José Andrade, Diretor Regional das Comunidades do Governo dos Açores, ao Portuguese Times: “As comunidades açorianas radicadas no exterior são um ativo potencial de relevante importância estratégica que projeta e valoriza a própria Região Autónoma dos Açores.
O novo diretor regional das Comunidades do XIII Governo dos Açores, José Andrade, oficialmente nomeado por despacho conjunto do Presidente do Governo, José Manuel Bolieiro, e do Vice-Presidente do Governo, Artur Lima no passado dia 24 de dezembro de 2020, concede a este semanário de língua portuguesa.
Uma vez que a Direção Regional das Comunidades detém competências nas áreas da emigração, da imigração e das comunidades açorianas no exterior era “obrigatório” a tal entrevista ao PT, para a qual José Andrade gentilmente acedeu, ele que conhece bem a realidade dos açorianos da diáspora.
Nasceu em Ponta Delgada, em 1966. É licenciado em Ciências Sociais, na especialidade de Ciência Política, e integra o quadro de pessoal da RTP/Açores desde 1988. No exercício de sucessivas responsabilidades institucionais, tem dedicado especial atenção à diáspora açoriana.
Enquanto deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, acompanhou os assuntos parlamentares das Comunidades Açorianas, a par da Cultura e da Comunicação Social, e participou nas assembleias gerais do Conselho Mundial das Casas dos Açores realizadas em Hilmar (Califórnia) em 2014, Montreal (Quebeque) em 2015 e Flores e Corvo (Açores) em 2016. Durante este período, visitou todas as Casas dos Açores existentes em Portugal, Estados Unidos, Canadá, Brasil e Uruguai, por iniciativa própria e a expensas pessoais, de cujos contatos resultou a publicação de um dos 25 livros da sua autoria, Açores no Mundo, com prefácio do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Enquanto chefe de gabinete do presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada ou Vereador da Cultura e Ação Social, organizou os processos de geminação da cidade de Ponta Delgada com Florianópolis (Santa Catarina) e Newport (Rhode Island), em 2003, e com Kaua’i (Havai), em 2018, e iniciou o processo de construção da réplica monumental das Portas da Cidade de Ponta Delgada em Fall River (Mass.), em 2004. Como presidente da Comissão Municipal de Toponímia de Ponta Delgada, propôs os topónimos locais “Rua Cidade de Fall River” (1998), “Rua Cidade de San Leandro” (2000), “Rua Cidade de Newport” (2003), “Rua Cidade de Toronto” (2003), “Rua Cidade de Florianópolis” (2003), “Rua Cidade de Porto Alegre” (2003) e “Alameda das Comunidades Açorianas” (2008).
Enquanto assessor do Presidente do Governo Regional dos Açores, participou no encerramento das comemorações dos 250 anos da colonização açoriana do Sul do Brasil, nas cidades de Florianópolis e Porto Alegre, em 1996.
Proferiu conferências sobre assuntos da diáspora, como “A importância das Casas dos Açores na eterna saudade do imigrante”, na XVII Semana Cultural da Casa dos Açores do Ontário, em Toronto, 2014;“Tradições culturais nas ‘dez’ ilhas açorianas”, no Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e na Academia Catarinense de Letras, em Florianópolis, 2015; “Açorianidade Global”, no XXXI Colóquio Internacional da Lusofonia, em Belmonte, 2019; “A vivência da piedade popular nas comunidades açorianas da diáspora”, no colóquio comemorativo dos 60 anos do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres, em Ponta Delgada, 2019; “O culto do Senhor Santo Cristo dos Milagres em Ponta Delgada e na América”, no XXV Congresso Internacional de Antropologia de Ibero-América, na Universidade de Salamanca, 2020; ou “Cultura Popular dos Açores – Grupos Folclóricos e Bandas Filarmónicas”, na XXXFesta Nacional das Culturas Diversificadas, em Ijuí, Rio Grande do Sul, 2020.
Portuguese Times – Como encarou esta nomeação para diretor regional das Comunidades?
Como uma agradável surpresa. Quando fui convidado pelo presidente do Governo, José Manuel Bolieiro, e pelo vice-presidente do Governo, Artur Lima, de quem dependo diretamente, aceitei prontamente este desafio e abracei entusiasticamente esta missão.
Desde sempre que me sinto ligado à nossa diáspora. Primeiro, por razões familiares, como qualquer açoriano. A minha bisavó materna imigrou do Brasil, os meus avós paternos emigraram para os Estados Unidos da América, tenho uma tia e três cunhadas emigradas no Canadá.
