O Brasil implementou esta semana um sistema de alertas que visa estimular a fiscalização e o combate à desflorestação da Mata Atlântica, floresta brasileira que está a desaparecer a um ritmo “alarmante”. SOS Mata Atlântica, Arcplan e MapBiomas são os responsáveis pelo novo serviço.
A Mata Atlântica, amplamente ocupada e destruída, vai agora ser monitorizada “mais de perto”. Começou a funcionar, já esta terça-feira, o Sistema de Alertas de Desflorestação (SAD), desenhado especificamente para esta floresta tropical. O sistema, que tem como objetivo “salvar” aquilo que resta deste “pulmão da Terra”, é capaz de detetar áreas afetadas a partir de 0,3 hectares.
“Num momento em que o país (Brasil) assiste a um aumento exponencial de desflorestação, é preciso vigiar esta mata, que continua a ser a mais ameaçada, a que menos sobrou e onde se concentra a maior parte da população”, refere Luis Fernando Guedes Pinto, diretor de conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica.
A Fundação, juntamente com a sociedade de geógrafos Arcplan e o projeto MapBiomas, são os responsáveis pelo novo serviço de alertas, que vai gerar relatórios mensais e disponibilizar as informações gratuitamente numa plataforma online.
Os dados, porém, não são considerados oficiais, como os gerados pelo sistema de alertas Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que foi inaugurado em 2004 para a Floresta Amazónica.
O que os testes revelaram
Durante a fase de testes do SAD, que teve lugar em 2021, foram monitorizadas as bacias hidrográficas do rio Tietê (São Paulo), Iguaçu (Paraná), Jequitinhonha (Bahia e Minas Gerais) e Miranda e Aquidauana (Mato Grosso do Sul). Estes pontos foram “escolhidos” por estarem entre os “campeões de desflorestação em anos anteriores”.
Nesta fase, foram detetados 1.103 alertas, que, juntos, representam uma área de 6.739 hectares de desflorestação, o equivalente a quase 7 mil campos de futebol. As bacias dos rios Miranda e Aquidauana, em Mato Grosso do Sul, foram as “campeãs em área desflorestada”, com quase metade do total (3.223 ha).
Segundo o levamento, a maioria absoluta dos alertas partiu de regiões rurais com predomínio de uso agropecuário (94%). O estado de São Paulo foi o único que apresentou um padrão diferente: 35% dos alertas identificados foram em áreas urbanas, impulsionados pela expansão das cidades e especulação imobiliária.
“Esta é uma realidade particular na bacia do Tietê, que é como uma colcha de pequenas desflorestações na zona de expansão das cidades. Quase um terço dessas desflorestações acontece em áreas urbanas e em áreas de mananciais”, destaca Pinto, referindo-se às fontes de água, como rios, lagos, represas e lençóis freáticos.
“São florestas protegidas pela Lei da Mata Atlântica e pela lei sobre os mananciais que estão a ser cortadas. São áreas de muita fragilidade e que têm tudo a ver com essas imagens da destruição causada pelas chuvas a que estamos a assistir agora, com alagamentos, derrocadas, mortes”, lamenta.
No estado de São Paulo, as chuvas intensas dos últimos dias provocaram deslizamentos, alagamentos, transbordo de rios e deixaram pelo menos 24 mortos. Alguns casos ocorreram em zonas ocupadas ilegalmente, em encostas que foram desmatadas para albergar casas.
O avanço da tecnologia e a disponibilidade de imagens de alta-definição e inteligência computacional levaram a um avanço do sistema de monitorização em larga escala. “A novidade é que usamos imagens com uma resolução mais detalhada, permitindo observar o desflorestamento que antes era impercetível”, diz Pinto.
Até então, os dados sobre o avanço do corte da vegetação primária eram publicados anualmente no Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, parceria entre SOS Mata Atlântica e Inpe. Essa monitorização, em vigor desde 1989, observa fragmentos florestais mais preservados e identifica desflorestações superiores a 1 hectare.
Segundo relatórios de técnicos, os desflorestadores teriam “aprendido a despistar esse sistema e derrubavam árvores em áreas menores, um pouco a cada ano, para não serem detetados pelo satélite”.
Com a possibilidade de o SAD “ver” o que ocorre em solo com mais detalhe, a expectativa é a de que o serviço provoque reações. “Esperamos que os boletins de alerta levem órgãos fiscalizadores, empresas, estados e bancos a tomarem medidas contra estes desflorestadores”, conclui o diretor de conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica.
A floresta tropical “esquecida”
A Mata Atlântica perdeu o protagonismo com o aumento da desflorestação da Amazónia, mas é outra floresta única no Brasil e que desapareceu quase por completo.
Apenas 12% desta floresta tropical permanece. Em comparação, aproximadamente, 83% da Amazónia ainda “está de pé”. A Mata Atlântica cobriu outrora uma grande parte da zona costeira brasileira.
Atualmente, é ocupada por 70% da população brasileira. Nalgumas zonas ainda permanecem alguns resquícios da floresta original. A Ilha do Cardoso, no estado de São Paulo, é um desses locais. A ilha inteira é uma zona protegida.
A Mata Atlântica está a desaparecer rapidamente e viu a sua área reduzida com as plantações de cana de açúcar e de café no século XX. Inicialmente, a floresta primitiva cobria 15% da superfície do Brasil. Hoje, segundo fontes, perdeu cerca de 90% da área original. Agora, está altamente fragmentada e é uma das florestas tropicais mais ameaçadas do planeta.