A indústria do turismo de Macau é inseparável da indústria de iguarias, com muitos turistas regularmente a sair da cidade com várias especialidades locais nas malas de regresso.
À medida que a indústria recupera, este mercado também volta a crescer. Em 2020, quando o setor de retalho registou um desempenho fraco, as vendas destes produtos caíram 76,7 por cento face a 2019, para 320 milhões de patacas, subindo para 570 milhões de patacas em 2021, segundo a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico.
Em Macau, esta indústria concentra-se principalmente no redor da Ruínas de São Paulo, do Porto Interior e da Rua do Cunha, na Taipa, sendo a Rua de São Paulo a que mais chama a atenção. Esta “rua dos souvenirs”, como é conhecida, liga as Ruínas de São Paulo ao Largo do Senado, e sempre foi um destino popular entre os turistas.
Desde a década de 1980 que a área abriga várias empresas especializadas em diferentes petiscos locais, incluindo carne de porco seca, bolos de amêndoa e doces de gengibre, que se tornaram lembranças populares para os visitantes de Hong Kong.
Não é apenas um destino de visita obrigatória para os turistas, mas também uma referência para a indústria do turismo local e para a economia de Macau. Muitas das lojas de carne seca têm fornecedores regulares e algumas das grandes redes de lojas de biscoitos de amêndoa têm as suas próprias fábricas, mas ainda é possível encontrar aqueles que insistem na confeção dos biscoitos à mão.
Flora, que trabalha na Rua de S. Paulo há mais de 20 anos, viu o bairro florescer e cair. A rua em si tem apenas 200 metros de comprimento, mas está totalmente lotada de ‘influenciadores online’, turistas com malas e carrinhos de bebé. “Quando a economia está em alta, pode demorar 15 minutos para atravessar a rua. Quando está cheia, uma pessoa pode ser empurrada sem parar”, descreve Flora.
Contudo, a vendedora enfatiza que 2022 foi o pior dos últimos 20 anos na História da rua, principalmente porque a pandemia se arrastou durante tanto tempo que muitos comerciantes da zona não sobreviveram. “Foi pior que as crises financeiras ou durante a pneumonia atípica em Hong Kong”.
A eclosão da pandemia, no final de 2019, atingiu fortemente a indústria de souvenirs, cujo principal público-alvo são os turistas. Flora explica que as lojas inicialmente começaram por oferecer descontos de 12 a 20 por cento, ou até promoções ‘compre um, leve outro grátis’ para atrair clientes. Contudo, essa estratégia não resultou.
Muitos patrões e empregados tiveram que suspender atividade indefinidamente e esperar que a situação melhorasse. Várias lojas simplesmente fecharam, transformando uma rua outrora extremamente movimentada numa rua estranhamente silenciosa.
Segundo a vendedora, lojas normalmente arrendadas a 400 mil patacas por mês não conseguiam arranjar inquilino nem por um valor mensal de 70 mil patacas. “Durante estes três anos de pandemia, muitos dos vendedores não conseguiram ultrapassar as dificuldades e optaram por fechar portas e sair”.
Os que optaram por ficar enfrentaram não só uma rua vazia, mas a pressão de pagar salários e rendas. Cheng, o proprietário de uma loja de iguarias locais na Rua de São Paulo, descreve os momentos difíceis que passou durante a pandemia.
O proprietário, que só aceitou falar sob um pseudónimo, está há dois anos a pagar um empréstimo sem juros de mais de 3 milhões de patacas ao Governo de Macau. Embora o empréstimo não tenha juros, o proprietário continuou a ter que acartar com o valor da renda e salários, e deve ainda mais de um milhão de patacas. “Eu estava indeciso se devia fechar ou não. Embora o senhorio tenha reduzido a renda para um valor entre 10 a 20 por cento do original, perdi dinheiro durante três anos. Nem todos os proprietários são tão generosos”, salienta.
De acordo com o comerciante, a redução da renda pode ser negociável, mas menciona o caso de outro lojista, responsável por uma loja pertencente a um grupo comercial que se recusou a reduzir um centavo que fosse da renda. “O proprietário do grupo disse ‘você tem subsídios do Governo, porque é que a sua renda haveria de ser reduzida?”.
Por outro lado, e apesar da contração do mercado, lojas como a Alua e Comidas Portuguesa Kam In, especializadas em bolos macaenses, viram na crise uma oportunidade e aproveitaram este período de rendas baixas para se mudarem para a Rua de São Paulo em junho de 2022. O proprietário da Alua admite que foi um sonho mudar-se para aquela que é a rua mais movimentada de Macau.
Desde 8 de janeiro que as pessoas que entram em Macau provenientes do interior da China, Hong Kong ou Taiwan não são obrigadas a apresentar resultado de teste à Covid-19.
O relaxar das restrições e uma série de promoções e incentivos lançados pelas autoridades de turismo permitiu que em apenas uma semana o número de visitantes na zona histórica da cidade disparasse.
A 13 de janeiro registavam-se já cerca de 46.702 entradas de visitantes, um aumento de 198,5 por cento em relação à média diária de 2022 e o maior número de visitantes num único dia desde o início da pandemia.
A Semana Dourada do Ano Novo Chinês deste ano, entre 21 a 27 de janeiro, foi o primeiro período festivo em Macau sem restrições de movimento com Hong Kong e o Continente desde 2020.
Segundo a Polícia de Segurança Pública, registaram-se um total de 451 mil entradas de visitantes durante estes sete dias, um aumento de 296,9 por cento em relação ao Ano Novo Chinês do ano passado. Esse número totaliza 37,5 por cento do número de visitas a Macau no mesmo período antes da pandemia, em 2019.
A Sra. Cheung, responsável pelo restaurante Fung Shing, descreve o dia 8 de janeiro como o ponto de viragem. Na sua opinião, só nesse dia o movimento na Rua de S. Paulo recuperou para cerca de 70 a 80 por cento do movimento registado antes da pandemia, sendo “uma agradável surpresa e uma visão há muito esperada”.
“O negócio é ainda melhor do que antes da pandemia, tanto em fluxo de pessoas como em termos de vendas. O ano anterior não foi tão movimentado […] mas tínhamos stock disponível. Este ano os nossos stocks são mais limitados”, aponta a comerciante.
Com mais turistas a chegar, não é só o stock disponível que começa a escassear, mas também os recurso humanos.
A Sra. Cheung indica que os apoios oferecidos durante a epidemia para as pequenas e média empresas foram insuficientes e que o grande problema agora é a falta de mão de obra. “Estamos a enfrentar um problema de falta de mão de obra. Mas a nossa quota de mão de obra não pode ser renovada depois de ter expirado, o que nos deixa com uma grave escassez de empregados”, lamenta.
Para Cheng, o outro comerciante da Rua de São Paulo, o problema não se limita à aplicação para uma nova quota. “Algumas das minhas quotas anteriores foram devolvidas pelo Direção dos Serviços para os Assuntos Laborais e tive que as solicitar novamente através de outra empresa. Não há gente suficiente para o serviço, mas é bom ver que os clientes não se importam de esperar. Houve um visitante de Hong Kong que chegou a esperar uma hora!”.
No entanto, a comerciante acredita que o atual fluxo de visitantes vai ser sol de pouca dura, já que o Japão e a Coreia do Sul ainda não relaxaram totalmente as suas restrições às pessoas vindas do Continente e de Hong Kong. Sem essas alternativas, os visitantes do interior optam por Macau, com Flora a prever que os mesmos diminuam em número e que dificilmente a rua de souvenirs volte aos seus “tempos dourados”.