A UCCLA – União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa completou 35 anos de existência. Em entrevista à revista Comunidades Lusófonas, o atual secretário geral, Vitor Ramalho, fala-nos da importante realização do intercâmbio de experiências e cooperação e da afirmação da UCCLA no espaço da comunidade lusófona.
Entrevista conduzida por: Abílio Bebiano / Anabela Carvalho
A UCCLA é já uma estrutura consolidada desde a sua criação em Lisboa em 28 de junho de 1985, pelo então presidente da Câmara, Nuno Krus Abecassis?
Ao fim de 35 anos de existência, a UCCLA – União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, que foi a primeira instituição a ser criada para o relacionamento com territórios de língua portuguesa, é uma realidade consolidada.
É-o, a tal ponto, que cidades como Olivenza, de Espanha – tão registada pela marca portuguesa, em grande parte refletida nos invulgares monumentos históricos que são seus símbolos – é hoje associada da UCCLA. Tal como sucede com Santiago de Compostela que, como sabe, está na origem do galaico-português, logo da língua portuguesa, hoje a quarta língua mais falada do mundo, a primeira do atlântico sul e uma das mais utilizadas nas redes sociais.
Temos hoje 56 cidades associadas de todos os países de língua portuguesa e 32 empresas apoiantes. Significativo foi o facto de Macau, que hoje preside à Comissão Executiva da UCCLA, ter sido uma das cidades fundadoras.
Qual a estrutura organizativa da UCCLA e os seus membros associados?
Como lhe referi, a UCCLA, tem hoje meia centena de cidades associadas. Todos os membros dos órgãos sociais são eleitos em contexto de Assembleia Geral, que se realiza de dois em dois anos. Os órgãos sociais são a Comissão Executiva, presidida por Macau, fazendo ainda parte dela Cascais, Praia, Salvador da Baía e o Eurobic. A mesa da Assembleia Geral é presidida pela cidade de Luanda, constituída por Água Grande, Angra do Heroísmo, Ribeira Grande de Santiago e pela empresa Diorama – Gestão e Participações, SA. O Conselho Fiscal é presidido pela Caixa Geral de Depósitos, fazendo dele parte igualmente Bissau, Díli, a Ilha de Moçambique e a Africonsult. Sou Secretário-geral da UCCLA desde 2013.
Quais os objetivos fundamentais da UCCLA?
Sendo a UCCLA uma associação intermunicipal internacional de cidades de língua portuguesa, as relações que estabelece com as entidades associadas são, naturalmente, de proximidade com os representantes dos municípios. Isso distingue-a da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) que se relaciona com os países enquanto tais.
Os objetivos fundamentais que prossegue neste quadro respeitam à concretização de projetos multidisciplinares que vão desde a educação, passando pela cultura, até à defesa do património edificado e dos centros históricos das cidades, sem esquecer os projetos de cooperação que resultam de candidaturas que apresentamos nos mais variados domínios à União Europeia ou ao Instituto Camões, entre outras entidades.
Neste momento, por exemplo, temos em conclusão a execução de uma candidatura que apresentámos para Bissau, em parceria com a Fundação GALP, para substituição do carvão vegetal por uma energia limpa, no caso, o gás butano. Decorrendo uma outra na Ilha de Moçambique, em vários eixos para valorização da ilha enquanto destino turístico de um reconhecido património imaterial da humanidade.
Que relacionamento existe com as cidades capitais de Língua Portuguesa?
O relacionamento é de grande proximidade, infelizmente, no ano em curso, muito condicionado pela pandemia que, inesperadamente, atingiu toda a humanidade. Referi-lhe alguns exemplos das ações que desenvolvemos em cidades africanas associadas da UCCLA, muitas vezes prosseguidas em parceria com cidades portuguesas, como é o caso de um projeto que temos em curso na região do Biombo, na Guiné-Bissau, em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras, de reforço da capacitação do governo da região, ou um outro, sobre apicultura, na região do Gabú, também na Guiné-Bissau, que envolve parcerias com várias associações guineenses. De há uns anos a esta parte, levamos a efeito, em parceria com a cidade da Praia, em Cabo Verde, e anualmente, encontros de escritores de língua portuguesa, com grande reconhecimento e aceitação.
Qual o trabalho desenvolvido pela UCCLA na cooperação para o desenvolvimento económico e cultura lusófona?
