O antigo comentador televisivo é o 20.º português a chegar ao Palácio de Belém desde a Implantação da República em 1910.
Marcelo Rebelo de Sousa é o novo Presidente da República. O professor, antigo líder do PSD e comentador televisivo da TVI sucede a Cavaco Silva. Tal como todas as sondagens indicavam, Marcelo foi o candidato presidencial mais votado pelos portugueses, com mais de 50% dos votos. Ficou à frente de Sampaio da Nóvoa, com Marisa Matias a causar surpresa ao ocupar o último lugar do pódio.
Poucos ousariam prognosticar que Marcelo não seria o candidato mais votado. Restava a dúvida se conseguiria ser eleito à primeira volta, a qual ainda permaneceu quando foram conhecidos os primeiros resultados, às 20h00.
Porém, bastariam apenas cerca de três quartos e hora para que até a candidata Maria de Belém, a maior derrotada da noite, confirmasse que já havia felicitado o novo Presidente.
Sai Cavaco, entra Marcelo, que é assim o 20.º português a chegar ao Palácio de Belém desde a Implantação da República em 1910.
O percurso de Marcelo até Belém
Marcelo Rebelo de Sousa nasceu a 12 de dezembro de 1948 (tem 67 anos), filho de um médico e de uma assistente social, em Lisboa. Atualmente vive em Cascais. Mas é em Celorico de Basto que é visto como um “filho da terra”, ou antes, “neto da terra”, dado que deve essas raízes à avó materna.
Foi na vila do distrito de Braga que apresentou à candidatura à Presidência da República (numa biblioteca com o seu nome), foi lá que votou nas eleições que acabou por vencer. Poucos ousariam perspetivar que Marcelo não seria o candidato mais votado. A principal dúvida era se seria eleito à primeira volta ou após a realização de uma segunda.
Interessa agora recordar o percurso da vida política de Marcelo Rebelo de Sousa até chegar a Presidente da República.
Ao contrário de muitos outros, não foi na faculdade (estudou na Faculdade de Direito de Lisboa) que teve o primeiro contacto com a política. Marcelo Rebelo de Sousa nasceu e cresceu no meio dela. Conviveu desde cedo com a família do então primeiro-ministro do Estado Novo, Marcello Caetano, devido ao envolvimento político do pai, Baltazar Rebelo de Sousa, que chegou a ser ministro das Corporações e do Ultramar.
O seu percurso no PSD começou aos 26 anos, em 1974, ano em que se tornou militante do partido que lideraria entre 1996 e 1999. Antes, em 1989, o agora candidato presidencial disputou as suas primeiras eleições, como número um da lista do PSD e do CDS-PP à Câmara de Lisboa. Perdeu. Dizia-se que tinha falta de notoriedade…
Mais de duas décadas e meia depois, notoriedade é algo que não lhe falta, depois de ter sido comentador político durante 15 anos, divididos em duas etapas na TVI (entre 2000 e 2004, 2010 e 2015) e outra na RTP (de 2005 a 2010). Os seus comentários em horário nobre, ao domingo, valeram à estação de Queluz tantas e tantas lideranças da tabela de audiências.
A década de Cavaco Silva como Presidente
Enquanto quarto presidente da República eleito democraticamente por sufrágio universal após o 25 de Abril de 1974, desde 9 de março de 2006, data em que tomou posse, Cavaco Silva conviveu com quatro governos (três do PS e um do PSD/CDS) e três primeiros-ministros (José Sócrates, Passos Coelho e António Costa). Mas não foram só os governos a mudar, o país viveu nestes anos uma das maiores crises de sempre com níveis de austeridade nunca vistos em mais de 40 anos de democracia.
Entre 2006 e 2007 viveu os anos mais tranquilos em Belém. A troika ainda não havia chegado a Portugal, austeridade ainda era uma palavra pouco recorrente no léxico dos portugueses. José Sócrates governava o país com maioria absoluta e as relações entre Belém e São Bento ainda eram serenas.
O ano seguinte trouxe o início do constante sobressalto, uma vez que em 2008 rebentou a crise mundial. As relações com o governo de Sócrates começaram a degradar-se e nunca suavizariam. Estavam para chegar os PEC, que Cavaco Silva nunca aplaudiu. Aliás, para a preparação do último destes programas, o PEC IV, o Presidente da República nem foi consultado pelo executivo socialista.
Em 2011, no tradicional discurso de ano novo, a poucos meses de eleições legislativas, Cavaco Silva alertou que “este aumento da dívida externa e do desemprego, a que se junta o desequilíbrio das contas públicas, podemos caminhar para uma situação explosiva”. Embora não tenha sido dito, a mensagem tinha um claro destinatário: o governo socialista.
Na mesma mensagem do dia 1 de janeiro de 2011, Cavaco Silva apelou para que “os sacrifícios” fossem “repartidos de uma forma justa por todos, sem exceções ou privilégios”.
Ainda nesse mês de janeiro, Cavaco Silva seria reeleito para a Presidência da República, à primeira volta, com o apoio do PSD e CDS. Na tomada de posse, no dia 9 de março, arrasou o governo de Sócrates. Uma frase desse discurso ficou para a história: “Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos”.
No dia 23 de março o PEC IV, o tal para o qual Cavaco não foi consultado, foi chumbado no parlamento e Sócrates demitiu-se. No meio deste turbilhão político, no dia 6 de abril o governo solicitou ajuda externa e no dia 3 de maio foi assinado o memorando da troika.
A relação com o novo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, foi menos tumultuosa. O que não significa que o país vivesse dias melhores. O ano 2013 foi negro para este governo social-democrata, com o Tribunal Constitucional a travar muitas das medidas de austeridade. Passos chegou a ponderar demitir-se e Vítor Gaspar bateu mesmo com a porta no início do verão. Paulo Portas demitiu-se no dia seguinte, mas a demissão “irrevogável” tornou-se revogável, e o governo sobreviveu. Portas até passou a vice-primeiro-ministro.
Cavaco era criticado por ter um papel pouco interventivo por estes dias. A verdade é que a instabilidade até o tornou mais próximo de Passos Coelho. No início de 2014, o Presidente da República até indicou ao país que já encontrava “sinais que nos permitem” encarar o novo ano com “mais esperança”, um país que “saiu da recessão em que estava mergulhado desde finais de 2010”, diminuiu o desemprego e “têm vindo a registar um comportamento mais favorável nas exportações”.
Na mensagem de ano novo de 2015, ano de novas eleições legislativas, Cavaco deu sinais de satisfação com um país em que “a economia está a crescer, a competitividade melhorou, o investimento iniciou uma trajetória de recuperação e o desemprego diminuiu”. O presidente não adivinhava o que aconteceria depois das eleições.
António Costa foi o último primeiro-ministro com o qual Cavaco Silva coincidiu nos dez anos em que foi Presidente da República.
Agora chegou a hora de Cavaco Silva deixar o cargo a Marcelo Rebelo de Sousa, que enquanto comentador televisivo tantas vezes analisou a atividade política do mais famoso dos cidadãos nascidos em Boliqueime.