“Mais do que falar em emigração, devemos hoje falar de presença portuguesa no mundo”
Em entrevista exclusiva à Revista Comunidades, Paulo Pisco, o deputado do PS eleito pelo círculo da Europa, revela-nos o seu percurso político e define aquilo que é fundamental para uma relação de proximidade com as comunidades: estar presente, dar a conhecer, valorizar e defender os seus interesses, com “espírito de missão”.
Foi no período em que viveu em Bruxelas que Paulo Pisco começou a trilhar o caminho da política. Foi presidente da fundação do PS no Benelux, e foi nessa qualidade que foi eleito, pela primeira vez, para a Assembleia da República, estávamos em 1999.
No período em que esteve em Bruxelas, e enquanto presidente da Federação do Partido Socialista no Benelux, teve um contacto “muito mais intenso com as comunidades portuguesas”, na Bélgica, na Holanda, e no Luxemburgo.
Calcorreava todos esses países para se encontrar com a nossa comunidade, em termos políticos, mas foi também a partir daí que começou a conhecer melhor os portugueses aí residentes, a desenvolver a sua relação com estes e foi quando mergulhou “completamente” nesta causa que sempre encarou com espírito de missão: a das comunidades portuguesas.
Revista Comunidades: Paulo Pisco, um deputado “oriundo” das comunidades. Como foi construído este caminho que o levou a esta “causa” que encara com este espírito de missão?
Paulo Pisco: Os primeiros passos nesse sentido deram-se nos tempos de faculdade. A minha paixão pelo jornalismo, levou-me, na altura em que era estudante, a colaborar simultaneamente com algumas publicações, na área da política e dos assuntos europeus. E foi essa paixão que me levou a Bruxelas, ao Parlamento Europeu, onde estive vários anos. Aí ganhei uma perspetiva diferente quer do jornalismo, quer da Europa, quer das comunidades portuguesas. Nesse período passei a assumir funções políticas, como a presidência da fundação do PS no Benelux e, nessa qualidade, tive a perceção da importância de dar a conhecer, valorizar e defender os interesses das nossas comunidades que, apesar de bastante ativas, de se sentirem presentes, têm um enorme sentimento de abandono, de esquecimento, que se notou mais durante esse período em que estive em Bruxelas.
Depois, enquanto deputado, percebi a dimensão daquilo que era necessário fazer para esse reconhecimento das nossas comunidades. Há uma dimensão afetiva muito importante na relação que mantemos, é preciso estar presente, estar com elas, ouvir os portugueses que vivem fora do país, saber como se sentem em relação àquilo de que precisam, às expetativas que têm em relação ao país, como gostariam que o país os tratasse, quais são as necessidades e tipos de interesse que têm em relação ao país. Tudo isso se tornou verdadeiramente presente na minha ação, no meu espírito, e na minha vontade de me empenhar na defesa das nossas comunidades.
Fiz esse curto mandato enquanto deputado, no tempo em que era primeiro-ministro António Guterres, entre 1999 e 2002 e depois estive 7 anos fora do Parlamento. Eu sou realmente oriundo das comunidades, porque vivi esse período na Bélgica, onde fui eleito pela primeira vez. Fiz parte do Departamento Internacional e de Comunidades do PS e tinha essa responsabilidade, no tempo do engenheiro José Lelo, que era o secretário internacional do PS e alguém que de facto se interessou enormemente pelas nossas comunidades e que as procurou valorizar, tanto enquanto governante, como depois em termos partidários. Devo-lhe muito, em termos políticos e é algo que nunca reconhecerei suficientemente, toda a importância que teve para mim.
Regressei, portanto, em 2009 e é desde então que sou deputado, o que mepermitiu- fazer todo este percurso de entrega, dedicação. Não há nenhum fim de semana em que não esteja junto das nossas comunidades, mesmo até durante o Verão, em que deveria estar de férias (risos).
