Salários acima de 2500 euros limpos prosperam e batem recorde. Subida de 27% no número de políticos, chefes e gestores.
A destruição de emprego não poupou os trabalhadores menos qualificados e com salários mais baixos, mas os empregados por conta de outrem com ordenados mais elevados (2500 euros limpos ou superior) prosperaram durante a pandemia, com base em dados divulgados esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), no novo inquérito ao emprego relativo ao segundo trimestre do ano.
No segundo trimestre, havia mais de 40 mil pessoas a ganhar 2500 a 3000 euros por mês e mais de 50 mil com salários líquidos superiores a 3000 euros. Portanto, cerca de 91 mil pessoas nos estratos salariais mais elevados, um recorde nas séries do INE. É cerca de 2% do emprego total por conta de outrem na economia portuguesa. Só para se ter um termo de referência, um salário líquido de 2500 euros por mês é bem mais do dobro do salário médio da economia apurado agora pelo INE, que ronda os 1010 euros limpos mensais. Um salário de 3000 euros é o triplo da média nacional.
O salário líquido apurado pelo instituto é rendimento auferido pelo trabalhador por conta de outrem “depois da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de Segurança Social e das contribuições dos empregadores para a Segurança Social”. É o dinheiro que leva para casa no final de cada mês.
O reforço do emprego nos escalões salariais mais elevados pode estar associado a vários fatores. O INE refere, por exemplo, que a população empregada com ensino superior teve “um acréscimo de 15,7% e abrangeu 223,4 mil pessoas”.
A força do emprego tem reflexo no tipo de profissões mais proeminentes, claro. Portugal ganhou mais 75 mil empregos políticos e gestores de topo (“representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores e gestores executivos”), onde naturalmente prevalecem os salários mais elevados.
Entre o segundo trimestre de 2020 e igual período deste ano, a subida foi de 27%, totalizando agora 349 mil pessoas. Este salto foi o maior das dez classes profissionais analisadas pelo INE.
A economia como um todo criou 209 mil empregos neste ano em análise e, diz o instituto, o maior contributo veio de outra categoria profissional associada com ordenados mais altos.
Na classe “especialistas das atividades intelectuais e científicas”, onde estão médicos, cientistas, investigadores e muito do pessoal que esteve na linha da frente na luta contra a pandemia, o emprego aumentou 11%, somando assim 113 mil novos empregos à economia. Este grupo responde por mais de metade do emprego criado a nível nacional. Ao todo, são agora mais 1,135 milhões de profissionais, estima o INE.
De acordo com este novo inquérito ao emprego, que dá para fazer um balanço mais completo da pandemia que já dura há quase ano e meio, o número de empregados por conta de outrem registou uma subida importante de 3,9% no segundo trimestre, compensando a forte quebra registada há um ano, no primeiro e duro confinamento da economia, quando começou a pandemia.
Nessa altura, o emprego afundou 3,6% (e caiu mais 2,9% no terceiro trimestre e reincidiu com um novo recuo de 0,9% na reta final de 2020 e no primeiro trimestre deste ano desceu mais 2,1%).
No entanto, o INE mostra que a estrutura de salários (medida em número de empregos em cada escalão) na economia está a ficar mais desigual. A pandemia foi favorável à criação de empregos bem pagos, mas nada amiga dos trabalhadores mais pobres.
As profissões mais propensas a manter a atividade em teletrabalho prosperaram em termos de emprego, ao contrário de muitas outras (de menores remunerações) cujo emprego pode ter sido ajudado numa primeira fase pelos apoios do governo, mas acabaram por desaparecer porque a procura continua muito abaixo do normal, inviabilizando a continuação de muitos negócios.
Isso também fica evidente na evolução do emprego por ramos de atividade e profissões. Os negócios mais ligados ao turismo e aos trabalhos que exigem proximidade física e circulação das pessoas continuam a perder emprego; as profissões associadas a menores qualificações (e ordenados mais baixos), idem.
A maior razia foi no escalão salarial de quem ganha menos de 310 euros por mês, onde a perda de empregos foi de 15%. Há agora 56 mil pessoas na casta salarial mais baixa de todas.
Este grupo também perdeu pessoas porque o INE renovou este inquérito tendo “deixado de considerar como empregadas as pessoas ocupadas em atividades de agricultura e pesca para autoconsumo”, onde é comum haver ganhos muito baixos.
O escalão acima de 310 euros, mas abaixo dos 600 euros líquidos (portanto, onde estão refletidos os salários mínimos, hoje nos 665 euros brutos) estagnou em termos de emprego já depois de ter sido quase dizimado no primeiro embate da pandemia.
No segundo trimestre do ano passado, este grupo de empregados emagreceu quase 40%. Hoje, são 187 mil trabalhadores que ganham perto ou abaixo do mínimo, segundo o INE.
Na fronteira do salário mínimo, mas de 600 a 900 euros líquidos, a situação também não é favorável. Cálculos do DV a partir dos números apurados autoridade estatística indicam que este grupo perdeu agora mais 8,5% dos empregos, isto depois de ter quebrado mais de 6% um ano antes, no segundo trimestre de 2020.
Olhando uma vez mais para as profissões e para o tipo de atividades, percebe-se que a redução de empregos continua muito concentrada nos mesmos do costume.
No ano que terminou agora em junho, o INE dá conta de um apagão superior a 67 mil empregos na profissão “trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores”.
Comparando com meados de 2019, um ano antes da pandemia aparecer, a destruição ascende a 109 mil postos de trabalho a menos. Este grupo está intimamente ligado às atividades turísticas. E também desapareceram mais de 50 mil “trabalhadores não qualificados” desde junho de 2020. O valor sobe para o dobro se comparado com junho de 2019.
Por atividade, o segmento “alojamento e restauração” continua a perder. Tem menos 32 mil empregos do que há um ano e menos 73 mil face ao segundo trimestre de 2019.
Nas atividades artísticas, de espetáculos, desportivas e recreativas, a pandemia apagou mais de 11 mil postos de trabalho desde o segundo trimestre de 2020. E nas funções administrativas a perda ascende a 16 mil empregos.
Em contrapartida, as consultorias técnicas, financeiras, de gestão e científicas engordaram em mais 37 mil empregos. Há mais 39 mil postos de trabalho na área das atividades de informação e comunicação.
A área “administração pública e defesa; segurança social obrigatória” crescer mais de 49 mil empregos até ao final do segundo trimestre de 2021 (face há um ano). E, sem surpresa, as “atividades de saúde humana e apoio social”, somaram mais 39 mil empregos à economia portuguesa.
Uma vez mais, nestes três grupos acima referidos, os salários elevados ou muito elevados (face à média) são mais frequentes.