
In Portugal Digital
Pelos corredores palacianos da Lisboa primaveril a azáfama é grande. Ainda os incêndios não começaram a lavrar e já eles, os que mandam nisto tudo ou que julgam mandar, correm a apagar fogos. São uns atrás dos outros. E, como sempre, assobiam para o lado. Odemira é só o mais recente e são todos inocentes.
É o Novo Banco, é a mentira que nos quiseram impingir sobre o tal Plano de Recuperação e Resiliência, cujo texto na íntegra procuraram ocultar, é a gestão desastrosa do combate à pandemia que a todo o custo procuram fazer esquecer, é o sucateamento do Serviço Nacional da Saúde, a que deram continuidade, é …, é…. Enfim, a lista seria longa.
O que mais afronta o cidadão é que é assim, mas não deveria ser. Um governo defensor de um chamado Estado social, como teimam em proclamar, não pode agir como se fosse uma agência de marqueteiros. Maus marqueteiros. E socialistas de faz de conta.
“Esqueçam o que fizemos e o que não fizemos. Prometemos que não voltaremos a fazê-lo. Afinal, também não é preciso exagerar com desculpas. Convenhamos: Nem todos estão mal acomodados. Até publicámos um despacho que permite que um quarto com menos de quatro metros quadrados receba pelo menos quatro desses abnegados trabalhadores, por quem nutrimos a maior simpatia. E que tanto contribuem para a economia nacional, para a prosperidade dos nossos agricultores mais empreendedores, para que aquelas alfaces mimosas cheguem às nossas mesas. Somos o Estado social. Pronto, tenho dito! Vamos em frente, que atrás vem gente e à frente temos eleições. E estas coisas não interessam a ninguém”. Este poderia ser, talvez, um discurso imaginado.
O desabafo, em forma de chilreio, ouvi-o de um passarinho que costuma voar por São Bento, ali para os lados do parlamento, onde confabulam os que nos governam e os que fazem as leis. Mas, poderia também ser a transcrição de uma das várias declarações que ministros e outras personalidades desta terra de brandos costumes ousaram fazer, nos últimos dias, quando os jornais e televisões mostraram ao país e aos outros países as condições degradantes a que estão sujeitos milhares de imigrantes que chegaram a Portugal, arrastados por sonhos e promessas de uma vida melhor do que aquela que tinham onde nasceram.
Que há empresários e atravessadores, travestidos de empresários, que fazem da exploração humana um modo de vida e de enriquecimento rápido nunca foi novidade para mim, desde que me tenho por gente. Mas que, ministros e coadjuvantes, de um governo que diz ter preocupações sociais, nos venham dizer que o que lá vai, lá vai, são águas passadas, olhemos é em frente é, julgo eu, caso de polícia.
Desde António Costa à ministra economista Ana Abrunhosa, passando pelo ministro da Administração Interna, que já nos habituou a declarações ou comentários, a propósito disto ou daquilo, em que o desrespeito pela verdade e pelos cidadãos se faz presente, como foi o caso do assassinato de um cidadão ucraniano, é estarrecedora a forma como se eximem a responsabilidades.
“Alguma população vive em situações de insalubridade habitacional inadmissível, com sobrelotação das habitações”, (…) há situações de “risco enorme para a saúde pública, para além de uma violação gritante dos direitos humanos”, lamentou o primeiro-ministro António Costa. Um lamento que cai sempre bem.
Num outro despacho da Agência Lusa, a partir da Covilhã, leio o seguinte:
“Odemira, como sabemos, é um caso de que todos tínhamos conhecimento e a pandemia veio fazer explodir o problema”, disse, terça-feira, 4 de abril, a ministra da Coesão Territorial, a economista e professora Ana Abrunhosa, na Covilhã.
“É absolutamente decisivo, seja qual for o ponto do país em que existam imigrantes, sazonais ou não, que essas pessoas sejam sempre identificadas, tenham direito a saúde, a segurança social e a habitação condigna, além de um contrato de trabalho que proteja os seus direitos enquanto trabalhadores”.
A ministra Ana Abrunhosa manifestou ainda desejar que os imigrantes “sejam integrados, tenham condições de habitação e contratos de trabalho legais”.
“Agora, mais importante do que andar à procura da culpa é ajudarmos a população e isso implica todos: a Câmara [Municipal, de Odemira], os empregadores, e as autoridades de saúde (…) implica não fechar os olhos mais”.
Na última segunda-feira (03), o presidente da Câmara Municipal de Odemira, José Alberto Guerreiro, do PS, estimou que “no mínimo, seis mil” dos 13 mil trabalhadores agrícolas do concelho, permanentes e temporários, “não têm condições de habitabilidade”.
Mas a ministra da Coesão prefere minimizar esta dor humana, que deveria ser coletiva. Assim, disse, citada pela Lusa, há uma parte “que não corresponde à maioria, que, de facto, vive em garagens e em casas sobrelotadas”. “Estamos a falar de 20% a 30% dos trabalhadores, que é uma enormidade, mas essa percentagem era muito maior há uns anos atrás, portanto, é um problema que demora a se resolver”. Ou seja, a ministra afirma que, afinal, as coisas até melhoraram.
A culpa, como sempre dizem, é dos outros…E, como habitualmente, assobiam para o lado.
Opinião – Portugal Digital