RC: É isto que deve caraterizar um político que se propõe defender efetivamente os interesses das nossas comunidades?
PP: Ou encaramos isto com espírito de missão ou então não estaremos a fazer devidamente o nosso trabalho. E eu encaro isto com espírito de missão e sei da importância que tem a representação junto das nossas comunidades. O estar presente, muitas vezes, num evento, ou estar presente numa festa de aniversário ou em qualquer iniciativa que as nossas comunidades desenvolvam. É fundamental estar com elas, em lugares onde nunca ninguém foi e, enquanto deputado, já estive em vários lugares na Europa onde nunca nenhum deputado foi…
RC: Como por exemplo?
PP: Como exemplo, em Palma de Maiorca, onde existe uma comunidade importante e onde nunca nenhum deputado foi, ou na Noruega (estive em setembro de 2019), onde há também uma comunidade muito expressiva, onde existem lusofonias bastante bem organizadas, muito devido ao espírito de missão, também, de Castro Sistat, filho de pai norueguês e mãe alentejana e que desenvolveu todo esse trabalho em prol da organização das lusofonias em Bergen, em Oslo, em Stavanger. Aqui, a nossa comunidade existiu porque alguém se deu ao trabalho de as organizar. Portanto, nunca lá tinha ido nenhum deputado. E eu acho que isto é fundamental para que as pessoas se sintam acompanhadas, que sintam que há alguém que olha por elas e as valorizam.
RC: Só assim os podemos defender, estando no terreno…
PP: Exatamente, porque depois embora haja um conjunto de questões que são comuns a todas as nossas comunidades há também aquelas específicas de cada um dos países, em função da própria forma de integração, do próprio enquadramento legal e administrativo, que são questões que diferenciam as comunidades umas das outras. Por isso sim, acho que é fundamental este perfil, esta dedicação. É isso que as nossas comunidades querem independentemente, obviamente, de todo o trabalho que depois é feito aqui (em Portugal) de defesa, através de iniciativas legislativas que também é necessário trabalhar.
RC: Como encara o resultado que o PS teve na repetição das eleições na europa, o que significa para os emigrantes este reforço do partido, com 120 deputados eleitos?
PP: Este foi, para mim, um resultado histórico. A última vez, na história do Partido Socialista e da nossa democracia, que tivemos dois deputados no círculo da Europa, foi há 23 anos, em 1999, precisamente com o José Lelo, que na altura era Secretário de Estado das Comunidades e a quem devo muito o facto de ter sido eleito na altura. E, em 2022, repetiu-se esse feito. É histórico porque das duas vezes em que houve a eleição de dois deputados pelo círculo da Europa pelo Partido Socialista eu fui um dos eleitos. Para mim isto tem um grande significado e deve-se, na minha opinião, essencialmente a dois fatores: em primeiro lugar, ao facto de as pessoas me conhecerem, de eu ter sempre uma relação de proximidade muito grande com as nossas comunidades, de procurar sempre atender às suas expetativas, às suas necessidades, muitas vezes de muitas coisas que até nem são visíveis porque não fazem parte da agenda que é pública; por outro lado, deve-se ao facto de estarmos perante uma situação particular, que tem a vercom a anulação das eleições no círculo da Europa, o que também aconteceu, infelizmente, pela primeira vez na história da nossa democracia.
Era fundamental que explicássemos a todos os portugueses eleitores na Europa que o Partido Socialista respeita o voto de todos, independentemente de terem ou não a cópia do cartão do cidadão quando votam, e que a sua vontade de participar é evidente e, portanto, era fundamental que essa vontade fosse respeitada. O PS não teve absolutamente nenhuma responsabilidade na anulação das eleições. Não fomos nós quem apresentou o protesto, quem apresentou queixa-crime contra os membros das mesas, foi o PSD. Foi absolutamente fundamental explicar na medida em que o PSD quis descartar as responsabilidades de ter anulado 157 mil votos numa primeira fase, portanto 80% dos votos, no contexto em que houve uma enorme participação, a maior participação de sempre, dos portugueses no círculo da Europa e de fora da Europa também.
