O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, do Partido Socialista, exaltou a ação governativa e calou os “casos, casinhos” e denúncias de incompetência em que o executivo tem estado envolvido.
No debate sobre o “estado da nação”, que decorreu nesta quinta-feira (20) na Assembleia da República, aplausos ao discurso e às intervenções do primeiro-ministro só as dos parlamentares do seu partido. Da direita à esquerda, as opções políticas de Costa foram fustigadas por todos.
António Costa no discurso inicial, que abriu o debate parlamentar sobre o estado da nação, quando se referia às medidas que estão em curso por parte do seu executivo, afirmou que a descentralização, ao nível regional e municipal, é a “verdadeira pedra angular da reforma do estado”.
Na sexta-feira, “culminaremos essa reforma com a assinatura do acordo com a ANMP, para a recuperação de 451 escolas EB 2/3 e secundárias”.
Em relação a outras medidas que disse estarem em curso, o primeiro-ministro realçou “o regime das ordens profissionais, para assegurar liberdade de acesso à profissão e concorrência efetiva nas profissões reguladas; e a separação das funções administrativas e policiais na gestão dos fluxos migratórios”.
Ainda nesta área, António Costa assinalou mudanças com a instalação do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) “e o aumento sem precedentes” dos recursos técnicos e humanos da PJ, um investimento destinado a “reforçar o combate à criminalidade económica e financeira, como a corrupção”.
Num discurso marcado pelo tom de autoelogio, o primeiro-ministro afirmou que tem consciência dos problemas que os portugueses enfrentam, mas salientou que a estabilidade política foi a opção nas últimas eleições e que este é o fator que assegura ação transformadora.
“Temos bem consciência das dificuldades que os portugueses enfrentam no seu dia-a-dia e estamos cientes que muitos jovens se interrogam sobre o seu futuro em Portugal. Mas temos também a certeza que os resultados já alcançados provam que estamos no caminho certo e que o volume de fundos europeus de que o país dispõe para investir nos próximos anos permite acelerar este processo de transformação estrutural da economia portuguesa”, sustentou.
Foi neste contexto, quanto se referia à “transformação estrutural” na economia portuguesa, que o líder do executivo deixou uma das poucas notas de caráter político-institucional.
“A estabilidade política foi a opção dos portugueses há pouco mais de um ano. E é essa opção pela estabilidade que garante a continuidade da ação transformadora, o cumprimento dos compromissos com os portugueses, a execução de reformas essenciais à modernização do país e a melhoria de qualidade de vida dos portugueses”, defendeu.
Sem nada de concreto para apresentar, isolado politicamente à esquerda e à direita, António Costa apostou de novo num discurso recheado de afirmações vazias e promessas.
Costa abriu o debate sobre o estado da nação, na Assembleia da República, com críticas às previsões feitas há dez meses pelas oposições, que acusou de terem feito discursos catastrofistas em relação ao país, numa conjuntura de pós-pandemia da covid-19, de incerteza económica na sequência da intervenção militar russa na Ucrânia, com “subida inopinada das taxas de juro e a maior inflação dos últimos 30 anos”.
“Perante esta realidade, com humildade, o Governo optou pela responsabilidade face ao alarmismo, pela ação contra o fatalismo. Enquanto outros se concentravam em discursos catastrofistas, procurámos soluções concretas para os problemas”, defendeu.
António Costa referiu que em setembro passado, por exemplo, “para as oposições, não havia dúvidas: Portugal caminhava para a recessão e, no melhor dos cenários poderia, quanto muito, estagnar”.
Hoje, porém, de acordo com o primeiro-ministro, verificou-se que “Portugal não estagnou, Portugal não entrou em recessão, Portugal não regressou à estagflação” e, pelo contrário, “teve no primeiro trimestre o terceiro maior crescimento da União Europeia e as previsões de crescimento para este ano já variam entre 2,4 e 2,7%”.
“O emprego está em máximos históricos, com 4,9 milhões de pessoas empregadas; e a inflação tem vindo a descer de 10,1%, em outubro, para 3,4%, em junho. Esta é a grande conclusão desta avaliação: Portugal não foi este ano o país que as oposições previam, que empenhadamente anunciavam que ia ser e que, sejamos claros, alguns anseiam desde 2015 que finalmente um dia seja”, sustentou.
Em resposta a Costa, o PSD desafiou o primeiro-ministro a sair “estado de negação”.
“Se com José Sócrates os portugueses conheceram a bancarrota socialista, com António Costa os portugueses sofrem o empobrecimento socialista”, criticou o líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, na primeira intervenção no debate sobre o estado da nação.
O social-democrata apontou como exemplos a duplicação das prestações dos portugueses com os créditos à habitação, a “queda dos salários reais em 4% em 2022” ou o facto de metade dos pensionistas não conseguirem comprar todos os medicamentos de que precisam. “Deixo lhe um repto: no estado da nação, abandone o estado de negação em que se encontra”, pediu Miranda Sarmento.
Já a líder parlamentar do PCP afirmou estar em curso um “caminho de empobrecimento geral da população”, com “intoleráveis contrastes”.
“Mais desigualdades, injustiças, exploração, ataque aos direitos laborais e sindicais, degradação dos serviços públicos, baixo nível de investimento público, fragilização do aparelho produtivo, novas privatizações: esta é a realidade que o Governo, por mais que tente, não consegue esconder”, disse Paula Santos.
A parlamentar comunista criticou a afirmação do primeiro-ministro, na abertura do debate, de que o “país está a melhorar”, contrapondo que essa “não é a verdade de todos os dias”, com os portugueses a fazerem “contas ao trabalho e à pensão para ver como é que conseguem esticar até ao final do mês”.
