Há 13 empresas que foram criadas entre 2018 e 2020 e só fizeram negócios com a Direção-Geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN).
Este foi o período – coincidente com o mandato de João Gomes Cravinho como ministro da Defesa Nacional – visado na operação “Tempestade Perfeita” que investiga adjudicações suspeitas naquele ministério e que já resultou numa acusação por corrupção, peculato e branqueamento contra 73 arguidos – sete funcionários do ministério da Defesa, entre os quais três ex-altos quadros, 36 empresários e familiares, bem como 30 empresas.
Estas 13 (ver lista no final do texto) fazem parte dessas três dezenas e, de acordo com os registos em seu nome, consultados pelo DN na plataforma da contratação pública base.gov, apenas foram adjudicatárias da DGRDN.
No período em causa comandavam este poderoso departamento do ministério da Defesa Nacional (MDN), os três principais arguidos do processo, detidos em dezembro do ano passado: Alberto Coelho, na altura diretor-geral, que já foi multado em 15 mil e 300 euros pelo Tribunal de Contas por infrações financeiras nas obras do antigo Hospital Militar de Belém (HMB); e os escolhidos por si Paulo Branco, diretor de serviços da gestão financeira, e Francisco Marques, diretor de serviços de infraestruturas e património.
De acordo com a acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, que titulou o inquérito investigado pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária (PJ), em comum as empresas acusadas, incluindo estas 13, tinham todas ligações, diretas ou indiretas, através de familiares ou outros empresários conhecidos, com os três principais gestores arguidos: “André Barros, Manuel Sousa e Paulo Machado são conhecidos de Alberto Coelho, Paulo Branco e Francisco Marques. Estão todos ligados a empresas de construção civil, engenharia e arquitetura que foram contratadas pela DGRDN”, alega o Ministério Público (MP).
3,7 milhões de euros em adjudicações
“De modo a concretizar a concertação de convites e propostas a apresentar nos procedimentos concursais por ajuste direto e consulta prévia, por intermédio destes empresários foram constituídas sociedades com o único propósito de serem adjudicatárias da DGRDN, sendo controladas pelos próprios ou por pessoas das suas relações”, afiança o MP.
De acordo com a pesquisa do DN, as 13 empresas – a maior parte criada em 2020, com o país em plena pandemia da Covid-19 – faturaram nos três anos cerca de 3,7 milhões de euros, mais de dois terços de um total de 5,5 milhões que o MP atribui às 45 adjudicações suspeitas.
Além disso, “com o mesmo propósito de concertação foram convidadas empresas já instaladas no mercado que aceitaram facilitar o sucesso da proposta da empresa escolhida para vencer o procedimento”.
Em alguns casos, é escrito na acusação, “apresentando propostas de valor superior ao da vencedora ou não apresentando propostas”, noutros “apresentando propostas que sabiam ser vencedoras em troca da retenção de uma quantia a título de “comissão”, em regra, correspondente a 5% do montante adjudicado”.
“Centro de custos” para contrapartidas
Entre estas empresas está a Romapremium, constituída em 2019, com seis contratos registados com a DGRDN, no valor de 304.753,00 €.
Uma das adjudicações foi a da requalificação do HMB, cuja derrapagem, em 2020, de 750 mil para 3,2 milhões de euros, acabou por tornar este caso o centro da investigação judicial.
A Romapremium coincidiu com a TRXMS (criada em 2017, como “prestadora de serviços de cabeleireiro” mas com uma mudança, em abril de 2020 para trabalhos de gestão e serviços a empresas), que teve também seis contratos apenas com a DGRDN, em 2019 e 2020, no valor de 1.815.057,00 €, não só no HMB, mas também em obras no Palácio Bensaúde, na altura em que o ex-secretário de Estado, Marco Capitão Ferreira (arguido na Tempestade Perfeita, mas ainda não acusado) mudou para estas instalações a sede da IdD-Portugal Defence, a holding da indústria pública de Defesa, cujo Conselho de Administração presidiu entre 2020 e 2022.
De acordo com o portal já referido, a empreitada, designada “Contrato de aquisição de serviços de obras de reabilitação e conservação no Palácio Bensaúde em Lisboa”, custou cerca de 122 mil euro (com IVA), foi adjudicada, em dezembro de 2020, à Romapremium, mas foi a TRXMS a executar os trabalhos.
O processo, sustenta a acusação, foi tratado entre os arguidos Paulo Branco, Francisco Marques, Paulo Machado e André Barros.
Recorde-se que, além desta despesa através da DGRDN, segundo o mesmo portal base.gov, em setembro de 2021, Marco Capitão Ferreira ainda gastou mais quase 160 mil (IVA incluído) num outro contrato numa “Empreitada para obras de adaptação no Palácio Bensaúde”.
A rede tentacular alegadamente montada por Coelho, Branco, Marques, Barros, Sousa e Machado implicava, alega o MP, a criação pelos três empresários de um “centro de custos”, relativamente às obras adjudicadas e às contrapartidas dadas aos funcionários da DGRDN que intervinham favoravelmente na decisão dos referidos procedimentos contratuais, apelidando-as, às contrapartidas, de “comerciais””.
Para além disso, argumenta o MP, os arguidos André Barros, Paulo Machado, Manuel Sousa, bem como Cláudia Preto (sócia-gerente da TRXMS) ficariam com uma percentagem de 10%, por cada obra adjudicada pela DGRDN a esta bolsa de sociedades.