Ter isto acontecido foi verdadeiramente dramático para as nossas comunidades e, para mim, era indispensável explicar que a única responsabilidade era do PSD, e os portugueses compreenderam isso e acabaram por nos dar esta vitória que foi esmagadora, e que associo sempre à vitória que conseguimos há 23 anos. Indissociavelmente ligo ao engenheiro José Lelo, que na altura, pela sua ação de proximidade também com as comunidades foi um dos principais responsáveis por essa vitória também.
RC: Essa anulação dos votos nas legislativas de janeiro, levanta inevitavelmente uma questão que tem sido amplamente debatida: a alteração da lei eleitoral. Inclusivamente, em maio, o presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, referiu que havia todas as condições para que essa mudança pudesse acontecer ainda nesta legislatura, mas que para isso tem de haver um entendimento entre PS e PSD… qual a posição do PS relativamente a esta necessidade?
PP: É uma evidência que tem de haver uma alteração da lei eleitoral para facilitar o voto dos portugueses residentes no estrangeiro, e também para aumentar a participação. Sempre foi essa a nossa posição, e a nossa vontade. Mas é preciso compreender que há um antes e um depois de 2018, ano em que foi implementado o recenseamento automático, e com ele o número de eleitores subiu de cerca de 320 mil para perto de 1,5 milhões. Falo num contexto em que, antes de 2018, nas últimas eleições para a AR, houve cerca de 30 mil votantes, um pouco mais pela Europa do que fora da europa, o que não tem nada a ver com o que aconteceu depois em 2019, em que o número de votantes foi já perto de 160 mil nos dois círculos eleitorais. E ainda tem menos a ver com aquilo que aconteceu em 2022, em que o número de votantes (estou a referir-me à primeira volta), no total dos dois círculos, foi de perto de 260 mil. Há aqui de facto uma revolução.
Em 2019 este problema já tinha sido identificado porque, também a pedido do PSD, foram anulados cerca de 27 mil votos o equivalente a 24% dos votos do círculo eleitoral da Europa. Depois, é preciso lembrar que a aprovação do Orçamento foi em janeiro de 2020 e 3 meses depois tivemos a pandemia e, durante mais de um ano, o Parlamento funcionou verdadeiramente em mínimos, era impossível avançar com o que quer que fosse.
Há uma coisa que a mim me parece evidente: não pode continuar a haver fotocópia do cartão do cidadão como elemento de identificação, sobretudo eleitoral. Tem de se arranjar uma alternativa que seja tão segura e tão fiável como a cópia do cartão do cidadão. Mesmo depois de todo este problema que houve com a anulação dos votos, verifica-se que entre 30 e 40% dos eleitores não coloca a cópia do cartão do cidadão. Seja porque têm uma ideia relativa às legislações nacionais que os proíbe de fazer fotocópias dos documentos de identificação, mesmo em situações excecionais como a de voto para a AR, seja por não quererem enviar dados pessoais com medo que estes sejam utilizados de forma indevida, ou podem pura e simplesmente não ter condições para fazer uma fotocópia.
RC: E qual seria então a solução?
PP: Tem de se arranjar uma solução. Acho que nesta altura não se deve antecipar nada, até porque como referiu, o Presidente da Assembleia da República disse que tem de haver um entendimento entre os partidos e, quando se trata de leis eleitorais é fundamental que haja um consenso, tão amplo quanto possível. Temos de trabalhar numa solução que seja do agrado de todos, e que mantenha o rigor.
