Como se não bastasse o aumento do custo de vida no Reino Unido, onde a inflação chegou aos 11,1% em outubro, este brasileiro de 38 anos está desempregado.
O único rendimento que ganha é das entregas de comida que faz de bicicleta à noite, quando a companheira chega do trabalho nas limpezas e fica a tomar conta do filho de 12 anos.
“Mas agora está mais fraco, porque há mais concorrência e menos entregas. O pessoal também começou a cortar no ‘takeaway’”, disse num tom de voz baixo e tímido.
Nos últimos meses, passou a frequentar este banco alimentar, aproveitando os donativos de comida da autarquia de Lambeth, no sul de Londres, e da organização The Felix Project, que distribui produtos excedentes de supermercados, grossistas e outros comércios.
O coordenador do banco alimentar, Marco Lopes, afirma que o número de utentes tem vindo a variar, embora tenha reduzido desde o pico da pandemia da doença covid-19, em 2020, quando os confinamentos resultaram na perda de rendimentos para muitas pessoas no mercado de trabalho informal.
“Mas estou contente por continuarmos há tanto tempo. Há muitas pessoas que precisam de ajuda e fazemos um esforço para que ninguém saia de mãos vazias”, garante.
Os que por ali passam regularmente são, na sua maioria, imigrantes. Falam mal a língua inglesa, têm trabalhos precários e mal pagos, alguns não têm visto de trabalho, o que torna a situação ainda mais complicada, ou são residentes locais que estão desempregados, incapacitados e dependentes dos subsídios da segurança social britânica
O custo de vida tem vindo a aumentar nos últimos meses. Os preços da alimentação subiram 16,2% nos últimos 12 meses, com destaque para produtos básicos como o leite, queijo ou ovos e as contas do gás e eletricidade estão a custar mais 88,9% em média do que há um ano atrás.
Apesar de o Governo ter dado alguns apoios para o custo da energia às pessoas mais vulneráveis e da subida de 10% nas pensões de reforma, subsídios e outros complementos, a realidade é que cada vez há mais pessoas a privarem-se de ligar o aquecimento em casa, de usar o automóvel ou simplesmente a sentirem necessidade de saltar refeições. Há, também, cada vez mais pessoas com queixas devido às dificuldades que sentem em pagar as contas, nas quais se incluem o aumento das taxas de juro do crédito à habitação, os preços dos transportes e outras despesas em geral.
A organização Trussell Trust, que apoia mais de 1.300 bancos alimentares em todo o país, disse estar com “dificuldades” para acompanhar “um tsunami” de procura e já esgotou as provisões de reserva que normalmente deixa para o inverno, quando existe mais necessidade.
A presidente executiva, Emma Revie, descreveu uma “tempestade perfeita de aumento dos preços da energia, inflação e uma potencial recessão que está a empurrar as pessoas ainda mais para a pobreza”.
Nos últimos seis meses, a organização recebeu 320.000 pessoas que se inscreveram num dos bancos alimentares da Trussell Trust, um aumento de 40% em relação a 2021.
Uma sondagem publicada pela estação ITV News a semana passada revelou que 88% dos britânicos estão preocupados com o impacto da crise, com 23% com menos de 100 libras (115 euros) de poupanças e 24% a correr a empréstimos ou cartão de crédito para fazer face a despesas correntes.
A ansiedade está a transformar-se em descontentamento, com um número crescente de sindicatos a anunciar greves para exigir um aumento de salários que compense a perda do poder de compra após anos de ordenados congelados na função pública.
Ainda no centro comunitário português, Arthur, de 40 anos, revelou que trabalha para um organismo financeiro público, mas que os cabazes do banco alimentar “ajudam muito”, sobretudo legumes, que também estão a ficar mais caros nas lojas.
“Ajuda a preencher os buracos. O custo de vida mais caro implica que agora sou mais cuidadoso sobre quando saio, em que lojas compro. Noto que os preços aumentaram, ou as embalagens estão mais pequenas”, adianta.