A cooperação para o desenvolvimento é uma das vertentes que praticamente, desde a constituição da UCCLA, tem estado presente na atividade que desenvolve.
Desde logo, e para ter uma ideia, após o termo da invasão de Timor, a conceção, acompanhamento e execução da recuperação de edifícios ou jardins danificados, por efeito dessa invasão, foram promovidos pela UCCLA. O mesmo sucedendo, mais recentemente, com a reabilitação de um edifício camarário danificado pelo ciclone Idai, na cidade da Beira, em Moçambique, beneficiando essa recuperação do apoio financeiro da Câmara Municipal de Lisboa. Aliás, a UCCLA esteve também, recentemente, presente no apoio às vítimas do vulcão que afetou as populações da ilha do Fogo, em Cabo Verde, com o envio de material recolhido junto de autarquias portuguesas – numa ação conjunta com a Embaixada de Cabo Verde e a Câmara Municipal de Lisboa.
Quanto à cultura lusófona, para além dos já referidos encontros de escritores de língua portuguesa, agora a ter lugar na cidade da Praia, em Cabo Verde – mas antes realizados no Brasil e em Angola -, todos os anos atribuímos um Prémio UCCLA a novos escritores, que nunca publicaram um livro e que tem tido uma fortíssima participação.
São regulares as exposições que realizamos na bela e invulgar galeria da sede da UCCLA, com artistas de língua portuguesa e incontáveis os debates e apresentações de livros de escritores de língua portuguesa.
O ano passado levámos a efeito o 1.º Fórum de Economistas das Cidades de Língua Portuguesa, em que participaram personalidades de referência de todos os nossos países, convidados para o efeito.
A UCCLA tem sido palco de frutuosa e intensa ação de intercâmbio e cooperação na missão de contribuir para o desenvolvimento e o bem-estar das populações das cidades que a integram. Pode-nos dar exemplos disso?
Posso e devo dar exemplos. Desde logo, há uns anos, levámos a efeito a execução de um projeto em São Tomé e Príncipe, no caso na capital, que consistiu na reconversão de lixo e desperdícios em material fertilizante, através de mecanismos de compostagem que aproveitavam à agricultura, tão relevante no país. Isso implicou a construção de uma Estação de Tratamento e Reciclagem por Compostagem, o envio de equipamento adequado e a formação de trabalhadores para esse efeito.
Nesta linha de ação, tivemos inúmeros outros e, o mais recente, que se vai iniciar a 2 de fevereiro de 2021 – resultante de uma candidatura que apresentámos ao Instituto Camões em parceria com várias instituições, incluindo universidades -, que consiste na transformação de plásticos recolhidos no mar contíguo à Ilha de Moçambique, em objetos úteis, finalidade essa que decorrerá a par da limpeza das praias da ilha.
Em 25 de novembro passado, a UCCLA foi eleita, por unanimidade, a instituição que irá coordenar a Comissão Temática de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa dos Observadores Consultivos da CPLP, para o biénio 2021-2022. Qual a razão dessa candidatura?
A CPLP tem, na decorrência dos seus estatutos, várias comissões temáticas e a que refere foi até, muito recentemente, coordenada pela Fundação Calouste Gulbenkian. A 25 de novembro, os membros da comissão votaram por unanimidade na UCCLA, o que nos confere uma acrescida responsabilidade para respondermos cabalmente ao programa que propusemos.
Fizemos esta candidatura porque, como resulta das respostas que antecedem, temos uma grande experiência na defesa e promoção da língua comum, que é o português, nos vários domínios onde essa defesa e promoção pode e deve ter lugar.
Neste ano de 2020 em que a pandemia condicionou muitas atividades das instituições, quais foram as ações que a UCCLA desenvolveu?
Conscientes, como estamos, das condicionantes resultantes da pandemia e do confinamento, desafiámos os escritores de língua portuguesa a escreverem textos sobre os efeitos da pandemia, o que resultou em pleno, com muitas participações de escritores consagrados e de novos escritores. À medida que recebíamos essas contribuições publicámo-las nas nossas redes sociais. Esta iniciativa denominou-se reflexão sobre a Cultura em tempos de Pandemia.
Para além desta ação, divulgámos músicos de reconhecido mérito da língua portuguesa, através de vídeos dos próprios – iniciativa A Cantar em Português #FICOEMCASA – e, ainda, demos a conhecer, através da internet, artistas de todos os nossos países, apresentando trabalhos de artesanato, facultando a forma de poderem ser adquiridos, no Mercado da Língua Portuguesa 2020, edição totalmente online.
