O Presidente da República decretou a renovação do estado de emergência em Portugal até 14 de fevereiro, para permitir medidas de contenção da covid-19, e defendeu que é preciso agir depressa e drasticamente.
“Se for verdade que, desta vez, a vaga começou a Ocidente e Portugal é dos primeiros e não dos últimos a sofrer a pandemia, então é preciso agir depressa e drasticamente”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, numa comunicação ao país.
A partir do Palácio de Belém, em Lisboa, o chefe de Estado acrescentou: “É esse o sentido das medidas hoje mesmo tomadas ao abrigo do decreto [do estado de emergência] que assinei logo após a autorização da Assembleia da República”.
“Temos de ser mais estritos, mais rigorosos, mais firmes no que fizermos e no que não fizermos: ficar em casa, sair só se imprescindível e com total proteção pessoal e social. Só assim será efetivamente viável testar a tempo e rastrear os possíveis infetados, diminuindo a disseminação do vírus”, apelou.
O atual período de estado de emergência termina às 23:59 do próximo sábado, 30 de janeiro. Esta renovação tem efeitos a partir das 00:00 de 31 de janeiro, até às 23:59 de 14 de fevereiro.
De acordo com a Constituição, este quadro legal que permite a suspensão do exercício de alguns direitos, liberdades e garantias, não pode durar mais de 15 dias, sem prejuízo de eventuais renovações com o mesmo limite temporal.
Para o decretar, o Presidente da República tem de ouvir o Governo, que deu parecer favorável na quarta-feira, e de ter autorização da Assembleia da República, que foi dada hoje, com votos a favor de PS, PSD, CDS-PP e PAN, a abstenção do BE e votos contra de PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal.
Novo estado de emergência com Governo debaixo de fogo pela gestão da pandemia
O 10º estado de emergência em 10 meses de pandemia Covid-19 foi aprovado esta tarde no Parlamento, mais por os partidos que votaram a favor reconhecerem a sua necessidade para deter a disseminação dos contágios do que por apoio à gestão do executivo.
As críticas choveram no Parlamento, durante o debate que antecedeu a votação do novo decreto presencial que define as regras para o próximo período de emergência, até 14 de fevereiro.
O Governo e o primeiro ministro foram acusados de “falta de preparação”, de “arrogância” e de “desorientação” por quase todas as bancadas, que denunciaram a situação “grave” que o país está a viver, uma “terceira vaga brutal”, e uma “situação sanitária calamitosa”.
Sem hesitações, Rui Rio apelou a um “murro na mesa” devido às “falhas graves do Governo”, que, afirmou, devem ser referidas com “toda a frontalidade”.
O líder social-democrata comparou o atual estado de emergência a uma “situação de retaguarda numa guerra” e lembrou que, se de início seriam compreensíveis erros, “hoje, quase um ano volvido, a situação é bem diferente, o Governo tem obrigação de responder com mais competência”. “Ordem e contra ordem dá desordem”, sublinhou.
Críticas fortes vieram também de Telmo Correia, do CDS-PP, para quem este “é um Governo que tem um problema com a verdade”, que faz “propaganda quando tudo corre bem” e que “quando corre mal nunca é nada com eles, o problema é dos portugueses, é da variante britânica, é do cozinheiro”. “Se criticar o Governo é crime, sou criminoso”, afirmou.
O deputado centrista lembrou que os “especialistas” consideraram que “a segunda vaga, e sobretudo a terceira vaga, foram subestimadas” e que o agravamento se deve à falta de medidas eficazes e às “hesitações” do executivo. “A questão das escolas foi o maior exemplo de desorientação”, frisou.
André Ventura, do Chega, criticou a falta de encerramento de fronteiras, que seria poucos minutos depois anunciada pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.
“Os melhores exemplos fecharam as fronteiras”, afirmou, lembrando o caso da Alemanha que esta quarta-feira proibiu a entrada a pessoas oriundas de Portugal, entre outros países. O deputado, e para já líder demissionário do Chega, criticou os “ziguezagues” do Governo quanto às escolas, e denunciou o Governo por ser forçado à “velha estratégia da mão estendida ao mundo”, que “nos devia envergonhar a todos”.
