A candidatura independente de Santana Lopes à Câmara Municipal da Figueira da Foz deixou o líder do PSD “um bocado” surpreendido, confessou, este sábado, Rui Rio, em declarações aos jornalistas.
“Sim, de certa forma surpreende, porque sai assim um bocado fora do contexto e não se entende assim muito bem o porquê dessa candidatura”, disse Rui Rio, sobre a anunciada intenção do ex-primeiro ministro e ex-presidente das Câmaras de Lisboa e da Figueira da Foz Santana Lopes em se recandidatar a esta última autarquia (que liderou entre 1998 e 2001) nas eleições marcadas para 26 de setembro.
“Eu pelo menos não entendo muito bem, mas as pessoas são livres de se candidatarem ao que querem e lhes apetece”, acrescentou.
Questionado sobre a luta autárquica na Figueira da Foz – que opõe, entre outros, o atual presidente da Câmara, Carlos Monteiro (PS) a Pedro Machado, presidente do Turismo do Centro e candidato do PSD e a Santana Lopes, candidato independente pelo movimento Figueira A Primeira – Rui Rio respondeu que nos 308 municípios do país o PSD quer “obviamente, em todos eles, empenhar-se e conseguir o melhor resultado possível”.
“Temos consciência que em algumas autarquias é muito difícil o PSD ganhar, como é evidente, designadamente quando elas se situam mais a sul do país e é mais fácil ganhar a norte do país. E depois em algumas, temos conhecimento de que podemos ser mais ambiciosos e lutar por uma vitória que está mais próximo de acontecer”, argumentou Rui Rio.
“Uma delas é seguramente a Figueira da Foz e estamos aqui hoje, também para demonstrar a importância que damos à Figueira e, em concreto, à confiança que temos no nosso candidato Pedro Machado”, afirmou o líder social-democrata.
Já na sua intervenção na abertura do 1º Fórum do Conselho Estratégico de Coimbra do PSD, Rui Rio apontou precisamente Coimbra e a Figueira da Foz como dois concelhos em que os social-democratas depositam “forte esperança de poder ganhar a Câmara ao Partido Socialista”.
Ainda hoje a Figueira da Foz paga a conta
Pedro Santana Lopes quer voltar ao lugar onde foi feliz, mas na cidade há muita gente que se lembra das dívidas, que subiram 347% em três anos de mandato.
Como o País está há mais de um ano familiarizado com picos, curvas, vagas e planaltos, é fácil visualizar o gráfico que ilustra a evolução da dívida da Câmara Municipal da Figueira da Foz nas últimas duas décadas: uma subida exponencial entre 1998 e 2005, seguida de um achatamento da curva até 2009 e depois uma lenta descida até hoje.
Esse gráfico traduz-se em números. Quando Santana Lopes começou o mandato na Figueira da Foz (no início de 1998, algumas semanas depois das eleições, que ocorreram em dezembro de 1997), a dívida da autarquia era de pouco mais de €9 milhões. Quando Santana Lopes saiu, no final de 2001 (para ir concorrer à Câmara de Lisboa), a Figueira da Foz devia já mais de €41 milhões – uma subida de 347% em apenas três anos, ou seja, Santana dobrou a dívida em cada ano de mandato que cumpriu.
Duarte Silva (PSD) sucedeu a Santana Lopes na Figueira da Foz, mas a dívida continuou a aumentar: o autarca fechou o seu primeiro mandato, em 2005, com €89 milhões em dívidas (+115%). Porquê? Porque Santana deixou na autarquia um monstro que contaminaria o mandato do sucessor.
Em 2004, o vereador das finanças (Saraiva Santos) explicou ao jornal A Capital (citado na TVI24) que teve muitas surpresas quando assumiu o mandato: “Fui descobrindo várias contas que tinham ficado por pagar [do mandato de Santana Lopes].” A situação foi tão explosiva que a autarquia teve de recorrer à banca para pagar dívidas mais prementes. “Por três vezes correu-se o risco de rutura de tesouraria e foi preciso negociar empréstimos num total de €20 milhões.”
Segundo informação contabilística oficial, há um número que ajuda a explicar este cenário de emergência: as dívidas a curto prazo da câmara (incluindo aqui as empresas municipais) passaram de €4,2 para €28,8 milhões – uma subida de 600% em apenas três anos.
Para pagar estas despesas de curto prazo, a autarquia não teve outro remédio: foi pedir à banca, endividando-se assim a longo prazo. A 27 de março de 2002, por exemplo, a câmara pediu €9,5 milhões à CGD para “saneamento financeiro”. Um empréstimo a 12 anos a uma taxa de juro de 4,5%.
No segundo mandato de Duarte Silva, a dívida desacelerou finalmente (passou de €92 para €89 milhões) e começou a descer nos mandatos de João Ataíde e Carlos Monteiro (ambos do PS): no final de 2020 estava nos €29 milhões. Ou seja, os dois executivos socialistas passaram a última década a pagar mais de €60 milhões em dívidas.
Duarte Silva e João Ataíde já faleceram (2011 e 2020, respetivamente). Carlos Monteiro, atual presidente e recandidato pelo PS, diz que mesmo em 2009 a câmara ainda passava dificuldades. “O prazo de pagamento a fornecedores estava nos 240 dias, e por isso ninguém fornecia à câmara. Foi muito complicado restaurar a dívida.” Hoje garante que a câmara está a pagar aos fornecedores “em menos de 30 dias”.
O autarca diz que nos tempos de Santana Lopes “primeiro construía-se e depois encontrava-se a receita”. E aproveita para lançar uma farpa a Santana, que disse ao jornal Nascer do Sol que a Figueira da Foz perdeu peso em relação a Aveiro. “É verdade, mas não foi agora. E Aveiro é capital de distrito, tem ensino superior, não se podem comparar duas realidades tão distintas. E muito fizemos nós e se tivéssemos tido mais 60 milhões de euros [dívida que teve de ser abatida] muito mais se teria feito.”
Tal como prometeu na campanha eleitoral (e já está a prometer agora no regresso), Pedro Santana Lopes colocou de facto a Figueira da Foz no mapa. Porque ele próprio era mediático (já tinha sido deputado, secretário de Estado, candidato a líder do PSD, presidente do Sporting e namorado da socialite Cinha Jardim) e porque transformou a cidade num corrupio de eventos culturais, desportivos e turísticos – grande parte deles sob o chapéu de chuva de uma empresa municipal criada de raiz, a Figueira Grande Turismo.
Essa empresa devorou dinheiro: acumulou €6,7 milhões de dívidas a fornecedores no fim de 2001, quando Santana saiu, apenas três anos depois de iniciar mandato. A empresa foi-se arrastando na década seguinte, com sucessivos défices e aumentos de capital, até que foi dissolvida em 2013.
Santana Lopes já anunciou vários projetos para a cidade: um campo de golfe, uma marina, um aeródromo, um centro de congressos e um centro de alto rendimento. O candidato diz à SÁBADO que o seu mandato “foi marcado pela obra e não pela dívida” e que essa obra, na altura, foi “aprovada por unanimidade, incluindo pelo PS”. Acrescenta que as obras já prometidas pelo atual presidente (e candidato) “superam o atual valor da dívida da Figueira da Foz”.