Num período de governação especialmente complicado em consequência dos efeitos da pandemia da Covid-19, que teve como consequência um empobrecimento e uma vulnerabilização das comunidades, quer enquanto pessoas individuais, quer enquanto pessoas coletivas, Berta Nunes, Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, não baixou os braços e continua na luta para apoiar os emigrantes, a promoção da língua portuguesa, a implementação do novo modelo de gestão consular e em recuperar a economia das empresas da Diáspora na sua relação com Portugal.
Entrevista conduzida por Abílio Bebiano | Fotos. Revista Comunidades
Revista Comunidades (RC): Das recentes visitas efetuadas a comunidades portuguesas em vários continentes, que conclusões tirou, em termos gerais, sobre a situação dos portugueses nos diferentes países de acolhimento?
Berta Nunes (BN): Embora a situação das comunidades portuguesas não seja igual em todos os países, podemos dizer que os emigrantes portugueses estão bem integrados nas sociedades que escolheram para viver e trabalhar. São comunidades que muito nos orgulham, são trabalhadoras e adaptam-se bem às realidades dos países de acolhimento, cujas populações e governos têm uma imagem muito positiva dos portugueses que ali residem. Nas visitas às comunidades posso, a cada vez, testemunhar também a heterogeneidade que compõe hoje a Diáspora portuguesa, composta tanto pelas primeiras gerações de emigrantes como por aqueles que podemos hoje designar como jovens em mobilidade, frequentemente muito qualificados e académica e profissionalmente bem posicionados. Na recente viagem que fiz à Alemanha pude testemunhar no terreno esta heterogeneidade, em particular através da ação da ASPPA – Associação de Pós-Graduados Portugueses na Alemanha, que procura, de uma forma muito interessante, criar vínculos com a comunidade e com o movimento associativo dito tradicional. Temos nas comunidades portuguesas situações delicadas que merecem toda a nossa atenção, como o caso da Venezuela, comunidade à qual temos prestado particular atenção. Continuaremos a fazê-lo e apoiar a comunidade ali residente. Estamos naturalmente atentos aos que possam estar mais vulneráveis, também como consequência da pandemia, mas de um modo geral, a nossa diáspora está bem e bem integrada.
RC: Em relação ao ensino do português no estrangeiro, principalmente para lusodescendentes, entende necessária uma política mais eficaz para defesa da língua portuguesa, não apenas para a internacionalização, mas também como língua materna, de herança?
BN: O ensino da língua portuguesa no estrangeiro é, naturalmente, uma das nossas prioridades. A questão do ensino do português como língua materna ou língua de herança constitui, mais do que uma questão teórica, uma questão que deve ser pensada relativamente a cada aluno. É fundamental que a Rede EPE possa oferecer a cada aluno a modalidade de ensino mais adequada para cada caso. Se um aluno, apesar de lusodescendente, não falar ou compreender a língua, o ensino do português como língua materna não será, certamente, a opção mais adequada. Nós queremos chegar a todos e só conseguimos fazê-lo na medida em que correspondermos ao nível e às necessidades dos alunos. Um caminho que temos feito e que julgo que é preciso continuar a fazer, tendo como meta dois objetivos essenciais: manter presente o português entre os portugueses e lusodescendentes no estrangeiro e conquistar mais falantes fora das comunidades portuguesas, contribuindo para a sua valorização com uma das línguas mais faladas em todo o mundo. A Língua portuguesa é, no mundo globalizado de hoje, uma ferramenta de trabalho e um fator de valorização pessoal e profissional muito valioso, que a nossa diáspora mais qualificada, por exemplo, tem sabido usar, e bem, a seu favor.
RC: Que nos pode dizer sobre o que respeita à implementação do novo modelo de gestão consular e à utilização das novas tecnologias aplicadas ao ensino da língua portuguesa no estrangeiro?
BN: Todas as vertentes do Novo Modelo de Gestão Consular registaram progressos muito significativos no período do mandato. Em outubro de 2019 existiam dois Centros de Atendimento Consular (CAC), um na Espanha (desde abril 2018) e outro no Reino Unido (desde abril 2019). Nos últimos dois anos foram criados cinco novos CAC: Irlanda (outubro 2020); Bélgica (outubro 2020); CAC Luxemburgo (novembro 2020); Itália (junho 2021) e Países Baixos (novembro 2021);
Em outubro de 2019 a estrutura CAC dispunha de 15 funcionários num centro de atendimento localizado em Lisboa; em novembro de 2021 a estrutura CAC conta com 42 funcionários (+180% do que no final de 2019), tendo sido criado o polo de língua francesa no interior do país (Alfândega da Fé).
A capacidade de atendimento do CAC teve um reforço exponencial, passando de 72 mil atendimentos no segundo semestre de 2019 para 252 mil no primeiro semestre de 2021 (+250%).
Em março de 2020, já durante esta legislatura, foi lançado o e-visa, que está disponível em 6 línguas (português, inglês, francês, russo, ucraniano e mandarim). Está em utilização em 84 postos consulares, com alargamento a prosseguir, registando, até ao passado dia 30 de setembro, 36.635 utilizadores e 21.618 pedidos de visto efetuados.
Quanto ao novo sistema de gestão consular (e-SGC), este já se encontra em funcionamento na totalidade da rede consular. Com o e-SGC pôs-se fim à duplicação de inscrições consulares, havendo apenas uma inscrição com base no número de CC que acompanha o utente. Desde a entrada em funcionamento deste sistema, foram transferidas, até ao dia 30 de setembro de 2021, 40.892 inscrições únicas entre postos e foram praticados mais de um milhão de atos consulares.
O agendamento online, no final de 2019 estava disponível em 38 postos. A 30 de setembro de 2021 o agendamento online era usado por 76 postos (+100% do que no final de 2019). Nos primeiros nove meses de 2021 foram feitos 491.101 agendamentos online, o que representa: +43% dos efetuados na totalidade do ano 2020 (343.101 agendamentos); +92% dos efetuados na totalidade do ano 2019 (209.363 agendamentos).
Em relação à Nova Rede de Pedidos de Visto (e-RPV), está em curso o desenvolvimento aplicacional para entrar em funcionamento até ao final do primeiro semestre de 2022.
No que diz respeito à e-Cônsul, a nova plataforma informática de interação direta com o utente consular destinada a possibilitar a prática de atos consulares desmaterializados, diretamente, via Portal das Comunidades, ou via aplicação para telemóvel ou tablet, assim como os pagamentos eletrónicos, decorrem reuniões técnicas para finalizar caderno de encargos para a contratação de empresa de consultadoria.
Em relação à utilização das novas tecnologias aplicadas ao ensino da língua portuguesa no estrangeiro, O Camões, I.P. disponibiliza uma oferta na área de ensino à distância com recurso à utilização de uma plataforma tecnológica em contexto web, possibilitando a aprendizagem da língua portuguesa em qualquer parte do mundo, com níveis de tutoria diferenciados. A pandemia veio acelerar bastante a transição digital no ensino do português no estrangeiro, tanto no que diz respeito à adaptação e formação dos professores como na disponibilização de materiais pedagógicos adequados. Caminhamos para uma complementaridade – e não para uma substituição – entre o ensino presencial e o ensino à distância que é cada vez mais essencial para servir as comunidades.
Leia a entrevista na íntegra na nossa edição de dezembro.