O governo português aprovou recentemente, em Conselho de Ministros, um vasto plano de contingência para responder à saída do Reino Unido da União Europeia, com particular enfoque caso não venha a haver acordo para o Brexit. Mesmo com acordo, Portugal enfrentará um impacto negativo ainda difícil de avaliar, o qual, para além das implicações na comunidade portuguesa, atingirá sobretudo os setores económico e turístico.
Embora até ao momento a única certeza que se mantém ser a da data da saída a 29 de março, as autoridades portuguesas já estão a desenvolver um conjunto alargado de medidas para mitigar esta situação, porque em qualquer dos cenários possíveis o impacto para Portugal terá sempre consequências negativas, particularmente no que respeita ao setor económico, à atividade turística e a tudo que esteja relacionado com a comunidade portuguesa residente no Reino Unido.
Aliás, já Marcelo Rebelo de Sousa tinha expressado esta preocupação, dizendo claramente que Portugal tudo fará para que os direitos dos seus cidadãos sejam salvaguardados: «Esperando ainda que o Reino Unido possa encontrar soluções para uma saída em acordo com a União Europeia, o Presidente da República dirige-se aos compatriotas portugueses residentes no Reino Unido e aos cidadãos britânicos residentes em Portugal, para lhes garantir que, no que dele e das autoridades portuguesas depender, tudo será feito para que os seus direitos e expectativas sejam salvaguardados em ambos os países», pode ler-se na mensagem do presidente. E a reforçar esta posição, Marcelo Rebelo de Sousa inclusivamente convidou o negociador-chefe da União Europeia para o Brexit, Michel Barnier, a participar na última reunião do Conselho de Estado, que decorreu no final de janeiro, na Assembleia da República, em Lisboa. Na ocasião e em declarações aos jornalistas, Barnier afirmou que, «se as linhas vermelhas do Reino Unido mudarem», a União Europeia mudará imediatamente o acordo de saída. «Se o Reino Unido mexer nas linhas vermelhas, nós mexemos imediatamente, se quiser mais, estamos prontos», assegurou.
Secretário de Estado das Comunidades em Londres
Foi neste contexto político que o secretário de Estado das Comunidades se deslocou ao Reino Unido, nos passados dias 16 e 17 de janeiro, com vista a estabelecer um diálogo com membros da comunidade portuguesa em Londres e em Manchester.
José Luís Carneiro teve a oportunidade de apresentar, em sessões de esclarecimento, os planos de contingência do Governo português que preveem o reforço de meios humanos e técnicos nos consulados do Reino Unido, bem como o estabelecimento da Linha Brexit+ integrada no Centro de Atendimento Consular (CAC).
O CAC resulta de uma parceria entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério da Presidência e da Modernização Administrativa e prevê, não só o esclarecimento de dúvidas como a possibilidade de agendar atos consulares nos postos em Londres e Manchester. A medida, entende José Luís Carneiro, vai permitir a «preparação atempada e um acompanhamento prévio do atendimento, garantindo uma maior agilidade e celeridade».
José Luís Carneiro referiu, ainda, que é vital que os cidadãos procurem ter os documentos em dia, embora esteja previsto que o registo ao estatuto de residente possa ser feito até 31 de dezembro de 2020.
Para esse efeito serão importantes as permanências consulares, que consistem em deslocações de trabalhadores consulares a localidades mais afastadas, levando equipamento que permite recolher dados para a emissão do cartão do cidadão ou o passaporte, bem como outros atos consulares.
A agenda da visita contemplou também um encontro com o Mayor de Londres, Sadiq Khan, que referiu que a cidade se orgulha da sua composição cosmopolita e que todos os londrinos provenientes de países da União Europeia continuarão a ser muito bem-vindos. Ficou contemplada a possibilidade de um reforço da cooperação do município londrino com os serviços consulares, tendo em vista a participação dos técnicos do município em ações de esclarecimento sobre o Brexit junto da comunidade portuguesa.
Os impactos esperados
Para além de todos os problemas que possam afetar a comunidade portuguesa no Reino Unido – que no caso de uma saída sem acordo ou sem medidas de contingência face a essa situação teria inevitavelmente um impacto severo na continuidade do estatuto de residência, da proteção dos direitos sociais, do acesso a cuidados de saúde, do reconhecimento das qualificações académicas e profissionais, entre outros – dois outros setores preocupam sobretudo o Governo Português: economia e turismo.
A verdade é que, qualquer que seja o cenário de Brexit que se venha a verificar, as consequências para a economia nacional são inevitáveis – seja pelos riscos de desaceleração económica, seja pela imposição de um reajustamento dos fluxos comerciais.
Em matéria económica, a importância do Reino Unido enquanto parceiro comercial de Portugal é incontornável. Os fortes laços históricos que unem os dois países contribuíram para a criação de uma sólida relação económico-comercial. O Reino Unido manteve, ao longo dos últimos anos, uma posição estável como o nosso 4º cliente e 8º fornecedor de bens, assumindo-se inclusivamente, no que toca ao comércio de serviços, como o nosso primeiro mercado de exportação, fruto do excecional desempenho da nossa indústria de serviços de turismo (57,7% do total, em 2017).
O valor das exportações portuguesas para o Reino Unido superou, em 2017, os 8 mil milhões de euros e a balança comercial bilateral apresenta, ano após ano, valores positivos, alcançando recentemente um saldo superior a 4,5 mil milhões de euros. Em 2017, o peso do Reino Unido nas exportações nacionais ascendeu a cerca de 9,6%, e foram mais de 2.800 as empresas portuguesas, dos mais variados setores, que procuraram aquele que é hoje o 7º mercado com maior número de operadores económicos nacionais com vendas de bens ao exterior – apenas superado por Espanha, Angola, França, Suíça, Alemanha e EUA (dados do AICEP, 2018).
A importância do Reino Unido como país de origem e de destino de investimento direto estrangeiro é também incontornável, totalizando, em finais de 2017, o acumulado (stock) de investimento direto entre os dois países mais de 3.4 mil milhões de euros no ativo e 11 mil milhões de euros no passivo, mantendo-se Portugal como um destino privilegiado de IDE britânico.
No caso do Turismo, é inequívoca a importância do mercado proveniente do Reino Unido na economia nacional (1.9 milhões de hóspedes e 2.591 milhões de euros de receitas geradas pelos turistas britânicos em 2017), sendo o principal mercado emissor com 15,3% da quota na procura externa e 17,1% de quota no total de receitas em 2017. Para Portugal será fundamental assegurar condições para se manter o fluxo de turistas britânicos após Brexit.
Aliás, neste sentido, uma das medidas anunciadas pelo primeiro-ministro e previstas no plano aprovado é criação de “corredores para cidadãos britânicos” nos aeroportos de Faro e do Funchal – destino de 80% dos turistas britânicos – para permitir a sua entrada em Portugal sem problemas após o Brexit, para além do reforço dos funcionários alfandegários, com a contratação de 60 novos elementos para reforçar a fiscalização de bens nas fronteiras.
Medida importante também anunciada pelo Governo foi a da aprovação de uma linha de financiamento de 50 milhões de euros para apoiar as empresas portuguesas que exportam para o Reino Unido.
































