O presidente do Banco Central (BC) brasileiro, Roberto Campos Neto, disse que perante a deterioração “quantitativa e qualitativa” da inflação, a autoridade monetária do país terá um trabalho “difícil e desafiador”, num cenário de subida nos preços de bens alimentares, combustíveis e de energia.
Na avaliação de Campos Neto, pra além do problema de inflação interna, o Brasil está a “importar inflação de outros países, o que torna o ambiente ainda mais desafiador”.
O responsável ressaltou que para contornar esta situação, será necessário que o país encontre “equilíbrio fiscal”, e passou a mensagem de que “o Brasil tem condições de ter um crescimento sustentável mais elevado”, disse. As declarações foram feitas à margem no IX Fórum Jurídico, realizado esta terça-feira em Lisboa.
O presidente do BC disse que, em parte, “a inflação que se tem verificado em diversos países está relacionada com uma “maior injeção fiscal da história mundial”, medida adotada com o objetivo de mitigar os efeitos da pandemia na economia.
Campos Neto disse que, com a pandemia, “o cenário mundial ficou pior do que se imaginava, com uma rápida e volátil mudança de cenários, em termos de crescimento e de perspetiva de inflação”. Os Governos “ficaram em pânico, sem conhecer a real dimensão do problema”, frisou.
Perante esta situação, Campos Neto, salientou que foi feita “a maior injeção fiscal da história mundial”, de 9 triliões de dólares americanos, segundo informou na semana passada o FMI (Fundo Monetário Internacional), sendo que 4,5 triliões foram em transferências diretas. Se pensarmos que o PIB mundial está os 84 e os 85 triliões, “estamos a falar de 10% de injeção fiscal num espaço de tempo relativamente pequeno, algo que nunca tínhamos visto”, referiu.
Para o presidente do BC, como consequência, essas transferências “resultaram num aumento no consumo de bens em várias localidades”. “Vemos uma correlação disto com o aumento de preços nos países que tiveram mais ajuda. Num primeiro momento, com a alimentação a subir muito”.
“Os bancos centrais criaram uma tese de que seria um aumento temporário, porque, quando a economia reabrisse, as pessoas voltariam a trabalhar e, assim, voltariam a consumir serviços, deixando de consumir bens, o que resultaria na queda dos preços de bens. Segundo esta tese, a reabertura mundial, após a pandemia, reequilibraria essas forças e faria com que a inflação caísse rapidamente”, disse.
Essa expectativa, segundo Campos, acabou por não se concretizar, uma vez que “partia da premissa de que haveria uma rutura de oferta maior do que a que foi registada”, e que “as pessoas que estavam em casa não estariam a produzir”, o que acarretaria uma queda na oferta de bens.
Essa tese foi bastante divulgada. “Hoje vemos que, em parte ou quase na totalidade, a tese não é verdadeira”, disse o presidente da autoridade monetária brasileira. “Também existia uma tese de que a logística tinha sofrido uma rutura porque as pessoas estavam em casa. Na verdade, quando olhamos em retrospetiva, vemos que isso também não aconteceu”, frisou.
Segundo Campos Neto, o que aconteceu foi “um grande deslocamento da procura” porque os governos aplicaram muito dinheiro na mão das pessoas num período muito rápido. “Demorou até os bancos centrais perceberem o efeito combinado desse conjunto de ajudas, de 9 triliões”, acrescentou, ao comentar que a previsão atual é de que esse deslocamento persista.
“Relacionado com este fator, levanta-se um outro tema relacionado com esse deslocamento da procura. Imaginávamos que o consumo de energia elétrica em casa ia crescer mais do que fora de casa, e isso não aconteceu. O que aconteceu foi precisamente o contrário, porque produzir bens significa gastar muito mais energia do que produzir serviços”, defendeu. “Temos aqui, também, um deslocamento importante da procura de energia que não foi acompanhado do aumento na oferta de energia”, complementou.
Na avaliação do presidente do BC, a comunidade económica “demorou a entender o impacto que os programas fiscais teriam nos preços”. “Imaginou-se que isso se equilibraria quando a economia reabrisse e que haveria mais investimentos nos bens onde haveria escassez. Nenhuma das duas coisas aconteceu da forma esperada”, resumiu.
Ainda segundo Campos, o impacto nos preços da energia elétrica e dos combustíveis foi maior do que o esperado em 2021. “Foi na verdade o maior (impacto) dos últimos 20 anos, a par com o choque de alimentos registado no ano anterior”, disse.
Perante este cenário, Campos Neto disse que o BC iniciou então o processo de aumento de juros. “O número de inflação acelerou e teve uma degradação, tanto quantitativa como qualitativa, em todos os aspetos. É muito importante sermos realistas para entendermos o quão disseminada está a inflação e o quão difícil será o trabalho do BC neste momento. Temos percebido, mais recentemente, uma revisão de inflação em alta e de crescimento em baixo em 2022”.
O presidente do BC apontou alguns dos motivos que impediram, ao Brasil, de beneficiar da alta dos preços das commodities. “Geralmente, quando commodities sobem, a moeda brasileira aprecia, porque o Brasil é exportador de commodities. Então o preço da moeda local absorveria a alta externa”, disse.
“Só que desta vez isso não aconteceu. Tivemos aumento do preço de commodities, com desvalorização da moeda. Isso aconteceu porque os termos de troca, que é essa relação, foram acompanhados de aumento do nível de dívida emitida”, explicou ao associar essa dívida às medidas de combate aos efeitos da pandemia na economia do país.