O Reino Unido tem um novo primeiro-ministro. O terceiro em três meses. Sem concorrentes internos, Rishi Sunak, foi anunciado no cargo esta segunda-feira. O que esperar do ex-ministro das Finanças e que desafios vai ter de enfrentar?
Começou por sexo, álcool e mentiras, como cumpre nestas matérias, e foi por Boris Johnson faltar à verdade num escândalo de assédio homossexual de um dos líderes da bancada parlamentar conservadora que surgiu o pretexto para Rishi Sunak romper com o primeiro-ministro.
A 5 de julho demitiram-se o chanceler do Tesouro e o ministro da Saúde, Sajid Javid, por o chefe do governo ocultar o conhecimento de anteriores casos de assédio do deputado Chris Pincher, e dois dias passados caía Boris Johnson.
Nenhuma das promessas do Brexit que levara Johnson à chefia dos conservadores em julho de 2019 e a uma retumbante maioria nas eleições legislativas de dezembro se concretizara. Da pandemia ficara um lastro de défice que, Sunak, após ter capitalizado simpatias pelos apoios sociais e a empresas durante a pior fase da covid-19, tentara começar a reduzir.
Deputado sem especial preeminência desde 2015, Sunak, apoiante do Brexit, fora nomeado chanceler aos 39 anos, em fevereiro de 2020, em substituição de Sajid David, incompatibilizado com Johnson. Sajid passou a criticar abertamente Jonhson ao voltar à Câmara dos Comuns, antes de aceitar regressar ao governo em junho de 2021 para a pasta da Saúde, na girândola de traições, golpes, penitências, volte-faces e intrigas que se tornou imagem de marca dos conservadores.
O ano fiscal de 2020/2021 registara o maior défice desde o pós-guerra, 355 mil milhões de libras, algo de inelutável, dados os custos das medidas de apoios durante a pandemia, mas insustentável no entender de Sunak.
A invasão da Ucrânia em fevereiro destabilizaria ainda mais a economia britânica e o destino do chanceler ficou traçado. Quando Sunak, prevendo que a inflação atingisse os 8,7% no final do ano, avançou com novas medidas orçamentais agravando a carga fiscal para os níveis dos anos de 1940 com acentuada perda de poder de compra, segundo a estimativa da entidade independente de supervisão orçamental, o Office for Budget Responsibility.
O rico indiano
Filho de bem-sucedidos emigrantes indianos nascidos no Quénia e no Tanganica, Sunak nasceu em Southampton, teve uma educação de excelência, fez fortuna no banco Goldman Sachs e em fundos de investimento.
O casamento em 2009 com Aksata Murty, filha dos fundadores da multinacional indiana Infosys, uma das maiores empresas do ramo das tecnologias de informação, tornou Rishi num dos homens mais ricos do Reino Unido. Os ativos do casal ascendem a 730 milhões de libras (cerca de 850 milhões de euros), segundo a Sunday Times Rich List e, como seria de esperar, é politicamente difícil gerir políticas de austeridade quando se ostenta imensa riqueza.
É rico também o cadastro de Rishi Sunak em matéria de ética e moral que lhe valeu o epíteto depreciativo de político habilidoso, manhoso, proficiente nos truques do ofício. Em abril, os media britânicos revelaram
que Murty Sunak, cidadã indiana, recorrera ao estatuto legal de “não-residente” no Reino Unido para evitar pagar imposto sobre dividendos no estrangeiro.
Feitas contas, os 0,9% de Murty na Infosys tinham rendido 11,6 milhões de libras em 2021, obrigando ao pagamento de 2,1 milhões de libras se fosse residente no Reino Unido. Como “não-residente” – um estatuto concedido mediante o pagamento de 30 mil libras por ano ao Tesouro britânico – a mulher de Rishi evitara ainda a cobrança de cerca de 15 milhões de libras desde 2015 sobre os dividendos como acionista na multinacional fundada pelos pais, além de outras participações em empresas sediadas no estrangeiro.
Confrontada com as revelações, Murty anunciou, a 8 de abril, que passaria a pagar no Reino Unido impostos sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo, portanto, receitas de investimentos e participações no estrangeiro, para “não perturbar” a atividade política do marido.
Rishi, por sua vez, admitiu que, tal como a mulher, era detentor de um green card norte-americano, documento de residência permanente, que implica o pagamento de impostos nos Estados Unidos. O chanceler mantivera o green card apesar de ter sido eleito para a Câmara dos Comuns, em 2015, de assumir o cargo de subsecretário de estado para o governo local de Theresa May, em 2018, e inclusivamente mesmo após assumir o segundo posto do executivo à frente do Tesouro em fevereiro de 2020.
Rishi explicou que solicitara o documento quando foi estudar para a universidade de Stanford, na Califórnia, em 2004, onde conheceu Murty. O gabinete do chanceler informou que Rishi abdicara do seu green card em outubro de 2021 por ocasião da sua primeira deslocação oficial aos Estados Unidos como chanceler, não havendo a registar qualquer ilegalidade, nomeadamente de índole fiscal.
As fugas de informação sobre o estatuto de não-residente de Murty e os green cards foram atribuídas, por fontes não-identificadas, ao próprio primeiro-ministro Boris Johnson, mas um inquérito governamental sobre a quebra de sigilo dos serviços de finanças revelou-se inconclusivo.
Três guerras
Sunak viu-se derrotado por Liz Truss, em setembro, que ao conseguir uma vantagem de quatro votos entre os deputados e o apoio de 57% de mais de 81 mil membros do partido arrebatou a chefia do governo, mas as previsões do ex-chanceler sobre um previsível desastre económico e financeiro revelaram-se acertadas.
Escolhido pelos seus pares entre os deputados conservadores de acordo com as regras da democracia parlamentar britânica, Sunak carece, contudo, da efetiva legitimidade política que só se consegue vencendo uma eleição geral. Uma eleição antecipada, antes de dezembro de 2024, representaria uma carnificina nas fileiras conservadoras, atendendo às sondagens sobre intenção de voto, e isso valeu-lhe, agora, a liderança de compromisso, prometendo “integridade, profissionalismo e responsabilidade”.
Qualquer deslize custará caro ao governo de coligação entre as diversas fações conservadoras que Sunak irá liderar.
Um inglês de origem indiana, hindu, chega, pela primeira vez, ao Nº 10 de Downing Street, precisamente por ocasião da Festa das Luzes, o Diwali, mas esse momento histórico perde-se ante a enormidade dos desafios que enfrenta Sunak.
O terceiro ministro conservador desta legislatura tem três guerras pela frente: a guerra para evitar a recessão económica, a guerra pela legitimidade política e a unidade do Reino Unido e a guerra contra a Rússia putinista.
Em maio, por ocasião das eleições locais, se até lá os conservadores não se envolverem em novos confrontos suicidários, caberá ao eleitorado avançar com o seu veredicto sobre Sunak.