Cidadãos abrangidos pelo recolher obrigatório que visa travar a Covid-19 na capital de Moçambique acreditam que a medida pode não funcionar, devido à falta de transportes. E temem novos abusos da polícia.
O jurista e jornalista Ericino de Salema acredita que o recolher obrigatório pode mesmo não ser praticável, uma vez que os trabalhadores dos restaurantes – que devem fechar às 20h00 – não terão tempo para chegar às suas residências.
“Por um lado, podem legalmente encerrar às 20h00; por outro, têm de estar em casa até às 21h00… Todos conhecemos o nosso sistema de transporte, quem estiver na baixa da cidade dificilmente chegará, em tempo útil, à Matola, Zimpeto, Albazine. Será um desafio de maior”, considera.
Salema lamenta que o Presidente da República não tenha falado muito, na sua comunicação à nação, sobre a responsabilidade da polícia, que muitas vezes atropela o estado de calamidade. Na opinião do analista, faltou “uma mensagem aos agentes da polícia, que muitas vezes têm atuado de forma desproporcional e sem respeitar os direitos fundamentais do cidadão”.
“Eu acho que, depois do que verificámos nos últimos 21 dias, era de esperar que ele se dirigisse em particular a este grupo alvo que tem o hábito de violar os direitos fundamentais e de agir sempre com excesso de zelo”, afirma.
Entretanto, já esta sexta-feira, o Presidente moçambicano dirigiu-se diretamente às forças policiais, pedindo-lhes que imponham o cumprimento das medidas de prevenção da Covid-19, que entraram em vigor, visando “salvar vidas” face à gravidade da situação.
Cidadãos que residem na periferia de Maputo afirmam que não vão conseguir cumprir o recolher obrigatório, das 21h00 as 04h00 horas, decretado pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, na quinta-feira (04.02), para conter o avanço da Covid-19. A medida abrange a zona metropolitana de Maputo, que corresponde às cidades de Maputo e Matola, o município de Boane e a vila de Marracuene.
Alguns citadinos afirmam que a rotina diária os obriga a chegar às suas residências depois das 21h00, tempo limite determinado pelo recolher obrigatório, devido aos problemas de transporte. Muitos destes cidadãos saem entre as 17h00 e 20h00 dos seus postos de trabalho e têm de se deslocar aos terminais rodoviários, onde permanecem uma ou mesmo duas horas à espera de transporte.
“Temos que ir à baixa e lá ficamos à espera dos TPM [Transportes Públicos de Maputo] que muitas vezes não aparecem a tempo”, diz João Uambo, residente no bairro Patrice Lumumba, a cerca de 25 km do centro da capital. E o problema não acaba aqui, conta: “Depois de conseguir o transporte, temos o problema dos engarrafamentos e acabamos levando muito tempo”.
Uma eventual solução poderá estar nas mãos do Governo, “se melhorar os transportes e os ‘chapas’ levarem quatro pessoas em cada assento”, sugere.
Os bairros de expansão em Maputo e Matola, onde muitos jovens residem, estão a mais de 25 km do centro da cidade, local onde trabalham.