Abstenção ficou longe da catástrofe anunciada. Presidente reeleito com mais de 60 pontos percentuais. Líder do Chega vale mais do que a soma dos candidatos comunista e bloquista.
Foi uma vitória contundente a de Marcelo Rebelo de Sousa: porque chegou aos 60,76% e porque conseguiu mais cem mil votos do que há cinco anos, apesar do crescimento da abstenção. Mas há um segundo vencedor da noite eleitoral: o líder do Chega, André Ventura (11,89%), ficou a um escasso ponto do segundo lugar e da socialista Ana Gomes (12,92%).
À Esquerda do PS, os resultados foram penosos: o comunista João Ferreira (4,33%) ficou atrás do candidato da Direita até nos redutos vermelhos do Alentejo e de Setúbal, enquanto a bloquista Marisa Matias (3,94%) perdeu mais de 300 mil votos e ficou reduzida a pouco mais de um terço do que conseguiu em 2016. O liberal Tiago Mayan chegou aos 3,2% e Vitorino Silva (Tino de Rans) ficou em último, com 2,95%.
Chegou a prever-se que a pandemia empurrasse a abstenção para níveis estratosféricos e que isso pudesse estragar a festa da reeleição do atual presidente. Não foi assim. É certo que a taxa de abstenção foi superior aos 60 pontos percentuais, mas foi mais por efeito da inclusão automática nos cadernos eleitorais dos emigrantes do que pelo medo à covid-19.
Com a população do território nacional mobilizada, a vitória foi, como se previa, folgada – há cinco anos, Marcelo deixou escapar 17 concelhos, desta vez conquistou todos os 308 municípios do país.
Uma vitória muito festejada por diferentes atores políticos: pelos líderes do PSD e CDS, como seria expectável, mas em particular pelos socialistas. Para quem já não se lembre, foi António Costa o primeiro a lançar a recandidatura de Marcelo, na mediática visita à Autoeuropa, em maio do ano passado. E ontem Carlos César reclamou créditos para o PS.
Marcelo acabou por cumprir aquilo que se esperava de uma figura popular e de um presidente e candidato com o apoio explícito ou implícito dos dois partidos do chamado Bloco Central (PSD e PS).
Mas houve um candidato que foi muito para além do valor do seu partido. Ventura já tinha sido muitas vezes comparado ao elefante na sala e ontem partiu verdadeiramente a loiça. Não conseguiu o segundo lugar, mas, como o próprio não deixou de frisar, vale mais do que os candidatos comunista e bloquista somados. O líder do Chega ficou, aliás, em segundo lugar na maioria dos distritos do país. Foi o voto mais urbano e litoral que lhe travou maiores ambições.
Um resultado que confirma aquilo que os últimos meses anunciavam: está em curso uma reconfiguração à Direita. O presidente do PS aproveitou, sibilino, para concluir que “o extremismo de Direita”, não é uma alternativa política para o país, mas é “uma ameaça maior” para o PSD. E não é a única. Também os liberais confirmam a crescente implantação, em particular nos grandes centros urbanos – Tiago Mayan ficou muito acima da média no Porto e em Lisboa.
Marcelo: o mais urgente é vencer a pandemia, só depois se trata “o resto”
“Conter primeiro e abreviar depois a pandemia para que possamos passar definitivamente ao resto tão essencial que temos que fazer”. O “primeiro e emocionado” pensamento de Marcelo Rebelo de Sousa, no discurso de vitória da sua reeleição como presidente da República, na Faculdade de Direito de Lisboa, foi para os infetados e para as vítimas da pandemia de covid-19, que admitiu ser o seu principal desafio dos próximos tempos.
“Tudo começa no combate à pandemia. Se a pandemia durar mais, e for mais profunda, tudo o resto que queremos tanto, correrá pior, durará mais, será mais difícil de enfrentar. Sendo tudo urgente numa sociedade em crise, o mais urgente do urgente chama-se “combate à pandemia”. Temos de fazer tudo o que de nós dependa, mas mesmo tudo, para travar e depois inverter um processo que está a pressionar em termos dramáticos a nossa estrutura de saúde”, disse.
Marcelo diz que sabe que esta “confiança agora renovada é tudo menos que um cheque em branco”. “Quem recebe um mandato, tem de continuar a ser um presidente de todos, de cada um dos portugueses. Um presidente próximo, um presidente que estabilize, que una, que não seja de uns, os bons, contra os outros, os maus, que não seja um presidente de fação, que respeite o pluralismo e a diferença, que nunca desista da justiça social”.
Insistindo que sabe o que os portugueses querem, aproveitou para o dizer (de novo) ao Governo – a quem exige governação forte e credível – e à Oposição. “Querem combate à pobreza, à desigualdade e à exclusão; querem sistema político estável, com governação forte, sustentada e credível e alternativa também forte para que a sensação de vazio não convide a desesperos e a aventuras”.
O presidente tem a certeza que os portugueses o que querem “é uma pandemia eliminada o mais rápida possível, uma perspetiva de futuro efetivo para micro e médias empresas, fundos europeus bem geridos em transparência e eficácia, uma reconstrução que vá para além da mera recuperação”, juntando também as preocupações com o clima, o ambiente, justiça, a luta contra a corrupção e a reforma do Estado.
Apesar da vitória, Ventura tira consequências: demite-se, anunciando que chamará os militantes a dizerem se querem que abandone a liderança do partido.
Naquela a que chamou “noite histórica” em que “esmagámos a extrema-esquerda”, o líder do Chega admitiu, contudo, ter ficado “aquém” num pormenor: não terminou à frente de Ana Gomes. Sempre disse que conseguiria bater a socialista e tira consequências: demite-se, anunciando que chamará os militantes a dizerem se querem que abandone a liderança do partido.
“Foi uma noite histórica, em que a Direita se reconfigurou completamente. Pela primeira vez, um partido anti-sistema rompeu o espectro da Direita tradicional, com cerca de meio milhão de votos, para criar uma avassaladora força que, hoje, conhece o momento maior da sua História”, afirmou Ventura, em Lisboa.
O terceiro candidato mais votado, com cerca de 12%, considera que este resultado dará ao Chega “força para as batalhas que se aproximam”.
Porém, ao ficar “aquém dos 15%”e atrás de Ana Gomes – que descreveu como estando “colada às minorias que têm explorado Portugal” -, proclamou: “Devolverei aos militantes a palavra sobre se querem ou não a continuidade deste projeto à frente do partido”. Apesar dessa garantia, Ventura saberá que a sua permanência no cargo é certa.
Por isso mesmo, quis enviar “uma mensagem ao coração da Direita e do centro-direita”: “não haverá Governo em Portugal sem que o Chega seja parte fundamental”. Os 70 apoiantes aglomerados irromperam, uma vez mais, em ovações triunfantes, após o líder prometer uma “avalanche que vai derrubar todas as barreiras” no país. Para já, André Ventura declara a vitória contra a Esquerda.
“Esmagámos a extrema-esquerda em Portugal. Esta candidatura teve mais votos do que o PCP de João Ferreira, o BE de Marisa Matias e a IL de Tiago Mayan juntos”. Mas os comunistas, num clima de êxtase, foram os mais visados: “João Ferreira nem no Alentejo ganhou!”.
O líder do Chega repetiria a ideia ao referir que, nem nas regiões “alegadamente de Esquerda”, o PCP ficou à sua frente. “Mesmo nas zonas profundamente comunistas, o Chega mostrou que esse eleitorado é seu”.