Algumas famílias do Grão-Ducado foram já obrigadas a separar-se dos filhos, vítimas de agressões e ameaças de outros menores, e enviá-los para outros países, nomeadamente Portugal.
Uma solução extrema e inaceitável para especialistas e deputados da ADR que alertam para o aumento da violência juvenil e acusam o governo de nada fazer. Só no último mês e meio foram noticiados vários casos de adolescentes agredidos ou roubados com violência por outros jovens, que atuam em pares ou em gangues de menores.
No parque de Galgenberg, em Esch-sur-Alzete, uma vintena de adolescentes em idade escolar, de mochilas às costas e de capuz na cabeça, foram filmados a agredir aos pontapés e socos um outro estudante caído no chão. O vídeo difundido a 30 novembro nas redes sociais chegou à polícia, um dos agressores foi detido e está sob supervisão judicial.
Já este mês, seis jovens recorreram à violência para roubar o telemóvel a um adolescente, em Schifflange, ferindo-o no rosto e numa perna, que foi mordida por um cão que acompanhava os agressores. A vítima teve de receber assistência hospitalar, informou a polícia.
Em Esch-Belval, um adolescente foi espancado por outros três menores para lhe roubarem a mochila e os auscultadores e o despiram antes da fuga, em pleno dia, a 15 novembro. A polícia identificou rapidamente dois dos agressores. Nesse mesmo dia, outro aluno foi ameaçado e assaltado na estação de Clervaux, por três jovens que lhe levaram a carteira. Os agentes encontraram os assaltantes numa escola vizinha.
Ainda no mesmo dia, outro estudante de 16 anos, foi assaltado na paragem de autocarro perto da escola de Clervaux, por três sujeitos de capuz e de cara tapada. Levaram-lhe dinheiro e o relógio, mas mesmo sob ameaça, o jovem consegui fugir e entrar num autocarro.
O relato foi feito pela mãe do estudante ao Contacto, que logo informou a escola, mas com medo de represálias ao filho não apresentou queixa na polícia. A família mudou-se do Brasil para o Luxemburgo há seis anos, também para fugir da violência, mas foi no Grão-Ducado que foram vítimas.
Estes são apenas alguns dos casos mais recentes, divulgados pela polícia do Luxemburgo. Mas haverá muito mais ocorrências perpetradas por menores, em que as vítimas não denunciam por medo de represálias, vinca a psicóloga Catherine Verdier, fundadora das associações PsyFamille e Amazing Kids, uma das vozes de alerta sobre o aumento da violência juvenil no Luxemburgo. Também o partido ADR convocou uma reunião parlamentar, com os ministros da tutela, para debater o fenómeno que consideram ter atingido um limiar preocupante.
A ministra da Justiça, Sam Tanson, garante que a violência juvenil “não está a aumentar, permanece estável” no país. Também o Ministério da Educação afirma “não ter conhecimento de um aumento geral de casos de violência juvenil”, mas prepara já novas medidas.
Gangues de menores
Na ponta do icebergue desta delinquência juvenil estão os gangues de adolescentes, em que a brutalidade, sobretudo para com outros menores, é filmada como um troféu e divulgada na net, em circuitos fechados, mas que acaba por extravasar e, por vezes, chegar às autoridades.
Há, pelo menos, seis gangues juvenis ativos, sendo o mais conhecido o gangue “17” ou “17Antissistema”, que reúne cerca de 40 adolescentes, alguns nem 14 anos têm ainda, segundo a investigação do Luxemburger Wort. Há membros deste gangue identificados pela polícia, estando dois deles detidos na prisão de menores Unisec de Dreiborn. Um dos seus vídeos, divulgados recentemente, mostram um aluno a ser violentamente agredido por outros dois estudantes, na casa de banho de um liceu do país, sendo que os agressores já estavam a ser investigados pela polícia, de acordo com o LW.
Estes grupos de adolescentes espalham uma onda de terror, agredindo, extorquindo e ameaçando as vítimas de represálias, caso estas os denunciem. Situações que já obrigaram famílias a separar-se dos seus filhos, enviando-os para escolas noutros países, para os proteger. Esta foi a decisão de, pelo menos, uma família portuguesa, como confirmou o deputado da ADR, Fernand Kartheiser, tendo a mesma sido mencionada na reunião da comissão parlamentar conjunta, em outubro, sobre a delinquência juvenil, a pedido deste partido.
Na reunião, em que estiveram presentes os ministros da Educação, Justiça, e Segurança Interna, bem como representantes do Ministério Público e da Polícia, o deputado da ADR, Fred Keup, alertou para o perigo destes grupos organizados. São gangues de adolescentes, entre os 12 e os 14 anos de idade, que “fazem coisas graves, provocam ferimentos graves” às vítimas, também elas menores, chegando ao limite de pais terem de enviar os seus filhos para escolas no estrangeiro, para a Bélgica, Alemanha e Portugal. Vários casos foram-nos relatados”. Devido à sensibilidade do problema, e respeitando privacidade das famílias, nada mais pode ser mencionado sobre estes casos, como explica Fernand Kartheiser.
Isto é muito grave, quando os pais sentem que os filhos estão mais seguros fora do Luxemburgo do que no país.
Numa reportagem do site da RTL sobre a delinquência juvenil há também referência a uma família portuguesa que foi obrigada a tomar igual decisão. “Existe um gangue do qual um certo ‘X’ [N.R: o nome foi retirado) é membro, e que extorquiram o meu cunhado. Foi apresentada uma queixa, mas o processo ainda se arrasta. Resultado, a sua mãe viu-se forçada a mandá-lo para Portugal”, conta um leitor anónimo. Desconhece-se se será a mesma família mencionada pelos deputados da ADR.