André Ventura apontou o dedo igualmente à mudança na estratégia de vacinação. “Demos e daremos vacinas a políticos quando os portugueses lá fora ainda não foram vacinados”, entre médicos, bombeiros ou polícias, que estão “na linha da frente”. “Só há uma palavra: vergonha”, afirmou Ventura.
Já João Cotrim, da Iniciativa Liberal, defendeu uma nova estratégia para evitar sucessivos confinamentos gerais. “Do propalado milagre português da primeira vaga passamos ao lugar de pior país do mundo, repito, pior país do mundo nas últimas semanas no que toca a infetados e a fatalidades por milhões de habitantes”, criticou, mencionando um SNS “a rebentar pelas costuras” e um “sistema de rastreio da pandemia incapaz de controlar as cadeias de transmissão”.
O líder da IL também afirmou que, pior do que a forma como tem estado a ser gerida a pandemia, sem o Governo “fazer ideia daquilo que funciona no combate ao vírus”, é a sua “incapacidade” de admitir “os erros”.
O pontapé de saída da intervenção partidária no debate sobre a renovação do estado de emergência foi dado pela líder parlamentar do Partido Socialista, Ana Catarina Mendes, para quem a grave situação epidemiológica de Portugal “não pode ser objeto de demagogia política”.
Na sua intervenção, a líder parlamentar do PS elogiou igualmente a “resiliência” do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ana Catarina Mendes reconheceu que “há hoje mais mortos, mais infetados”, assim como atrasos na vacina, “apesar dos esforços”.
Mas os partidos mais à esquerda também não pouparam o executivo liderado por António Costa.
Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, não hesitou em mostrar um “cartão amarelo a um Governo que, para enfrentar uma das piores crises que alguma vez tivemos pela frente, escolhe sempre as respostas mínimas, as poupadinhas, aquelas que custam tanto às famílias, à economia e pelas quais pagaremos tanto no futuro.”
O Governo está a falhar na “estabilidade e preparação”, e, quanto à falta de apoios ao Serviço Nacional de Saúde, “não há preparação, corre-se atrás do prejuízo”, acusou o deputado bloquista, para logo após lembrar que falta estabilidade “às escolas, alunos, professores, famílias”, e os atrasos nos apoios.
Para o PCP, a prioridade deveria ser dada à quebra das cadeias de contágio, a par dos apoios sociais e económicos. “O nosso futuro não pode ser confinamento permanente”, lembrou o deputado comunista António Filipe, deixando dois apelos.
O primeiro, a que a vacinação cumpra os “objetivos que estavam definidos” e que Portugal diversifique a aquisição de vacinas, sem estar “limitado aos contactos da União Europeia com farmacêuticas que não têm capacidade de produção suficiente”. Depois, os apoios às famílias e à economia têm de “sair do papel”. Entre outros, o pagamento dos salários a 100 por cento a quem está confinado.
Já o PAN, que anunciou votar a favor do novo estado de emergência uma vez que “a situação sanitária é calamitosa”, afirmou ser necessário “exigir mais do Governo”.
André Silva quer mais medidas para evitar a insolvência das empresas e apontou o problema da saúde mental, o qual “agora mais que nunca deve ser aposta vital de Portugal”.
A defesa das ações do Governo foi feita pela ministra da Saúde e pelo ministro da Administração Interna.
Antes mesmo das intervenções dos deputados, Marta Temido disse na Assembleia que os governantes “não desertam” num momento tão difícil e continuam “a lutar”.
Já Eduardo Cabrita acusou os partidos da direita de sofrerem de “amnésia”, entre outras críticas. O ministro da Administração Interna anunciou ainda o encerramento das fronteiras do país, de forma a “proteger os cidadãos nacionais”.
O novo período de estado de emergência foi aprovado com os votos favoráveis do PS, PSD, CDS-PP e PAN, assim como da deputada não-inscrita Cristina Rodrigues.
PCP, PEV, Chega, Iniciativa Liberal e a deputada Joacine Katar Moreira votaram contra e o Bloco de Esquerda absteve-se.