RC: Mas quando falamos de uma solução falamos por exemplo de uma, que tem sido bastante debatida, que é a instituição do voto eletrónico…
PP: Eu acho que se fala do voto eletrónico de uma forma um pouco ligeira, de uma maneira geral. Eu sou favorável a que haja um voto eletrónico e a que haja a experiência do voto eletrónico tal como estava previsto no anterior Governo, para a eleição do Conselho das Comunidades. Ou seja, uma experiência piloto para fazer a eleição dos conselheiros das comunidades, escolhendo um país para aplicar o sistema que foi inclusivamente apresentado na Assembleia da República e eventualmente que se avançasse numa primeira fase para a eleição dos conselheiros das comunidades. Seria um teste para se ver se funciona ou não.
RC: Esse teste vai para a frente, vai concretizar-se?
PP: Está inscrito no nosso programa eleitoral e eu vou continuar a defender que assim seja. Não há nada que me leve a crer que não será feito. Continuarei a defender que isso é uma solução boa para a eleição, para já, dos conselheiros das comunidades e eventualmente para os deputados dos círculos da emigração. Mas isso seria numa fase posterior, é necessário passar todos os testes, é necessário que haja condições de segurança absolutamente blindadas de forma a evitar aquilo que sempre se teme neste tipo de circunstâncias que é a possibilidade de uma intromissão que possa levar a uma alteração dos resultados. Este é um dos problemas que pode existir. Obviamente que o voto eletrónico não será a panaceia para todos os males, nem para a resolução global do problema da participação política.
RC: Houve um outro fenómeno nas legislativas de 2022, relacionado com o posicionamento expressivo de partidos que não tinham grande tradição nos círculos da emigração, nomeadamente o Chega, que teve um bom desempenho também no estrangeiro. Como explica este crescendo destes partidos? A ideia de alternativas políticas?
PP: O facto de o Chega ter chegado também em terceiro lugar no círculo da Europa é o espelho daquilo que aconteceu também no nosso país: um voto de protesto. É relativamente fácil em relação a alguns países canalizar uma certa insatisfação ou um certo sentimento de abandono, entre outras coisas, porque há uma sub-representação das nossas comunidades na Assembleia da República, porque os portugueses são muitos e estão muito dispersos e, portanto, é difícil chegar a todos. E por esse motivo, provavelmente não conseguimos avaliar devidamente todas as suas necessidades, porque se eles estão longe, não os vimos, não sabemos do que precisam e por isso pode potenciar esta insatisfação. E talvez por aí, as pessoas canalizem o seu voto para um partido que é essencialmente um protesto. Apesar de ser legítimo as pessoas sentirem a necessidade de gritar, de fazer esse protesto, não pode haver dúvidas de que o Chega é um partido que tem posições muito bizarras relativamente à emigração e às comunidades portuguesas. Percebemos bem da natureza do Chega quando na última discussão do Orçamento do Estado, na área das comunidades e dos Negócios Estrangeiros manifestaram a sua aversão aos emigrantes. Um partido que manifesta a sua aversão aos emigrantes não pode vir aqui dizer que é o partido que vai resolver o problema dos emigrantes, porque na sua natureza intrínseca isso não é uma sua preocupação. O Chega nem sequer tem um programa para as comunidades. Tem duas coisas essencialmente: o fim dos consulados, para criarem “Lojas do Cidadão”, como se fosse colocar uma Loja do Cidadão em cada cidade que tem mais de 30 mil portugueses; e depois a criação do ministério das comunidades. Tem outra coisa curiosa no programa, a criação de núcleos e secções do partido Chega e querem depois que os portugueses vão tratar das coisas aos núcleos do partido, mas isso é bizarro.
Há esta insatisfação que tem de ser objeto de uma análise por parte das forças políticas cá, de forma que se saiba as suas razões e que se tente ir ao encontro da resolução deste tipo de problemas.
RC: Enquanto presidente da subcomissão da diáspora da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, referiu que Portugal é um exemplo para os demais membros do Conselho, no tratamento e na relação que mantém com a sua diáspora. No entanto continua a existir esta vontade de “gritar” na emigração. Temos uma estrutura governativa que valoriza a diáspora, mas há ainda muita coisa por fazer, nomeadamente ao nível consular, apoios ao associativismo na diáspora.