Depois, por razões institucionais. Cruzei os meus caminhos com as comunidades açorianas, durante três décadas, enquanto assessor do presidente do Governo Regional dos Açores, chefe de gabinete do presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada ou deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
Finalmente, por razões pessoais. Desenvolvi um trabalho de investigação sobre o percurso histórico e a situação atual da diáspora açoriana, que me levou a visitar ou a revisitar, por iniciativa própria e a expensas pessoais, todas as 15 Casas dos Açores que então existiam em Portugal, Canadá, Estados Unidos, Brasil e Uruguai. Daqui resultou um livro, Açores no Mundo, editado em 2017, com prefácio do Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e com testemunhos dos sucessivos presidentes do Governo Regional, Mota Amaral, Carlos César e Vasco Cordeiro.
Agora, como diretor regional das Comunidades, terei oportunidade e darei o meu melhor para prestar um contributo mais concreto em benefício desta nossa causa comum”.
PT – Que projetos e política de orientação para as Comunidades?
A Direção Regional das Comunidades tem competências próprias nas áreas da emigração, incluindo os emigrantes regressados, da imigração e das comunidades açorianas no exterior. São áreas de relevante importância e de assumido fascínio, porque lidam com a açorianidade e com a interculturalidade.
As comunidades açorianas radicadas no exterior são um ativo potencial de relevante importância estratégica que projeta e valoriza a própria Região Autónoma dos Açores. Somos 250 mil nas nove ilhas e seremos um milhão e meio no outro lado do Atlântico, entre emigrantes e seus descendentes. Por isso, a nossa “décima ilha” precisa e merece ser encarada e tratada com a importância que efetivamente tem.
Três grandes desafios se colocam numa nova abordagem da diáspora açoriana.
Em primeiro lugar, o desafio geracional. Sem menosprezar os nossos emigrantes de primeira geração, temos de saber chegar aos seus filhos e netos, já plenamente integrados nas sociedades de acolhimento, para que não desistam das referências identitárias da cultura açoriana, desde logo, preservando a própria língua portuguesa.
Em segundo lugar, o desafio setorial. Sem menosprezar a marca cultural e o caráter social das nossas comunidades convencionais, temos de reconhecer e valorizar o potencial económico de emigrantes açorianos que vingaram na diáspora e que estarão disponíveis para investir também na sua terra natal, se tiverem, como merecem, oportunidades adequadas e procedimentos facilitados.
Em terceiro lugar, o desafio geográfico. Sem menosprezar os destinos tradicionais e mais representativos da emigração açoriana, temos de estar atentos e atuantes ao lado de outras pequenas comunidades que começam a afirmar-se noutras paragens da América e em diferentes países da Europa, ou até mesmo da África, acentuando a dimensão global da própria açorianidade.
Temos muito trabalho a fazer! Não nos falta vontade nem criatividade. Que não nos faltem as oportunidades e as condições…”
PT – Como vê as comunidades dos EUA e que papel podem desempenhar no contexto da Açorianidade e no reforço dos laços à terra de origem?
As comunidades açorianas dos Estados Unidos da América são, numericamente, as mais representativas da nossa diáspora. Sobretudo na Costa Leste, no Estado de Massachusetts (com 290.000 portugueses, maioritariamente açorianos, recenseados em 1990) e no Estado de Rhode Island (94.000), ou na Costa Oeste, no Estado da Califórnia (346.000), a nossa presença é suficientemente expressiva para ter de ser devidamente respeitada e convenientemente valorizada.
Temos de reforçar, ainda mais, a sua ligação aos Açores, com a nossa política de proximidade, que tanto salvaguarde a preservação da sua identidade açoriana como promova a afirmação da sua cidadania americana. É possível ser cidadão americano sem deixar de ter coração açoriano.
Temos orgulho nos açorianos da América que afirmam o bom nome dos Açores na interculturalidade do novo mundo. Devemos e queremos estar ao seu lado para ajudar no que estiver ao nosso alcance”.
PT – Após este período de paralisação originado pela pandemia, estará na agenda uma visita às comunidades dos EUA?
O novo Governo dos Açores assumiu funções em condições excecionalmente difíceis. Como, aliás, aconteceu com a nova administração dos Estados Unidos. Estamos todos condicionados pelo combate prioritário à pandemia da Covid-19 e estamos, desde logo, limitados na nossa própria mobilidade. No caso específico do novo Diretor Regional das Comunidades, e mesmo do anterior na fase final do seu mandato, a impossibilidade das deslocações prejudica o normal exercício das funções, que se quer de proximidade permanente.
