Rui Daniel da Silva é professor de piano e já viajou muito por este mundo fora. Foi em setembro de 2017 que partiu de Leiria e iniciou a sua mais recente aventura: à boleia, percorrer uma rota de cerca de 40 mil quilómetros, que cruza todo o continente africano e que tem como destino o Bangladesh. Há três anos visitou pela primeira vez este país e, apesar da pobreza, “apaixonou-se” pela pureza das pessoas. Este amor à primeira vista levou o aventureiro a planear esta longa odisseia, com o objetivo de angariar fundos para ajudar as crianças da Fundação Maria Cristina no Bangladesh. Nestas crónicas destaca algumas das histórias mais insólitas desta viagem solidária.
Conheci o condutor ‘Ayrton Senna’ (fui eu mesmo que o batizei com este nome) em Lagos, na Nigéria. Após uma noite mal dormida na estação de autocarros de Lagos por me avisarem para ter cuidado com os roubos, sigo viagem de manhã cedo para Calabar.
Entro na carrinha e faço logo figura de cromo por colocar o cinto. O condutor fica pasmado a olhar para mim e quase que lhe peço desculpa por esta atitude incongruente e ilógica. Mas pronto, eu sou assim. Um tipo muito estranho que continua a colocar o cinto durante as viagens.
Ao longo do caminho pratica-se um desporto pelos vistos muito apreciado por estas bandas, chamado de porrada. A cada beco e a cada instante vêem-se tipos que se deliciam com carícias a alta velocidade. Sem dúvida que a porrada continua a ser um desporto barato onde não é preciso equipamentos especiais. Basta estar presente e ter outro fulano com quem partilhar um bom par de estalos.
O condutor parecia que tinha ‘fogo no rabo’. Ultrapassava pela direita, pela esquerda, subia passeios e sempre a alta velocidade. Por vezes fazia-me lembrar o CR7 a fintar os carros e a dar toques. E este acabou mesmo por dar um toque no espelho de outro. Parou a carrinha e quase andou à porrada com o outro condutor. Como podem perceber, a porrada é um desporto muito completo. Pratica-se em qualquer lugar e a qualquer hora. Não há regras.
Ao longo do caminho, os exagerados postos de controle eram cansativos. Numa das vezes o condutor não abrandou e imediatamente um militar colocou-se no meio da estrada com uma arma apontada para a carrinha. Eu, que ia ao lado do condutor, perdi a petulância de esboçar um sorriso. O condutor teve mesmo de abrandar. Revisões atrás de revisões lá cheguei a meio da noite a Calabar.