PP: É verdade. Mas, com a elaboração do relatório, que foi aprovado emjunho de 2021, pude saber aquilo que os outros países do Conselho da Europa, que são 47, fazem na área das suas comunidades, das suas diásporas. Não há país que não tenha diásporas, mesmo os mais ricos, pensa-se que a emigração e as diásporas são uma coisa dos países pobres, mas não. A Alemanha, a Suíça, a Holanda, também têm as suas diásporas noutros países, se calhar mais ricos. Por exemplo, há uma grande emigração alemã na Suíça. E isso permitiu-me perceber que Portugal é verdadeiramente um país exemplar na sua relação com as diásporas e se existem todas essas queixas é por uma razão simples: porque têm voz e porque nós temos uma relação longa no tempo, refiro-me ao período da democracia, com quase meio século, em que os portugueses residentes no estrangeiro têm a sua representação no Parlamento e isso amplifica-lhes a voz. E nenhum dos outros países tem isto, quer dizer, há alguns países que têm a sua representação, como a França, que passou a ter desde 2012, a Croácia também tem, mas nos outros países não têm representantes das suas diásporas. Por isso, Portugal nesse aspeto é pioneiro, porque tem esta representação na AR dos interesses dos portugueses residentes no estrangeiro, porque inscreve na sua constituição os direitos que devem assistir aos portugueses da diáspora, porque mantém na estrutura do Governo, desde o início, uma secretaria de Estado que trata das políticas dirigidas às nossas comunidades, porque temos um órgão de consulta que é o Conselho das Comunidades Portuguesas. E isso dá visibilidade e dá voz às comunidades. E depois há a luta política, que é saudável porque desta divergência, deste confronto de ideias surge a necessidade de dar resposta aos problemas que as nossas comunidades têm. Portugal, e eu pude verificar isso, e inclui isso no relatório, tem uma relação privilegiada com as suas diásporas, dá-lhes uma atenção que grande parte dos outros países não dá.
Se me pergunta: está tudo feito? Não. Continua sempre a haver muito por fazer até porque eu acho que se pode fazer sempre muito mais, pode ir-se muito mais longe na definição de estratégias mais abrangentes de envolver as nossas comunidades nos assuntos do seu país.
RC: E o que é necessário fazer para haver essa maior participação dos portugueses a residir no estrangeiro nos assuntos de Portugal?
PP: Há uma coisa que acho fundamental, e que é uma das propostas que faço no meu relatório, que é a criação de instrumentos para que possa ser feito o mapeamento das diásporas. Fazer o mapeamento das diásporas é fundamental para que se desenhem políticas adequadas às suas necessidades.
RC: Como pretende fazer esse mapeamento em conjunto com os 47 estados-membros do Conselho?
PP: O meu relatório “Por uma política europeia para as diásporas” foi aprovado no Conselho da Europa. Será apresentado ao Conselho de Ministros do Conselho da Europa, em representação de todos os países-membros, sendo é uma recomendação, não são obrigados a fazer o que é lá proposto. Eu gostava que pudesse ser algo que fizesse parte das orientações e das prioridades dos governos em cada uma destas áreas de relacionamento com as diásporas. É fundamental saber quantos são os portugueses, onde estão, quem são, o que fazem, quais são as suas expetativas em relação ao país de acolhimento e em relação ao país de origem e se tivermos esta informação de forma mais detalhada podemos desenhar políticas que vão muito mais ao encontro destas nossas comunidades. Nós temos de facto comunidades muito expressivas espalhadas por todo o mundo, mas na realidade conhecemos apenas uma parte, que é aquela que existe sobre a forma do associativismo. Mas há centenas de milhar de portugueses que não fazem parte de nenhuma associação, que têm um papel relevante dentro daquelas sociedades, que estão mais ou menos integrados, que têm um papel de relevância dentro das suas áreas de atividade, a nível cultural, a nível político, científico, desportivo, etc e se conhecermos melhor todas estas pessoas, se lhes dermos também voz como membros ativos da nossa comunidade podemos ir ao encontro dessas expetativas que os portugueses têm. Dar respostas mais eficazes e ligá-los a Portugal, porque apesar de não terem essa visibilidade, grande parte das vezes, eles querem estar mais ligados a Portugal.
