Quando a Comissão Europeia preferiu usar três comboios e replicar as viagens reais sobre carris no Velho Continente, até parecia que estava a contar com a confusão que se gerou na estação do Oriente. O cenário fazia lembrar mais uma viagem de Alfa Pendular ou de Intercidades do que outra coisa.
Quando a locomotiva vermelha da CP chegou à linha seis com mais seis carruagens emprestadas pela Renfe estava a confusão instalada: pessoas de um lado para o outro a procurar a composição certa, que nem umas baratas tontas. Mas sobre a plataforma estavam dezenas e dezenas de convidados prontos para embarcar no Connecting Europe Express.
Foi a partir da capital portuguesa que o comboio europeu partiu, pontualmente, às 15h51. Os convidados misturaram-se com os passageiros que aguardavam pelo serviço regular da CP. A comissária europeia dos Transportes subiu a bordo, viu o interior das seis carruagens, todas pintadas de azul, mas não fez a viagem.
A partida do comboio atraiu dezenas de curiosos à saída da estação do Oriente. Não faltaram fotografias para documentar um momento único da ferrovia na Europa. Numa das carruagens seguiram o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado das Infraestruturas, Jorge Delgado, e os presidentes da CP e da Infraestruturas de Portugal. Nas restantes, alguns jornalistas portuguesas e membros da organização.
Como foram utilizadas carruagens Talgo das séries IV e V, a velocidade máxima permitida foi de 180 km/h. Na paragem do Entroncamento, saiu parte da comitiva do governo, mas não faltaram os curiosos, devidamente vigiados pela Guarda Nacional Republicana.
Com a Covilhã como destino do primeiro dia, a organização escolheu a linha da Beira Baixa (seguindo por Entroncamento-Abrantes-Castelo Branco-Covilhã) em vez da Beira Alta (Entroncamento-Coimbra-B-Pampilhosa-Guarda-Covilhã).
Além de mostrar a linha da Beira Baixa totalmente eletrificada e arranjada, a escolha foi mais benéfica para a vista: a partir de Alferrarede, o comboio seguiu junto ao rio Tejo. Com o sol do final de tarde, o espelho de água brilhou e presenteou-nos com uma paisagem que apenas pode ser comparável, em Portugal, com a linha do Douro.
Pelas 19h49, quando o comboio chegou à Covilhã, os passageiros foram recebidos com flores de jovens da vila de Tortosendo, recordando a receção à rainha D. Amélia, 130 anos antes, para a inauguração da linha da Beira Baixa.
A segunda etapa, saiu no dia seguinte às 8h20 da Covilhã e teve como destino a capital espanhola, Madrid. Pela primeira vez em quase ano e meio passou um comboio de passageiros em Vilar Formoso, recordando as viagens para Espanha e França.
Entre 2 de setembro e 7 de outubro, o comboio da União Europeia irá atravessar 26 países para promover o transporte público mais sustentável para o planeta.
A travessia com mais de 20 mil quilómetros, prevista para este outono, está integrada nas comemorações do Ano Europeu do Transporte Ferroviário
A data foi marcada para 2 de setembro. O Connecting Europe Express parte da Estação de Santa Apolónia, em Lisboa, e começa a sua a longa viagem de mais de 20 mil quilómetros. O percurso só ficará completo a 7 de outubro. Nesse dia, e depois de parar em 70 cidades europeias, incluindo 24 capitais, o comboio chegará finalmente a Paris.
A grande travessia, prevista para este outono, está integrada nas comemorações do Ano Europeu do Transporte Ferroviário. Entre as várias iniciativas calendarizadas, o Connecting Europe Express tem a missão mais importante de todas – demonstrar, em tempo real, que o comboio é a melhor solução de mobilidade para ligar pessoas e empresas. E, como tal, terá de ser prioritário nas políticas de infraestrutura da União Europeia.
Atravessando o continente, de Lisboa a Bucareste e de Berlim a Paris, o Connecting Europe Express assume-se, nas palavras da comissária para os Transportes, Adina Vălean, como um “símbolo de conectividade”. Mas também servirá para relembrar aos estados-membros que ainda há um longo carril a percorrer antes de o comboio se tornar na opção de transporte mais popular entre os europeus.
