Além desta ‘fuga’, o interesse de Portugal na cooperação comercial com esta sua ex-colónia também tem vindo a cair, sobretudo devido a outros…interesses.
Há muitos fatores para este afastamento. Arnaldo Gonçalves, que foi assessor de gabinete do Governo português de Macau entre 1990 e 1997 e que é presidente do Fórum Luso-Asiático, explicou-nos alguns, começando pelas razões da saída da comunidade de Macau, onde destacou, entre outras, as saudades e a política restrita de Covid-19 imposta pela China.
“As pessoas foram para Macau para desenvolver um projeto de vida de médio prazo, mas o ambiente inóspito desde a implementação da política Covid-zero tem imposto restrições e limitações de movimentos que se torna difícil manter por muito tempo. Os portugueses residentes em Macau têm famílias em Portugal e muitas vezes os filhos a estudar aqui e não é natural que se vejam privados de contacto próximo até porque as condições de retorno a Macau com confinamento obrigatório são muito duras”, começou por dizer, referindo depois um outro aspeto, no seu entender, muito importante para este êxodo.
“O menor uso do português na comunicação e nos documentos oficiais, a preferência no mercado de trabalho por cidadãos chineses tem tido também um impacto muito forte nessa redução. Pergunto-me se haverá mais de 3000 portugueses a viver em Macau, neste momento. Não conto aqui com a comunidade macaense, que tem um estatuto específico em Macau e ao que percebo à distância é olhada pelo Governo Central como uma minoria da China”, assinalou.
O afastamento de Portugal
As críticas a Portugal, ao Governo, têm surgido ao longo dos anos por parte da comunidade portuguesa. Arnaldo Gonçalves falou desse tema já em 2017: “Portugal centrou-se no seu papel na União Europeia e com o fim das suas responsabilidades sobre Macau, afastou-se. Foi um desenvolvimento natural.
A sensibilidade da opinião pública portuguesa quanto a Macau decresceu também à medida que o tempo passou”. Agora, no entanto, não vê muito que o Governo de Portugal possa fazer.
“O Governo acompanha os desenvolvimentos ocorridos em Macau e tem tomado posição sobre eventos que têm acontecido. Lembro a exclusão de candidatos “democratas” às eleições para a Assembleia Legislativa de Macau, as orientações da administração da TDM para os jornalistas portugueses que ai trabalham em termos de conteúdo noticioso.
As tomadas de posição têm sido feitas pelo ministro dos negócios estrangeiros chamando a atenção à China para respeitar a letra e o espírito da Lei Básica e o quadro de direitos fundamentais. Institucionalmente não podemos ir mais longe porque não há uma instância criada pela Lei Básica que monitorize o cumprimento das obrigações impostas pela mesma lei no quadro da segunda transição que vai até 2049. É um facto incontornável”, referiu Arnaldo Gonçalves, que assessorou Carlos Melancia, o antigo Governador de Macau que faleceu recentemente.
Há cerca de duas semanas o deputado de Macau, José Pereira Coutinho, revelou também que o Governo local discriminou a comunidade lusófona, com o cancelamento do último dia da Festa da Lusofonia. Perguntámos então a Arnaldo Gonçalves se poderá haver algum sentimento de discriminação na Comunidade.
“Não vivo em Macau há três anos e por isso não tenho um conhecimento consistente do que se passa. O que sei vem-me à distância. Parece-me, contudo que tem existido uma menor valorização da componente portuguesa da cultura, da história e da maneira de viver de Macau. A orientação do Governo Central é fortemente nacionalista e isso reflete-se na desconfiança ao que é estrangeiro e europeu. É um fenómeno nacional na China que dado o reforço da ligação da elite de Macau a Pequim se tem agravado”, assinalou o professor de Ciências Políticas e Relações Internacionais.
Investimentos ou falta deles
Resumidamente, a tendência será, assim, para que a comunidade lusa seja cada vez menor em Macau. Poderiam salvar-se os negócios, ou futuras cooperações económicas entre Portugal e Macau, mas Arnaldo Gonçalves também torce o nariz a essa possibilidade.
“Macau não é uma prioridade para as exportações e para os investimentos portugueses. Portugal está focado na Europa e nas relações com a África portuguesa. Portugal tem mantido uma relação afável e constante com a China. Tenho acompanhado isso para um livro que estou a escrever.
Os presidentes da China e Portugal têm comunicado, via telefone, periodicamente, nos últimos anos vendo a China um papel importante do nosso país na questão energética e no quadro da Iniciativa Uma Faixa, Uma Rota. Sines e os Açores têm sido falados nessa perspetiva”, disse, salientando, contudo, que mesmo a própria China tem outros interesses fora de Portugal.
“As autoridades chinesas gostariam que Portugal tivesse uma posição independente até porque é sabido que a União Europeia tem uma estratégia própria de ligação de vias de comunicação à Asia Central e ao Oriente que não é coincidente com os objetivos chineses. Portugal tem feito o equilíbrio possível entre estes desideratos. Por outro lado, quer António Costa, quer Marcelo Rebelo de Sousa, têm reafirmado à parte chinesa o interesse em receber investimentos chineses e ter empresas da China a operar em Portugal. Aqui a questão é que Pequim se centrou na Ásia-Pacífico e deixou de ter tanto interesse pelo mercado europeu”, afirmou.
Recentemente existiu uma troca no Consulado de Portugal em Macau. Paulo Cunha Alves saiu do cargo e entrou Alexandre Leitão. Entre elogios ao antecessor, Arnaldo Gonçalves deixa alguns conselhos ao novo cônsul.
“Pelos contactos que tive com o Embaixador Paulo Cunha Alves, foi sempre uma pessoa muito simpática e cortês e manteve uma posição institucional adequada nas relações com o Governo da RAEM. Foi um cônsul discreto, o que creio sempre desejável na nossa prática diplomática. Não conheço o cônsul Alexandre Leitão, sei apenas que é um diplomata próximo do Primeiro-Ministro, com quem acho que trabalhou. Espero que mantenha uma posição de articulação cordata com o Governo da RAEM e oiça e transmita a Lisboa os problemas e as dificuldades da comunidade portuguesa de Macau, a fim das mesmas serem acompanhadas. Não abandonamos os nossos compatriotas seja onde for que eles vivam. O cumprimento da Lei Básica da RAEM no segundo período de transição é imperativo e deve ser evitado tudo o que o possa perturbar”, concluiu.