De cada vez que um órgão de comunicação social das comunidades morre, com ele desaparece também uma voz, um instrumento de liberdade, um meio de afirmação das nossas comunidades. É para mim doloroso escrever sobre um fim de um jornal ou de qualquer meio de comunicação social. Mas também é absolutamente necessário prestar essa homenagem a um jornal que foi tão importante para as nossas comunidades como o Mundo Português, um projeto sólido voltado para a emigração portuguesa, e que começou ainda a ser editado durante o tempo da ditadura.
A sua primeira edição foi em 12 de janeiro de 1970. O jornal passou por várias metamorfoses no seu título, também elas ilustrativas da evolução da perceção que o país teve ao longo do tempo relativamente às comunidades portuguesas no estrangeiro. Começou por se chamar “O Emigrante”, depois passou a “Emigrante/Mundo Português”, e depois apenas a “Mundo Português”.
Nesta evolução está plasmada a forma como foi sendo visto esse fenómeno tão estrutural na sociedade portuguesa, que é a emigração, que acompanhou a história do país desde os tempos em que a mobilidade passou a ser corrente, a partir do tempo das descobertas e dos navegadores. Desde então, houvesse crise na nação ou desenvolvimento económico, os portugueses jamais deixaram de procurar outras partes, por necessidade ou por curiosidade.
É por isso que escrevo estas linhas com a tristeza de quem vê desaparecer um jornal pioneiro num domínio muito difícil de tratar, naqueles tempos como hoje, mas que acompanhou como ninguém a história da emigração portuguesa. Merecem por isso, uma homenagem sentida os seus fundadores, Valentim Morais e o Padre Vítor Melícias, o que por si só é garante de uma abordagem humanista ao fenómeno da emigração, de alguém que tenta compreender as suas circunstâncias e procura valorizar as pessoas.
O papel do Mundo Português é insuperável. Merecem uma referência todos os jornalistas que dele fizeram parte, de que recordo aqui apenas alguns com quem mais me relacionei, como o António Freitas, a Ana Grácio e o José Duarte, que sempre encararam o seu trabalho com um verdadeiro espírito de missão. Como, claro, merece uma recordação mais enfática aquele que foi o continuador vibrante do jornal, o dr. Carlos Morais, tão precocemente arrancado à vida.
Nas suas páginas, desde sempre, vi o desejo de valorizar a emigração, de chamar a atenção dos poderes públicos e dos governos para este fenómeno, melhor dizendo, para estas pessoas, que não podiam ser abandonadas, que mereciam reconhecimento e consideração. E nesta preocupação, sempre notei uma atenção muito particular para a importância da língua e da cultura portuguesa, que sempre constituiu o mais forte dos elos de ligação entre as nossas comunidades e Portugal.
O período da ditadura já havia tratado suficientemente mal estes portugueses, sempre os rejeitara, os carimbara e os reprimira. Mas os seus mentores tiveram a coragem de surgir com um jornal a remar contra a corrente ainda antes do 25 de abril, quatro anos antes da revolução. Que audácia e que fenómeno ter conseguido aguentar-se ao longo de todos estes anos, de 51 anos, mais tempo do que a ditadura durou.
Em boa parte, é por causa desta maldita pandemia que o Mundo Português se vai embora. Mas tudo o que nas suas páginas foi escrito são parte integrante da nossa história coletiva. Mesmo que o jornal deixe de existir, os seus conteúdos continuarão nos arquivos e no mundo digital e, acima de tudo, devem ser preservados. Sublinho: as suas histórias têm de permanecer para que se faça melhor a história da nossa emigração.
O jornal é uma história de sucesso feito de muitas histórias. Histórias de luta, de coragem, de determinação, de ousadia, de sucesso, de esperança. Vidas sem fim que, quer queiramos ou não, quer saibamos ou não, fizeram a massa daquilo de que somos feitos. Um povo que partiu, que parte em perpétuos movimentos de vai e vem, um povo que levou a nossa alma e trouxe muitas almas para juntar à nossa, que saiu só com a coragem e determinação de procurar uma vida melhor ou pela mera curiosidade e trouxe um saber de experiências feito, de uma vida superada.
Nunca serão suficientes as palavras para exprimir a importância que o jornal teve para a nossa história coletiva, para tantos milhares de portugueses e gerações que um dia tiveram de deixar o país.
Este é um daqueles jornais que nunca devia deixar de existir.
Paulo Pisco
Deputado do PS