Este ‘thriller’ de espionagem passa-se em Portugal, durante o Estado Novo e a Guerra Fria. A ação é inspirada em alguns factos reais e o cenário é a aldeia da Glória do Ribatejo, onde funcionava o centro de transmissões americano RARET.
A série portuguesa de ficção “Glória”, realizada por Tiago Guedes, a primeira a ser produzida para a Netflix, estreia-se esta sexta-feira na plataforma de ‘streaming’.
“Glória” é um ‘thriller’ de espionagem e ação, passado em Portugal durante a ditadura, e ainda durante a Guerra Fria, sendo uma história de ficção assente num contexto e em factos reais.
A ação concentra-se na aldeia da Glória do Ribatejo, concelho de Salvaterra de Magos, onde durante décadas funcionou um centro norte-americano de transmissões (RARET), que tinha como objetivo divulgar “propaganda ocidental para os países do Bloco de Leste”.
A história de ficção é protagonizada pelo engenheiro João Vidal (o ator Miguel Nunes), filho de um alto dirigente do Estado Novo, recrutado pelo KGB, a polícia secreta soviética.
A série, cuja primeira temporada tem dez episódios, conta com a participação de Victoria Guerra, Afonso Pimentel, Adriano Luz, Carolina Amaral, Joana Ribeiro, Albano Jerónimo, Marcelo Urgeghe, Stephanie Vogt e Jimmy Taenaka.
O criador e argumentista de “Glória”, Pedro Lopes, afirmou que esta representa a entrada de Portugal “num outro patamar de fazer ficção” em Portugal.
“Termos acesso a outro músculo financeiro permitiu que houvesse mais tempo para escrever, para filmar, para a direção de arte preparar a recuperação dos edifícios, a decoração, os ensaios dos atores. Quando entramos num mercado internacional, a diferença está nos pormenores”, disse.
Além da história de ficção, a série recupera também uma parte menos conhecida do período da ditadura portuguesa e da sua posição na política geoestratégica internacional.
“Este projeto trouxe uma história original, não só para quem não é português, que fica a perceber o papel que Portugal teve como plataforma neste período da Guerra Fria; e também para os portugueses, porque a RARET, apesar de ser um complexo de 200 hectares onde trabalhavam 500 pessoas, continua a ser um segredo muito bem guardado ao longo destes anos todos”, afirma Pedro Lopes, na mesma entrevista.
RARET: um centro de transmissão de propaganda contra o comunismo
A RARET foi um centro de retransmissão de rádio americano instalado na Glória do Ribatejo, concelho de Salvaterra de Magos, na década de 1950, e a partir do qual era emitida a Radio Free Europe (Rádio Europa Livre), um instrumento de propaganda dos EUA contra o comunismo e a União Soviética, no contexto da Guerra Fria, cuja missão era retransmitir programas para o Bloco de Leste, incluindo notícias e músicas que estavam proibidas nesses países.
“Em 19 de dezembro de 1950, o embaixador dos EUA em Portugal foi recebido em audiência pelo Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar. A audiência tinha dois objetivos; por um lado, revelar às autoridades portuguesas os esforços realizados pelos EUA no combate à expansão do comunismo na Europa e, ao mesmo tempo, convidá-lo a participar dessa luta, autorizando a construção de um centro de retransmissão Radio Free Europe (RFE) em Portugal”, explica Vítor Malta Madail, na dissertação da sua tese de mestrado, “A Guerra-Fria combatida a partir da charneca ribatejana: o caso da RARET 1951-1963”.
A RARET funcionou durante 45 anos, naquela localidade ribatejana, até 1996, e acabou por criar uma comunidade dentro da Glória do Ribatejo, contratando pessoas da região – que inicialmente desconheciam o teor do projeto – e criando depois blocos residenciais para os funcionários deslocados e estruturas sociais. Na RARET funcionava uma escola, existiam campos desportivos, piscina e apoio médico.
Segundo escreve Vítor Malta Madail, a primeira retransmissão foi feita a 4 de julho de 1951, sendo dirigida à então Checoslováquia. “A RARET tinha como objetivo retransmitir, a partir do Centro de Emissor da Glória do Ribatejo, as emissões da RFE [Radio Free Europe], organização patrocinada pelo National Committee Free Europe (NCFE), fundado nos EUA em 1949, financiada pela CIA e pelos fundos angariados pela Cruzada pela Liberdade (Crusade for Freedom). A adesão das autoridades portuguesas à iniciativa americana colocou Portugal no epicentro de um combate hertziano, que envolveu os dois blocos ideológicos da Guerra Fria ao longo de quarenta e cinco anos”.
Depois do fim das transmissões em 1996, as instalações da RARET ficaram ao abandono, tendo o material técnico sido vendido para sucata, pela Junta de Freguesia da Glória do Ribatejo da altura e as bobines com as gravações das transmissões sido, numa primeira fase transferidas para Lisboa, e posteriormente para os EUA.
A série “Glória” chega à Netflix numa altura em que outras plataformas de ‘streaming’ estão também a produzir e a exibir séries de ficção portuguesa, como “Auga Seca”, cuja segunda temporada também se estreia hoje na HBO Portugal, e “Operação Maré Negra”, para a Amazon Prime Video.
Para Pedro Lopes o facto de estrear da Netflix, que é líder no ‘streaming’, é uma forma de “trazer visibilidade a Portugal e à nossa indústria” audiovisual.
“Glória” é uma coprodução da SPi e da RTP. Além da Netflix, a estação pública de televisão também irá exibir a série, em data a anunciar.





