“Para a esmagadora maioria – os trabalhadores, os reformados, as mulheres, os jovens, os pequenos empresários e agricultores – a vida está mesmo pior. Mas para alguns, isto nunca esteve tão bom”, disse.
Para Paula Santos, Portugal vive “intoleráveis contrastes”, com diferenças entre os “lucros escandalosos dos grupos económicos e a realidade do dia-a-dia de milhões de cidadãos”, ou entre “as estatísticas risonhas” e “propaganda das contas certas” e o “agravamento dos problemas do país”.
“Para recuperar o poder de compra dos trabalhadores e reformados, para investir nos serviços públicos, nunca há dinheiro, mas nunca falta para novos benefícios e privilégios fiscais (…) ou para desviar milhares de euros de fundos comunitários e recursos públicos para os fundos económicos”, argumentou.
A deputada do PCP criticou o Governo por, perante o aumento do custo de vida, insistir “em medidas assistencialistas e pontuais”, em vez de “aumentar salários, pensões e prestações sociais, e de controlar os preços dos bens e serviços essenciais”.
“Vai continuar a impor a perda de poder de compra? Que opção faz: a valorização real dos salários e pensões ou prosseguir o caminho de empobrecimento da generalidade da população?”, questionou, dirigindo-se ao primeiro-ministro.
A coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, destacou que o programa Mais Habitação “já fracassou” e que é imperdoável a instabilidade gerada por esta crise, defendendo que os portugueses questionam como podem confiar num executivo com “cadastro de incumprimento de promessas”.
Mariana Mortágua olhou para a situação atual desde um “lugar frontal de oposição”, considerando que a crise na habitação “comprova a incapacidade da maioria absoluta [do PS] e a sua cumplicidade com os mais fortes”.
“Há uma coisa que é certa e o Governo sabe: O Mais Habitação já fracassou. A crise da habitação vai continuar e o país não vai perdoar ao Governo a maior instabilidade de todas que é trabalhar, ter um salário e não ter uma casa que possa pagar”, avisou.
Sublinhando que “a situação na habitação é catastrófica e a publicidade não vai resolvê-la”, a líder do BE defendeu que neste tema, como na saúde, o Governo viu os problemas “e fez promessas”, que acusa o executivo de não ter cumprido.
“E hoje a pergunta que os portugueses fazem é como podem confiar no Governo? Como é possível confiar num Governo que tem este cadastro de incumprimento de promessas atrás de si”, disse.
O PAN (centro-esquerda) considerou que os portugueses “não vivem no mundo cor-de-rosa do PS”. “Ao contrário daquilo que já foi dito aqui hoje, os portugueses não vivem no mundo cor-de-rosa do PS”, defendeu Inês Sousa Real que confrontou o chefe do executivo com o “aumento do custo de vida que não pode ser ignorado” e que afeta áreas da vida dos portugueses como o pagamento das rendas, da alimentação ou até dos cuidados de animais de companhia.
Inês Sousa Real salientou ainda que o Governo “arrecadou mais de 4 mil milhões de euros por conta da inflação”, com António Costa a responder mais tarde que o Estado já investiu 9 mil e 400 milhões de euros no conjunto de medidas para combater a inflação.
A líder do PAN questionou também o primeiro-ministro sobre a posição do grupo parlamentar do PS, que na quarta-feira rejeitou dois diplomas do Bloco de Esquerda e PAN sobre introdução de quotas de género no Tribunal Constitucional (TC), posição que foi rompida por alguns deputados tanto na bancada socialista como na do PSD.
O presidente da Iniciativa Liberal (direita) acusou o primeiro-ministro de ter falhado como “presidente do sindicato dos portugueses, garante de estabilidade e de combate à corrupção”, pedindo que deixe os portugueses trabalhar.
“Senhor primeiro-ministro, o senhor falhou como presidente do sindicato dos portugueses, o senhor falhou como garante de estabilidade e o senhor continua a falhar no combate à corrupção”, disse Rui Rocha durante o debate.
“Estes foram os três títulos – presidente do sindicato dos portugueses, garante de estabilidade e de combate à corrupção – que António Costa se arrogou nas últimas três semanas”, sublinhou o liberal, referindo que não cumpriu nenhum deles.
O líder do partido Chega acusou o primeiro-ministro de querer transformar o país numa “casa de alterne [prostituição]”, expressão que lhe valeu uma advertência do presidente do parlamento, Augusto Santos Silva, do PS, com António Costa a considerar que André Ventura pretende degradar a democracia.
Num primeiro pedido de esclarecimento durante o debate sobre o estado da nação, que decorreu na Assembleia da República, o presidente do Chega abordou a recente operação liderada pela Política Judiciária para pôr fim a uma alegada rede de imigração ilegal e criticou os critérios de entrada de estrangeiros no país.
André Ventura considerou que estas pessoas se aproveitaram do “registo automático, que é uma burla, é um engano, é transformar isto numa bandalheira, em que qualquer pessoa entra, se regista e depois anda pela Europa a dizer que tem um pré-contrato de trabalho”.
Na sua intervenção, o deputado disse também que Portugal é “o décimo país que pior paga da União Europeia” e considerou que este é o estado da nação a que o primeiro-ministro conduziu o país.
“Queremos fazer do país, não este país de salários baixos, mas um país que fosse a melhor casa de família da Europa. O senhor primeiro-ministro quer fazer deste país a maior casa de alterne da Europa, é isso que quer fazer de Portugal”, acusou.
Na resposta, o primeiro-ministro classificou a intervenção de André Ventura “como a ilustração daquilo que qualificou como a degradação da democracia”.
António Costa não se referiu à questão da imigração, mas, quanto às remunerações, apontou que “ninguém discute” que “Portugal é um pais que tem salários baixos”.