Estratégia-chave para a descarbonização
A fim de alcançar as metas climáticas, a União Europeia tem vindo a incentivar os países a reforçar a rede não apenas com mais ligações internacionais para passageiros, mas igualmente na transferência do transporte de carga para o ferroviário. O esforço coletivo é a pedra angular do Pacto Ecológico Europeu 2019 para tornar os estados-membros neutros em carbono até 2050.
E o comboio, nesta corrida, é o transporte público mais sustentável, defende a Comissão Europeia, relembrando que o sistema ferroviário é responsável por apenas 0,4% das emissões. Segundo os cálculos da Agência Ambiental Europeia, o comboio polui 32 vezes menos do que um automóvel a combustão interna e 23 vezes menos do que o avião. A vantagem torna-se ainda mais expressiva ao se realçar que quatro em cinco comboios europeus já se movem a eletricidade.
O reduzido impacto no clima explica, por isso, por que a Comissão Europeia já alocou 5,8 mil milhões de euros para a infraestrutura ferroviária em todo espaço comunitário. Mas ainda antes de Bruxelas designar 2021 como o Ano Europeu do Transporte Ferroviário, boa parte dos países já arrancara com os seus planos para reforçar a rede. Alemanha cortou, no início de 2020, 10% nas tarifas ferroviárias de longa distância e baixou o IVA de 19% para 7%. A italiana Trenitalia prepara-se para operar em França e a francesa Ouigo, filial da SNCF, entrou, em maio, no mercado espanhol, acabando com 80 anos do monopólio da Renfe. Portugal, também apanhou a carruagem, ao anunciar no final de janeiro ao Parlamento Europeu a conclusão da linha de alta velocidade Lisboa-Madrid para dezembro de 2023.
Os desafios do comboio
Com a promessa e as primeiras iniciativas para expandir a rede, a Comissão Europeia programou o arranque da campanha do Ano Europeu do Transporte Ferroviário para setembro com o Connecting Europe Express a viajar por 26 países, divulgando os benefícios do comboio para lazer, turismo e negócios.
Em cada uma das paragens, estão previstos eventos e várias atividades, adaptados às medidas locais da COVID-19. As iniciativas têm como ponto central destacar o papel-chave que o transporte ferroviário desempenha na mobilidade europeia, mas também alertar para os desafios que o setor ainda terá de ultrapassar para atrair mais passageiros e mercadorias. Um deles passa precisamente por articular a rede europeia para garantir ligações em todas as cidades do continente.
Algo que ainda não acontece e que explica por que o Connecting Europe Express é, na verdade, não um, mas três comboios diferentes, que se vão encontrar em momentos diferentes desta viagem. Além da rota principal entre Lisboa e Paris, um segundo comboio separado irá fazer um percurso ibérico, em Portugal e em Espanha, e um terceiro completará o circuito do báltico na Estónia, Letónia e Lituânia.
Exposições e debates sob os carris
O comboio principal do Connecting Europe Express terá seis carruagens – uma irá acolher exposições móveis dedicadas às tecnologias e inovações que já estão a melhorar a experiência ferroviária, outra mostrará imagens e maquetes de projetos de infraestruturas apoiadas pela União Europeia. E uma terceira composição será destinada a encontros, debates e colóquios, sendo as três restantes para passageiros, dormitórios e restaurante.
Cinco conferências já foram confirmadas e vão acontecer ao longo da rota – em Lisboa, Bucareste, Brdo (Eslovénia), Berlim e Bettembourg, no Luxemburgo. Cada encontro terá um tema diferente, mas o ponto em comum será a discussão das metas e planos de ação para o transporte ferroviário traçados na Estratégia de Mobilidade Inteligente e Sustentável da União Europeia.
As discussões incidirão sobre a política de infraestruturas da UE e realçarão o papel da Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T) na ligação não só da Europa, mas também dos transportes. Os cidadãos e as organizações interessadas em organizar um evento ou atividade ao longo do percurso são convidados a partilhar as suas ideias através de info@connectingeuropeexpress.eu.