42 anos depois do primeiro golpe de Estado, a Guiné-Bissau viu-se, no primeiro dia de fevereiro de 2022, a braços com uma nova tentativa de tomada de poder, depois de uma remodelação do executivo decidida pelo Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló. O atentado à sede do executivo guineense perpetrado por homens armados provocou, no passado dia 1, 11 mortos, entre militares e civis.
A Guiné-Bissau é atualmente um dos países mais pobres do mundo, com cerca de dois terços dos 1, 968 milhões de habitantes a viverem com menos de um dólar por dia. A história do país tem sido marcada, ao longo dos anos, por golpes sucessivos que têm na sua génese instabilidades políticas e a politização das elites militares guineenses das Forças Armadas, as FFAA.
As abordagens da politização destas elites e o surgimento de grupos rivais (ou facões internas), têm sido, assim, os principais mobilizadores dos golpes de Estado na Guiné-Bissau, ao longo de décadas.
Após a independência nacional (em 1974), a sua contribuição no processo emancipatório gerou um crescente sentimento de legitimação do poder e força. “Este facto traduziu-se na formação de facões internas e nas sequências dos golpes que aconteceram no país envolvendo altos membros e oficiais, como Chefes do Estado-Maior e General das Forças Armadas (CEMGFA) e tenentes-coronéis das FFAA”, é referido numa tese desenvolvida por Malam Djau, investigador na área de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná, no Brasil.
As primeiras alterações constitucionais feitas, depois do primeiro golpe de Estado naquela ex-colónia portuguesa, ocorrido a 14 de novembro de 1980, reforçaram ainda mais os poderes das elites militares guineenses. “As mudanças concebidas não só possibilitaram aos superiores militares certas regalias, como também reforçaram a interferência destes nos assuntos do Estado, possibilitando assim a participação e formação de uma elite militar preocupada com as questões especificas dos assuntos civis, com traços acentuadamente autoritários”.
Os incidentes na capital guineense, registados no passado dia 1 de fevereiro, junto ao palácio governamental, decorreram dias depois de uma remodelação do executivo, decidida pelo Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, que foi contestada inicialmente pelo partido liderado pelo primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam. Posteriormente, o líder do Governo disse que concordava com a remodelação feita.
As relações entre o chefe de Estado e do executivo têm sido marcadas por um clima de tensão, que se agravou nos últimos meses de 2021 por causa de um avião Airbus A340, que o Governo mandou reter no aeroporto de Bissau, onde aterrou vindo da Gâmbia, com autorização presidencial.
Entre os governantes afastados na remodelação está o ex-secretário de Estado da Ordem Pública guineense Alfredo Malu, que disse que a sua saída está relacionada com a sua atuação no caso do avião retido no aeroporto de Bissau.
Nas declarações aos jornalistas, o ex-secretário de Estado sublinhou que o Presidente da República considerou que foi da sua autoria a ordem de inspeção ao aparelho por parte de uma equipa de peritos norte-americanos.
O primeiro-ministro começou por dizer que o aparelho tinha entrado no país de forma ilegal e que trazia a bordo carga suspeita, mas dias depois afirmou, perante os deputados no parlamento, que uma peritagem internacional, por si solicitada, concluiu que não se tratava disso, mas sem mais detalhes.
O que se sabe do ataque de 1 de fevereiro
Na passada terça-feira, dia 1 de fevereiro, a polícia e as Forças Armadas da Guiné-Bissau bloquearam o Palácio do Governo depois de tiros terem sido disparados no seu interior. À hora do almoço, no dia do ataque, ouviam-se tiros de bazuca e rajadas de metralhadora junto ao palácio, onde decorria um Conselho de Ministros, com a presença do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, e do primeiro-ministro, Nuno Nabiam.
Imediatamente, num perímetro de cerca de 500 metros à volta do edifício, eram colocadas, pelos militares, barreiras para impedir o acesso da população à zona. Nesse perímetro, também não era permitida a circulação de carros.
Segundo testemunhas, também perto do Palácio da Justiça estava uma brigada de intervenção e vários militares e elementos das forças de segurança, “um sinal de golpe de Estado em curso”.
Foi um “ato bem preparado e organizado e que poderá também estar relacionado com gente relacionada com o tráfico de droga”, disse no rescaldo Sissoco Embaló, acrescentando que foram detidas algumas pessoas, na sequência do ataque.
“Queriam matar o chefe de Estado, o primeiro-ministro e os ministros”
Após a tentativa de golpe, o chefe de Estado da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, disse que as pessoas que atacaram o Palácio do Governo, enquanto decorria a reunião de Conselho de Ministros, “queriam matar o Presidente, o primeiro-ministro e os ministros”. “Eles não queriam apenas dar um golpe de Estado, queriam matar o Presidente da República, o primeiro-ministro e os ministros”, afirmou Umaro Sissoco Embaló.
“O país está de luto porque alguns valentes filhos tombaram por causa da ambição de duas ou três pessoas, que entendem que o país não tem direito de viver em paz”, disse posteriormente aos jornalistas. Contabilizaram-se, depois do ataque, 11 mortos, entre militares e civis.
“Custava-me acreditar que um dia poderíamos chegar a este ponto. Ou que os filhos da Guiné poderiam voltar a perpetrar outro ato de violência. Nem podem imaginar este ato de violência. Preferiria que as pessoas me atacassem pessoalmente”, lamentou o Presidente guineense.
Quem é Umaro Sissoco Embaló?
Umaro Sissocó Embalo, que teve o apoio do Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), foi declarado a 1 de janeiro de 2020 vencedor da segunda volta das eleições presidenciais, com 53,55 % dos votos.
O major-general na reserva Umaro Sissocó Embaló queria ser chefe de Estado desde os 12 anos e considera que a política “é como o futebol, um jogo com vencedores e perdedores”.
O “general do povo”, como é conhecido entre os seus apoiantes, candidatou-se às presidenciais apoiado pelo Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), formação política criada por um grupo de dissidentes do partido africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
Os amigos consideram-no como um “humanista”, que pode levar o país ao desenvolvimento, os adversários políticos criticam-no por assumir um discurso étnico e religioso, ligado ao extremismo islâmico, principalmente depois de a sua “imagem de marca” na campanha eleitoral para as presidenciais ter ficado associada ao lenço vermelho e branco que usa na cabeça, tal como a maioria dos seus apoiantes.
Às acusações dos adversários, respondeu que é “um muçulmano casado com uma católica e um homem de paz e que usa o lenço porque gosta e para se proteger do calor”.
Para Umaro Sissoco Embaló “a política é um exercício, como futebol e outros, para mim não é uma questão de vida e morte. Eu já vivia antes de ser político e no dia que sair da vida política vou continuar a viver”, afirmou na altura da sua eleição.
O antigo primeiro-ministro da Guiné-Bissau, que exerceu o cargo entre novembro de 2016 e janeiro de 2018, viveu a infância entre Gabu, no norte do país, e Bissau e estudou Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa.
Umaro Sissoco Embaló tem várias especializações na área da Defesa e Segurança e foi conselheiro e colaborador de vários líderes africanos, incluindo o histórico líder líbio, Muammar Kadhafi.
Em outubro de 2019 foi acusado pelo primeiro-ministro guineense, Aristides Gomes, de tentativa de golpe de Estado. “É calúnia, é mentira. Não estou no ativo”, disse na altura Umaro Sissoco Embaló.
A tentativa de golpe de Estado de 1 de fevereiro foi condenada pela União Africana, pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), através da presidência angolana, pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, por Portugal e por São Tomé e Príncipe.