A ambição da cimeira União Europeia-União Africana é “forjar uma aliança entre os dois continentes, baseada em compromissos concretos”, diz Augusto Santos Silva.
A União Europeia pretende anunciar, na cimeira com a União Africana, que decorre entre esta quinta e sexta-feira em Bruxelas, um novo pacote de investimentos europeus em África que representará uma “mudança de escala”, bem como novos apoios no combate à pandemia, adiantou o chefe da diplomacia portuguesa, que acompanha o Primeiro-Ministro, António Costa, nesta VI Cimeira.
Em declarações à Lusa por telefone, o ministro dos Negócios Estrangeiros disse que a ambição da cimeira é “forjar uma aliança (…) entre os dois continentes, baseada em compromissos concretos de parte a parte”.
O governante lembrou tratar-se da sexta cimeira do género e considerou que, depois de a pandemia ter impedido que se concretizasse o objetivo, definido na cimeira de 2017 em Abidjan, de realizar estes encontros numa cadência trienal, é “muito bom que seja retomado este diálogo ao mais alto nível entre os chefes de Estado e de Governo” dos dois blocos.
Sobre as prioridades da União Europeia, Santos Silva salientou quatro compromissos fundamentais da parte da UE, o primeiro dos quais será “uma mudança de escala no que diz respeito ao investimento europeu em África”.
“Esperamos que a cimeira possa anunciar um novo pacote de investimentos financiados pela Europa e pelas instituições multilaterais em favor de África”, disse, remetendo o anúncio dos montantes envolvidos, que serão investidos até 2030, para a declaração política da cimeira.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou já na semana passada, em Dacar, um plano de investimentos para África que mobilizará cerca de 150 mil milhões de euros.
O segundo compromisso, afirmou, é “de continuação e aprofundamento do apoio Europeu ao combate à pandemia em África”, esperando-se que a cimeira “assuma um compromisso concreto, com números concretos”.
Questionado sobre as críticas à falta de solidariedade do mundo desenvolvido na disponibilização de vacinas contra a Covid-19, quando África tem apenas 11% da população completamente vacinada, contra 66% na UE, o ministro disse que o bloco europeu pode “responder com factos”.
“A União Europeia é o primeiro doador internacional de vacinas, é a entidade económica que mais tem contribuído para a disseminação das vacinas”, apontou.
E sobre o pedido de levantamento de patentes das vacinas, apresentado na Organização Mundial do Comércio pela Índia e a África do Sul, Santos Silva disse que a UE tem alertado que “já hoje o tratado internacional aplicável permite usar procedimentos mais céleres para proceder à produção de vacinas” e lembrou que atualmente África já tem capacidade de produção de imunizantes.
O terceiro compromisso identificado pelo ministro tem a ver com a “cooperação em matéria de paz, segurança e governação “, num momento em que África vive “várias crises, quer na África Ocidental e no Sahel, quer na Líbia, quer na região dos Grandes Lagos, quer no Corno de África”.
“É muito importante que a Europa e a África possam trabalhar mais estreitamente nas iniciativas em favor da estabilidade e da segurança, visto que esse é um interesse imediato, quer do continente africano, quer do continente europeu”, afirmou, lembrando os contributos que a UE tem feito nesta matéria.
“Temos já apoiado os esforços dos cinco Estados do Sahel de se dotarem de capacidades próprias contra o terrorismo, temos chamado a atenção para a necessidade de não entrar no canto de sereia de certas organizações aparentemente não estatais de empresas privadas de segurança e temos procurado (…) trabalhar com todos os nossos parceiros no Sahel, de forma a que todos compreendamos que a estabilidade no Sahel é do interesse direto da segurança da Europa, mas começa por ser, desde logo, interesse direto dos Estados do Sahel, no cumprimento da sua obrigação número um, que é a obrigação de proteger as suas próprias populações”, salientou.
Finalmente, o quarto compromisso tem a ver com a gestão conjunta da mobilidade e das migrações, “de forma a oferecer canais legais e ordenados de migração, que é a melhor maneira de combater os tráficos”.
Santos Silva disse, no entanto, esperar que “as migrações não se tornem o ponto principal ou único da cimeira, porque isso seria um erro”.
“Nós abordamos tanto melhor a problemática das migrações, quanto a consideremos como uma dimensão de uma cooperação que tem muitas outras dimensões”, concluiu.
Portugal tem “ensinamentos” a dar sobre mobilidade e segurança, afirma Santos Silva
O ministro de Estado e Negócios Estrangeiros defendeu que a experiência de Portugal “contém ensinamentos” úteis à cimeira entre Europa e África, nomeadamente com o acordo de mobilidade assinado no ano passado pelos países de língua portuguesa.
“Portugal não só é um contribuinte evidente para este esforço de cooperação entre Europa e África, como o faz de uma forma que, do nosso ponto de vista, contém ensinamentos para todos”, disse Augusto Santos Silva em declarações à Lusa por telefone, a propósito da cimeira União Europeia-União Africana, que decorre entre quinta e sexta-feira em Bruxelas.
O governante sublinhou que o primeiro-ministro, António Costa, que presidirá à delegação portuguesa na cimeira, assegurará uma das copresidências da mesa-redonda sobre educação, migrações e mobilidade e também intervirá na mesa-redonda sobre questões de paz e segurança.
A escolha destes dois enfoques, explicou, tem a ver com os temas em que Portugal mais pode contribuir.
No caso das migrações, lembrou, Portugal assinou em 2021 o acordo sobre mobilidade entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que já se encontra em vigor desde o início do ano e envolve os seis países africanos de língua oficial portuguesa – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
“Esse acordo de mobilidade facilita imenso a circulação das pessoas entre estes países para efeitos de estudo, de ensino ou de trabalho e, portanto, é uma maneira de um país europeu e vários países africanos cooperarem entre si para facilitar a mobilidade legal segura e ordenada entre o espaço europeu e o espaço africano”, sublinhou.
E lembrou que desta mobilidade “há de resultar mais emprego, mais trabalhadores para a economia, mais qualificação de recursos humanos, portanto, melhor dotação em capital humano”.
Recordando ainda o acordo bilateral com Marrocos para a mobilidade laboral, assinado em 12 de janeiro pelos governos de Lisboa e Rabat, Santos Silva disse que ambos são exemplos de como avançar “na gestão da mobilidade de forma que ela seja útil para todos, que respeite os direitos de todos e para que se faça de forma segura e não seja pretexto para redes de tráfico, de contrabando, de exploração de pessoas, que (…) são das mais cruéis que o mundo conhece”.