A Vista Alegre foi uma empresa familiar até à sétima geração. Em 2009, vendida à Visabeira, soube manter viva a imagem e influência do criador.
Fundada em 1824 por José Ferreira Pinto Basto, a Vista Alegre é a mais antiga fábrica de porcelanas da Península Ibérica. A sua escola de pintura é mundialmente conhecida e orgulha-se no esforço desenvolvido em trazer ao lugar da Vista Alegre grandes artistas como, por exemplo, Victor Rousseau, em 1835, ou, mais recentemente, Christian Lacroix, em 2013.
O seu fundador desde cedo demonstrou uma forte preocupação social para com os seus colaboradores, desenvolvendo desde o início uma série de ações de carácter social, sem fins lucrativos, criadas com o objetivo de servir a comunidade de colaboradores. A criação de um bairro, com escola, centro médico, teatro, barbearia, banda recreativa e outros espaços, são exemplos atípicos do que era a atividade empresarial no século XIX e tornou-o uma figura admirada: “Olhamos para o fundador com admiração e gratidão (…). Ele é nosso avô, nosso avô.” Esta frase foi dita por um colaborador da Vista Alegre (que não pertence à família fundadora) e é particularmente interessante uma vez que foi proferida em 2019. E o que é que a torna tão interessante? A Vista Alegre foi uma empresa familiar até à sétima geração, mas em 2009 foi adquirida pelo Grupo Visabeira e sujeita a uma grande reforma, 185 anos após a sua fundação. Logo, esta frase, que reflete um pensamento coletivo junto dos atuais trabalhadores da empresa, proferida dez anos após a venda da VA à Visabeira e quase dois séculos após a morte do fundador em 1839, é algo de muito particular.
Quando olhamos para empresas familiares, caímos na tentação de julgar a família como a causa e o efeito deste tipo de fenómeno. Isto é, a família representa os valores do fundador e a sua presença perpetua-os ao longo do tempo. Todavia, o caso da Vista Alegre e outros semelhantes, mostram que manter viva a sombra do fundador não é apenas um “assunto de família” no sentido em que não é só a família que quer perpetuar a presença e influência do fundador na organização. Senão vejamos: nos 15 anos em que José Pinto Basto liderou a Vista Alegre, esteve sempre ao lado dos funcionários quando estes precisavam. A ajuda poderia ser na forma de aconselhamento, apoio financeiro ou outras formas, mas não faltava. 100 anos após a sua morte, a empresa atravessava um período muito complicado financeiramente e recorreu à ajuda dos seus colaboradores e estes prontamente ajudaram. A mesma fonte revela-nos que “O fundador estava aqui quando os trabalhadores precisavam, mas houve um momento em que o fundador precisou de nós e nós estivemos lá para ele”.
O vínculo emocional criado entre fundador e funcionários persiste ao longo de décadas e gerações e é mantido vivo e poderoso mesmo que os atuais funcionários não tenham tido oportunidade de o conhecer pessoalmente ou beneficiar das ações por ele desenvolvidas.
O que levanta questões interessantes, nomeadamente, como irá a Visabeira, liderar uma empresa à sombra do seu fundador? “…where there is shadow there must be light” (Haruki Murakami).
Assumir que a sombra do fundador é um elemento-chave na identidade organizacional, e sabendo que a identidade de uma empresa familiar é uma ferramenta poderosa e distinta, a organização pode usá-la como um recurso raro e inimitável, contribuindo para uma vantagem competitiva face aos concorrentes. Mas caberá à Visabeira preservar o legado do fundador para reforçar a identidade organizacional ou deverá impor a sua própria identidade e sair da sombra do fundador?
Quando temos a oportunidade de visitar o lugar da Vista Alegre, quando falamos com as pessoas que lá trabalham e ainda moram, ficamos com a sensação de que o fundador acabou de sair da sala.
Preservar esse legado é manter a autenticidade e é o resultado de uma forte vontade interna, apoiada por toda a comunidade de trabalhadores. Preservar esse legado pode ser traduzido por manter vivos os valores do fundador, como a preocupação com o bem-estar dos funcionários. Portanto, a manutenção de certos rituais organizacionais contribui para a redução da incerteza, promovendo a continuidade entre as gerações. Trata-se de manter as coisas o mais estáveis possível: a maneira como as coisas são feitas e a maneira como as pessoas são tratadas.