Em parceria com o escritor vencedor da primeira edição do Prémio Literário UCCLA, lançámos a iniciativa “As nossas leituras”, com vista à leitura de excertos de livros que tenham marcado a vida de escritores e de leitores de língua portuguesa.
As limitações existentes não afetaram a continuação das atividades normais, como debates e apresentações de livros no auditório da sede, sempre que tal foi possível, levando, também, a efeito uma exposição sobre a temática “Urbanismos de influência portuguesa”.
Dinamizámos ainda mais as nossas plataformas digitais, de tal modo que, de forma imediata, demos a conhecer, semanalmente, o grau de incidência da pandemia em todos os países de língua portuguesa e as medidas adotadas pelos governos, o que foi objeto de referência em várias instituições e órgãos de comunicação social.
Mensalmente elaboramos a publicação Notícias UCCLA, com as nossas atividades e com informações mais relevantes das nossas cidades e empresas associadas, assim com as medidas que os países de língua portuguesa promovem. Nesta publicação, destacamos um livro, ou mais do que um livro, de um autor de língua oficial portuguesa.
Qual o contributo que a UCCLA tem dado para a afirmação da lusofonia no mundo?
Consideramos que a lusofonia, com o significado da afirmação dos nossos povos e países no mundo é, nos dias de hoje, um dos instrumentos mais privilegiados que temos para, coletivamente assumirmos a identidade coletiva nesta era da globalização.
Não descuramos, um segundo que seja, essa importância e, sem falsa modéstia, temos procurado fazer tudo o que está ao nosso alcance. E o que está ao nosso alcance, exemplifica-se com a homenagem que, em 20 de abril de 2015, levámos a efeito aos associados da ex-Casa dos Estudantes do Império, à criação do Prémio Literário UCCLA, aos encontros de escritores de língua portuguesa, à dimensão e reconhecimento que hoje têm as nossas plataformas digitais, e isto só para lhe dar alguns exemplos.
Qual o potencial económico da língua portuguesa?
O potencial da língua portuguesa é muito grande. Basta referir que ela tem crescido em exponencial após as independências das colónias portuguesas, por ser a língua oficial dos atuais países, passando a ser em muitos casos, uma língua materna. Para além de ser também considerada uma língua instrumental da economia, dado que é utilizada por mais de duzentos e cinquenta milhões de falantes.
A UCCLA completou, este ano, 35 anos de existência. Que balanço pode ser feito desse trabalho? Qual o papel que a UCCLA pode ter no presente e no futuro?
É difícil ser juiz em causa própria, uma vez que nas funções que exerço represento a instituição. O facto de hoje termos uma sede com grande dignidade e onde se podem levar a efeito inúmeras iniciativas, nos mais variados domínios, com uma participação muito forte, é sinal claro do reconhecimento que alcançámos.
Orgulho-me, em nome de todas as entidades associadas, apoiantes e dos colaboradores que me acompanham na UCCLA, todos sempre disponíveis, abnegados e solidários do que a UCCLA fez desde o início, e a que, modestamente, procurei dar continuidade.
A UCCLA é uma instituição reconhecida hoje pela sua credibilidade e esse reconhecimento é garante de que continuará a saber construir o futuro com a mesma determinação com que o fez até hoje.
Quem é Vitor Ramalho – Secretário Geral da UCCLA
Vitor Manuel Sampaio Caetano Ramalho nasceu em Angola, em 1948. Licenciado em Direito, pela Faculdade Clássica da Universidade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Conhecedor da realidade dos países de expressão portuguesa, já desempenhou diversos cargos, como Secretário de Estado do Trabalho, consultor da Casa Civil do Presidente da Republica, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Angola, presidente da 11.ª Comissão da Assembleia da República e Presidente do Núcleo Nacional do Fórum dos Parlamentares de Língua Portuguesa, presidente da INATEL, presidente de várias Associações Lusófonas, coorganizador do I congresso dos Quadros Angolanos no Exterior, vice-presidente da Cruz Vermelha Portuguesa e presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (1969).
Atualmente é, também, uma das 5 personalidades de Reconhecido Mérito do Conselho Económico e Social (CES). Tem duas altas condecorações do México e da Alemanha e é Grande Oficial da Ordem de Infante D. Henrique.