Em 2017, a CM de Grândola decidiu proceder a uma revisão do PDM. Desde essa altura, o número de empreendimentos turísticos no concelho cresceu desmesuradamente. O número de camas turísticas já está muito acima do que era aconselhável. As populações locais, já envelhecidas, não suportam os custos desta nova movida de estrelas e multimilionários que se apaixonam pela região. A moda da Costa Azul tem um preço elevado para Grândola. A Associação Proteger Grândola nasceu para impedir os danos ambientais e sociais que já estão à vista. Começa a ser difícil chegar às praias até. O paraíso é só para quem pode.
O concelho de Grândola, delimitado a noroeste por Setúbal, a norte por Alcácer do Sal, a nascente por Ferreira do Alentejo e a poente pelo Atlântico é um enorme pedaço de paraíso, de múltiplas paisagens e uma extensa costa marítima, que se estende da península de Tróia a Sines, a chamada Costa Azul, onde se encondem praias magníficas, outrora no segredo dos deuses.
Na Herdade da Comporta, em Brejos da Carregueira de Cima, fica o paradigma de um elitismo, que a seu tempo se tornou numa imagem de marca, antes de se transformar num interminável megaprocesso com diagnóstico de Alzheimer. Desde 1955 até 2015, quando desmoronou o Grupo Espírito Santo, eram os Espírito Santo, como dizer… os donos daquilo tudo.
Foi lá, nos 13 mil hectares da Herdade da Comporta, que um dia Cristina, filha de Jorge e Kiki Espírito Santo, deixou escorregar aquela frase de consciência lapidar, de ali encontrar um reenquadramento tal com a natureza, que nela fazia despertar a bipolar sensação de “brincar aos pobrezinhos”.
De qualquer maneira, já faz tempo que a Comporta não é sequer o sítio indicado para um pobrezinho andar a brincar aos ricos. Lentamente – neste caso específico foi assim -, formou-se ali um condomínio social que, aparentemente, só não tem dinheiro para afastar os mosquitos. A aldeia da Comporta e a Herdade da Comporta são coisas diferentes e a mesma, sendo que a primeira se transformou numa fatalidade do poder e a outra na consequência fatal da sua continuidade.
Se já era pouco acessível, inacessível ficou depois de Paula Amorim, através da Amorim Luxury, ter concretizado em finais de 2019 a aquisição da Herdade da Comporta, em parceria com a Vanguard Properties, da qual é presidente do conselho de administração o empresário francês Claude Berda, um dos homens mais ricos de França, tendo já nacionalidade portuguesa.
Berda dedica-se ao segmento imobiliário do luxo. Em Portugal conquistou o petit-nom de “Senhor Comporta”. Naquelas paragens, Claude Alain Berda, de 75 anos, é como um sucedâneo franco/portugaise de DDT. A Herdade da Comporta já nada tem a ver com o que era quando era território dos Espírito Santo. A propriedade foi vendida por perto de 158 milhões de euros.
Numa primeira fase, a unidade recreativa feudal Espírito Santo foi loteada e vendida a preços proibitivos para as contas bancárias comuns. A exclusividade e o luxo fazem-se pagar a peso de ouro, vendido a retalho a milionários de todo o mundo e a celebridades planetárias, que com a sua mera presença asseguram o marketing para este segmento específico do paraíso.
Uma das primeiras residentes daquelas cercanias foi a senhora dona Ciccone, que toda a gente conhece pela nome próprio e artístico de Madonna, que foi da fase “like a virgin” até àquela em que lhe deu para se mudar para Portugal, seguindo as tendências da moda, um hábito que com ela envelheceu, embora com menos plásticas.
Foi na antiga Herdade da Comporta que a artista gravou inclusivé um clip, em que parecia algo desfasada no tempo e nos espaço, andando a cavalo como uma amazona nas finas areias da Costa Azul, bebendo cocktails ao pôr-do-sol, em traje de sevilhana. Com todas as diferenças possíveis e algumas imaginárias, o mesmo fez o arquitecto e designer francês Philippe Starck, que há uns anos se mudou para Sintra, tornando-se igualmente proprietário de um quinhão de Grândola, seguindo o exemplo de Angelina Jolie, do binómio Sarkozy/ Bruni ou de Rania, esposa do rei Abdulllah II e rainha consorte da Jordânia.
No ano passado, os novos proprietários da Herdade da Comporta dividiram o território e traçaram projectos paralelos, embora complementares. A Amorim Luxury vai criar um restaurante, claro, de luxo, na praia do Pego. No Carvalhal, a Vanguard Properties vai concentrar-se no projecto Dunas, que terá um forte impacto na paisagem e não só. Para além dos lotes residenciais, será igualmente construído uma Club House e um campo de golfe.
O acesso à praia do Pego, que no Verão era destino muito procurado pelos mais anónimos autócnes, é agora uma missão praticamente impossível. Os milionários, na maioria franceses, não compram apenas os seus refúgios paradisíacos, compram privacidade e exclusividade e sistemas de segurança e a tecnologia que for necessária para manter o seu paraíso seu.
Actualmente, para chegar à praia do Pego é necessário um verdadeiro safari a gratinar os pés por entre dunas e arrozais. Os detratores de tais investimentos no concelho de Grândola, para além do consumo desenfreado dos cada vez mais escassos recursos hídricos, e de todos os impactos ambientais que trazem à região este “boom” imobiliário, onde o betão se substitui ao verde, vêem nisto uma subtil (ou nem por isso) “privatização” das praias.
Um pouco por toda a área litoral do concelho de Grândola multiplicam-se os empreendimentos turísticos para o mercado do luxo. Melides não conseguiu fugir à regra. Em plena vila de Melides, a poucos quilómetros da praia, está a nascer um hotel de luxo, propriedade de Christian Louboutin, francês, que fez fortuna no design de sapatos. Se há coisa de uma década se dissesse a alguém nascido em Melides que em Melides havia de nascer um hotel de luxo, essa pessoa seria aconselhada a não abusar do medronho.
Foi igualmente em Melides, na praia da Galé, que um fundo imobiliário americano adquiriu a Herdade da Costa Terra. A Discovery Land Company, do multimilionário Mike Meldman, está ali a construir a sua utopia: o CostaTerra Golf & Ocean Club.
Mike Meldan tem um sócio muito especial neste empreendimento: George Clooney que, para além de sócio e investidor, se prepara também para ser residente. É através desta rede social que se confirmou a mais recente e sonante “aquisição” real para aquele pedaço de Costa Azul. A princesa Eugenie, neta de Isabel II, a jubilada rainha de Inglaterra, vai mudar-se de armas e bagagens (consta que não é coisa pouca) para Melides. É como a velha história da diáspora, só que numa versão de elite.
A filha de André, duque de York, terceiro dos quatro filhos de Isabel II – envolvido no escândalo sexual na companhia de Jeffrey Epstein, que se suicidou na cadeia -, vai mudar-se para o empreendimento, na companhia do seu marido, Jack Brooksbank e de August, filho do casal. O marido da princesa, amigo de Meldman e de Clooney, trabalha para o primeiro. Será ele o responsável pelo marketing e promoção deste empreendimento na costa alentejana, que tem prevista a construção de três centenas de casas. Melhor dizendo: “villas”. Lá fora, o projecto é apresentado como uma “private luxury resort comunity in Portugal”, sob a divisa: “the simply luxury of natural european living”.
Por Jornal Contacto
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