigos e quem são os meus inimigos.” Aos Verdes, que tomaram a decisão de substituí-lo, acusa de falta de lealdade. A Xavier Bettel, primeiro-ministro, recrimina por nunca se ter preocupado em resolver o seu caso. “Sou um problema que ele prefere não ver.”
TODOS POR UM
A família reveza-se no apoio a Félix Braz. “Neste momento, é preciso sobretudo conversar com ele, puxar-lhe pela memória, pô-lo a recordar o passado. O cérebro esteve muito tempo adormecido e é preciso recuperá-lo”, explica Bibi, esposa do político.
As recordações portuguesas foram um dos pontos-chave para a recuperação de Félix Braz. As memórias de infância foram as que voltaram primeiro. Desde que saiu definitivamente do hospital, em maio de 2020, também regressou duas vezes ao Algarve, sua terra natal. O sol e a família, as incursões nos restaurantes portugueses para comer peixe fresco foram essenciais neste processo.
Antes da vida política, foi jornalista. Primeiro em Paris, onde estudou Direito durante um ano, passando os três seguintes a fazer reportagens desportivas para a RTL. Já no Luxemburgo, apresentou na RTL Radio um programa em português chamado “Antes de mais nada”, que se tornou um enorme sucesso entre a comunidade portuguesa.
Ao fim de um ano foi convidado a integrar Os Verdes. Começou como secretário parlamentar e, quando o partido elegeu pela primeira vez um eurodeputado, em 1994, tornou-se seu assistente em Bruxelas.
Foi no regresso desse trabalho, que conheceu a sua mulher. “Ninguém pode adivinhar até onde poderia ter chegado. Mas, antes como agora, tudo o que sinto é um imenso orgulho nele. Não é toda a gente que tem direito a uma segunda vida”, diz Bibi.
Leia a excelente reportagem sobre este tema publicada no jornal do Luxemburgo Contacto AQUI.