Anseio pelo rápido restabelecimento de uma nova normalidade, para que possa deslocar-me aos Estados Unidos e estar presencialmente com as nossas comunidades, como gostaria, tantas vezes quanto necessário e possível.
O Diretor Regional tem de estar junto das Comunidades, assegurando uma presença simbólica dos Açores e um sinal político de proximidade, especialmente nos momentos marcantes da vida comunitária. É isso que tenciono fazer, logo que seja possível, por obrigação e por gosto”.
PT – Como sabe, para além da Casa dos Açores da Nova Inglaterra, que tem desempenhado um excelente papel na criação de iniciativas que visam a promoção dos Açores, existem várias estruturas associativas açorianas aqui pela Nova Inglaterra, como vê o seu papel na divulgação e promoção das tradições e costumes da terra de origem?
As Casas dos Açores são embaixadas representativas da açorianidade, também na Costa Leste dos Estados Unidos, desde a primitiva Casa dos Açores do Estado de Rhode Island, presidida pelo senador John Correia, até à sua sucessora e atual Casa dos Açores da Nova Inglaterra, com as sucessivas presidências de Paulo Bettencourt, José Soares, João Luís Morgado Pacheco, João Carlos Tavares, Mariano Alves, Mário Ventura, Nélia Alves-Guimarães e, agora, Francisco Viveiros.
Mas o movimento associativo que estrutura e dinamiza as comunidades açorianas vai muito além das Casas dos Açores e, no caso da Nova Inglaterra, traduz-se mesmo em dezenas ou centenas de pequenos ou grandes clubes ou associações, de caráter social, cultural, recreativo, religioso ou desportivo, mais ou menos ativos, que muito contribuem para a preservação e para a afirmação da nossa identidade na sociedade americana.
Todas estas estruturas associativas colocam as bandeiras de Portugal e dos Açores, orgulhosamente, ao lado da bandeira dos Estados Unidos, pelo que merecem o nosso respeito pessoal e o nosso apoio institucional”.
PT – E o papel dos órgãos de comunicação social nesta região?
Se a nossa estratégia passa por aproximar cada vez mais os Açores contemporâneos e a diáspora açoriana, então os órgãos de comunicação social e as novas plataformas de informação assumem aqui um papel absolutamente central.
A comunicação social, que sempre foi indispensável, ganha agora uma importância ainda maior num tempo de pandemia que condiciona os contatos presenciais. É pelas redes sociais, pela informação digital, pelas televisões, pelas rádios, ainda e sempre pelos jornais, que melhor nos relacionamos uns com os outros, para a coesão do espírito comunitário e para a aproximação transatlântica às nossas origens.
Como profissional de comunicação social que sou, tenciono apostar, tanto quanto possível, nessa mesma dimensão mediática para podermos vencer a distância e o tempo.
É preciso reforçar a informação entre as duas margens do Rio Atlântico, como lhe chamou Onésimo Teotónio de Almeida, e temos para isso diferentes ideias a concretizar oportunamente”.
PT – Em 2016 revestiu-se de sucesso a iniciativa de reunir os órgãos de comunicação social açorianos da diáspora com os existentes nos Açores. Prevê-se no futuro iniciativa idêntica?
A aproximação mediática entre os Açores e a Diáspora passa também por aí. Temos de promover encontros de cooperação, fomentar intercâmbios de jornalistas, desenvolver trabalho conjunto por parte da comunicação social dos dois lados. A açorianidade só ganha com isso. E, para isso, podemos contar com excelentes órgãos de comunicação social, nas nossas ilhas e na nossa diáspora.
Permito-me aqui destacar, neste âmbito, o próprio Portuguese Times, que saúdo na pessoa do seu diretor Francisco Resendes, pela circunstância especial de comemorar este ano as boas de ouro da sua fundação. Aqui está um exemplo notável de meio século de serviço prestado à comunidade açoriana da Nova Inglaterra. Os meus parabéns ao nosso jornal!”
PT – Uma mensagem aos açorianos da diáspora…
A minha mensagem é de reconhecimento e de confiança.
Reconhecimento pelo trabalho que desenvolvem, individualmente ou no âmbito do movimento associativo, para a preservação da nossa identidade cultural e para a valorização da nossa cidadania ativa no contexto próprio das sociedades de acolhimento.
Confiança no trabalho conjunto que faremos, lado a lado, para aproximar ainda mais a relação dos Açores com as suas comunidades e para tornar ainda melhor a afirmação da açorianidade no mundo.
Estamos a viver hoje um momento muito difícil, mas temos de acreditar que o amanhã será melhor para todos com o contributo de cada um. Pela minha parte, farei tudo o que puder”.
Parceria Comunidades Lusófonas / Portuguese Times