A psicóloga Catherine Verdier fala de mais um caso extremo: “Tenho conhecimento de uma família luxemburguesa cuja alternativa que encontrou para proteger o filho, foi tirá-lo da escola no Luxemburgo e colocá-lo numa escola na Suíça”.
Para esta psicóloga, presidente da associação Amazing Kids, e para o partido ADR é notório que a violência juvenil está a aumentar. “É muito urgente agir. Chegámos a uma situação crítica de haver pais a enviarem os filhos para o estrangeiro, agindo eles para proteger as suas crianças, já que o Luxemburgo não os pode proteger. Isto é muito grave, quando os pais sentem que os filhos estão mais seguros fora do Luxemburgo do que no país”, declara ao Contacto Catherine Verdier acusando o governo de esconder o problema.
Igual crítica é feita pela ADR. “É absolutamente insustentável” que pais tenham de tomar tais decisões, reage Fernand Kartheiser, para quem o governo “não mostra vontade de refrear este fenómeno de violência juvenil”, limitando-se “a fazer referências a futuras leis (que não trarão qualquer melhoria) sobre a proteção dos jovens ou, mesmo a relativizar a situação”.
Na reunião da comissão parlamentar, convocada pela ADR, foram avançados números do Ministério Público sobre a delinquência juvenil: “Atualmente, são emitidos 2.200 processos verbais por ano. Houve 1.469 relatórios. Mas também há vítimas de maus-tratos juvenis”, existindo ainda, “pelo menos, seis gangues de grande dimensão, como o ’17’, atualmente ativos”.
“Como todos nós temos contactos frequentes com muitos membros da administração estatal, no decurso do nosso trabalho diário, posso dizer que muitas fontes corroboram as informações que nos foram apresentadas nesta sessão”, declarou Fernand Kartheiser. “Podemos perceber que existe uma enorme frustração entre os funcionários públicos responsáveis por estes processos. Eles conhecem bem a situação, gostariam de intervir, mas a ideologia do governo opõe-se a qualquer intervenção eficaz”, adianta.
O que está a acontecer, declara, é que o Estado “é impotente face aos abusos cometidos por meia dúzia de gangues de jovens”, sendo as medidas “fracas e ineficazes”. E, a futura legislação sobre a proteção juvenil, “como está prevista, arrisca a agravar a situação”. O partido já solicitou “nova reunião para debater o problema”, mas até à data, ainda não foi agendada.
Vítimas sem apoio
“Não há nada no Luxemburgo para ajudar as vítimas de violência juvenil, nem para prevenir esta violência crescente”, diz Catherine Verdier, justificando com números a sua preocupação. “100% das crianças e adolescentes da nossa associação já foram confrontadas com uma situação de violência, como vítimas, testemunhas ou agressores, pelo menos uma vez, ao longo da sua vida escolar”, alerta a presidente da Amazing Kids, especificando que os casos acontecem com alunos de todas as nacionalidades, nomeadamente, portugueses.
E lança a questão: “O fazem os adultos perante este fenómeno? O que faz o governo e a sociedade? Porque este é um problema de toda a sociedade civil, somos todos culpados e responsáveis”.
“Eu propus um projeto ao governo para combater esta delinquência e foi recusado”, critica Catherine Verdier. A violência juvenil é um fenómeno global e há países, como a França, que estão a tomar medidas. “A França não é um modelo, mas está a agir. Recentemente dedicaram uma semana contra o assédio e lançaram uma campanha para denuncia da violência juvenil, com números telefónicos para as vítimas jovens, havendo também protocolos nas escolas para estas situações, esclarecendo pais e filhos sobre o que devem fazer”.
A psicóloga volta a reafirmar que a violência juvenil “atingiu um patamar deveras crítico, sendo muito urgente desencadear ações para a combater”. A começar pela sensibilização, desde os primeiros anos de escola, para a vivência pacífica em conjunto, “contra o bullying, os insultos, assédio e todo o tipo de violência”. Na Amazing Kids vão ser inauguradas, em breve, “sessões para crianças e adolescentes às quintas-feiras, para poderem falar sobre o que desejarem e também sensibilizar para a violência juvenil”.
Educação prepara medidas
O Ministério da Educação anuncia que está a preparar novas medidas, numa primeira fase, centradas na sensibilização para a denúncia das agressões.
“É verdade que, nos últimos meses, tomámos conhecimento de alguns casos em que circularam vídeos mostrando assédio e atos de violência entre os jovens. No entanto, o ministério não tem conhecimento de um aumento geral dos casos de violência juvenil”, declara fonte do gabinete de comunicação do ministério tutelado por Claude Meisch, salientando que esta violência não é um problema restrito “das escolas, mas sim da sociedade”, em geral.
No entanto, o ministério “está consciente da responsabilidade da escola em oferecer aos jovens um enquadramento e espaço onde se sintam seguros, e que lhes permita revelar, confidencialmente, atos de assédio ou violência de que sejam vítimas ou testemunhas”. Para tal, “está a ser criado um dispositivo nas escolas secundárias, pelo Centro Psicossocial e de Acompanhamento Escolares (Cepas)”, que prevê também quais os procedimentos que devem ter os profissionais das escolas “para o tratamento destas revelações de atos de violência”.
Este novo sistema irá ser divulgado através de uma campanha de informação, a ser lançada nos próximos meses, juntamente com uma campanha de sensibilização dos alunos para a importância de denunciar os “atos intoleráveis de que são vítimas ou testemunhas”, refere a fonte do ministério da Educação, explicando que esta ação irá lançada “em colaboração com a polícia e o sistema judicial”.
O reforço da proteção dos menores e a introdução do direito penal para menores são dois projetos de lei já apresentados pelo Ministério da Justiça para combater a violência juvenil.