Na acusação, o MP condena os três antigos altos quadros do MDN e os empresários a pagar ao Estado um milhão e 400 mil euros que estima ser o valor que receberam em vantagens patrimoniais e/ou numerário: Alberto Coelho cerca de 86 mil euros; Paulo Branco 415 mil euros; e Francisco Marques, cerca de 270 mil.
Os três empresários terão de pagar cerca de 634 mil euros, correspondente aos valores de que, calculou o MP, se apropriaram ilegitimamente.
Riscos na nova Lei
Além das empreitadas já referidas, as outras adjudicações tinham a ver sempre com pequenas obras, por exemplo de manutenção em alojamentos de praças, vistorias em imóveis militares, remodelações, limpeza de terrenos, entre outras que, por serem valores reduzidos, os ajustes diretos não levantavam suspeitas.
No entanto, há um alerta em relação à nova Lei de Infraestruturas Militares (LIM), publicada em Diário da República no passado dia 18.
Preparada com o envolvimento de Marco Capitão Ferreira, enquanto ex-secretário de Estado (de cujo cargo se demitiu no passado dia sete de julho, quando foi constituído arguido) com esta tutela de gestão do património militar delegada pela ministra Helena Carreiras, a atual LIM prevê, pela primeira vez, no seu artigo 10º, que “com vista ao aumento de valor dos imóveis a rentabilizar, pode a DGRDN promover a edificação de benfeitorias”.
Fontes do setor receiam que esta seja uma “porta escancarada” para mais ajustes diretos. “A maior parte destas obras são de pequeno valor, mas muitas juntas, como faz prever este novo artigo da LIM, somam grandes verbas que acabam desviadas da LIM e daquilo que deve ser o seu principal foco: “a melhoria das infraestruturas das Forças Armadas”, sublinha uma dessas fontes, atenta à “Tempestade Perfeita”.
Esta foi uma alteração à Lei, aprovada no parlamento só com os votos a favor do PS, que pode trazer problemas a Helena Carreiras, que não se opôs a este novo artigo.
A ministra, recorde-se, garantiu que tem sido dada “muitíssima atenção e prioridade a tudo o que tem a ver com a necessidade de reforçar e promover a transparência e a prevenção da corrupção e da criminalidade económica e financeira na área da Defesa”.
Helena Carreiras, que requereu ao Tribunal de Contas uma auditoria à IdD, assegurou que “para além de várias inspeções que foram promovidas e estão a ser desenvolvidas pela Inspeção Geral da Defesa Nacional a todas as entidades da esfera da defesa, incluindo o setor empresarial do Estado, já desde dezembro de 2022, há também um outro conjunto de ações inspetivas” a decorrer.
Lista de empresas
1- Agroclean – constituída em 23/10/2020
– Exploração florestal, cortiça e resina
– 3 contratos com a DGRDN em 2020 e 2021
Valor total- 130.290,00 €
2- Alex Santos – constituída em 14/9/2020
– Construção civil
– 1 contrato com a DGRDN em 2020
Valor total- 149.200,00 €
3- Choose2shine – constituída em 17/6/2020
– Remodelação de edifícios, limpezas, compra e venda de imóveis
– 2 contratos com DGRDN em 2020
Valor total – 177.200,00 €
4- Degmauri – constituída em 5/11/2019
– Construção Civil
– 1 contrato com a DGRDN em 2020
Valor total- 30 000 euros
5- Effusive Percentage – constituída em 17/06/2020
– Construção, remodelação e manutenção de edifícios, compra e venda de imóveis.
– 2 contratos com DGRDN em 2020
Valor total – 173.656,00 €
6- Mifraland – constituída em 11/03/2020
– Compra e venda de imóveis.
– 4 contratos com a DRGDN entre 2020 e 2021
Valor total- 259.765,00 €
7- Paralelo Resistente – constituída em 3/6/2020
– Consultoria, projetos de engenharia e construção civil
– 2 contratos com DGRDN em 2020
Valor total – 174.500,00 €
8- Planeta Limpo – constituída em 21/6/2019
– Limpeza de estradas, pinhais, matas, florestas, caminhos agrícolas
e florestais, espaços urbanos
– 7 contratos com a DGRDN em 2019 e 2020
Valor total – 366.438,00 €
9- Precious Strategy – Constituída em 23/6/2020
– Servia para usar as contas bancárias para as contrapartidas.
– Nenhum contrato registado
10- Romapremium – constituída em 12/3/2019
– Consultoria, construção civil, obras públicas, projetos de engenharia e arquitetura,
fiscalização de obras e compra e venda de materiais de construção civil
– 6 contratos com a DGRDN entre 2019 e 2020
Valor total – 304.753,00 €
11- Segundo Plan – constituída em 1/1/2018
– Serralharia e construção civil
– 4 contratos com a DGRDN em 2019 e 2020
Valor total- 195.280,00 €
12- TRXMS – constituída em 2017 e redesignada a 6/4/2020
– Começou como prestadora de serviços de cabeleireiro, passando depois a trabalhos de gestão e serviços a empresas.
– 6 contratos com DGRDN em 2019 e 2020
Valor total- 1.815.057,00 €
13- Wisepodium – Constituída em 23/6/2020
Servia para usar as contas bancárias para as contrapartidas.
Nenhum contrato registado