RC: É isso que sente, quando visita as comunidades portuguesas, que têm essa necessidade de manter uma ligação com Portugal?
PP: Eu sei que isto é algo que existe, que aquela comunidade “invisível” existe. Já não se pode falar só de emigração, mas de várias gerações de portugueses. A emigração mudou muito, são várias gerações de portugueses. Muitos deles nem sequer são emigrantes, porque nasceram nesses países e têm nacionalidade desses países, mas mantêm as suas raízes lusitanas.
RC: E isso não se vai diluindo nestas novas gerações?
PP: Penso que não. Veja o exemplo de Cyril Pedrosa, que escreveu o livro “Portugal em Banda Desenhada”, e também o de outros dois franco-portugueses, Olivier Afonso e Sandra Canivet da Cost, filhos de portugueses nascidos em França, que se exprimiram através da Banda Desenhada, e que sempre fizeram a sua vida como franceses e a partir de um determinado momento sentiram aquele apelo das origens e fazem as Bandas Desenhadas sobre Portugal. A partir de certa altura há este apelo das origens, neste caso no domínio das artes, e agora querem-se mostrar, querem ser conhecidos em Portugal, querem chamar a atenção. É um impulso que vem do fundo, este de mostrar este relacionamento com o nosso país, com as suas origens e o mesmo se passa nos outros domínios, quer com portugueses já de 2ª ou 3ª geração, quer com outros portugueses que foram há menos tempo e que não se inserem tanto naquela emigração portuguesa mais tradicional, que tem uma grande visibilidade, que tem uma grande importância, e que tem também uma grande influência. São jovens empreendedores em muitos domínios e que estão desejosos também de ter algum tipo de conhecimento, de estabelecer algum tipo de ligação ao nosso país. E penso que devemos aproveitar esse potencial, porque é o que nos está na alma: termos esta presença em todo o mundo. Mais do que falar em emigração, nós hoje devemos falar da presença portuguesa no mundo. É uma presença que está de facto em todos os continentes, é uma presença que foi marcante ao longo de várias gerações, que deixou as suas influências em inúmeros domínios. Eu acho que um país como Portugal, que é universalista, cosmopolita, humanista, tem a obrigação de canalizar muito mais meios para recuperar e para dar visibilidade, importância e força a este património, e é essa a minha visão para as comunidades.
RC: Uma visão que lhe permitiu ser reeleito coordenador dos deputados do PS na Comissão dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e que permite um trabalho de cooperação aprofundado, também, com a CPLP…
PP: Eu dou uma importância muito particular à CPLP, pela nossa relação histórica, mas também pela necessidade de haver uma valorização das diásporas da CPLP. Isto para mim é algo de verdadeiramente fundamental. Embora haja algum reconhecimento da importância que as diásporas da CPLP têm, não há ainda o reconhecimento que deveria haver sobre esta matéria.
RC: Reconhecimento em que sentido?
PP: Reconhecimento no sentido em que a CPLP é uma organização multilateral fundada no poder da língua e da cultura, que tem evoluído, que se tem consolidado e que tem feito um caminho importante. Nós falamos da CPLP relativamente aos 9 países, mas há uma dimensão que são as suas diásporas que deveria ter consagração também até nos seus estatutos porque todos os países desta organização são países de diásporas e, não obstante a CPLP ter como uma das suas orientações potenciarias de universo, através das suas diplomacias onde há várias diásporas em cada um dos países não membros da CPLP, de realizar iniciativas conjuntas, e a realização dessas iniciativas ainda fica muito aquém. Eventualmente ficam-se pelo dia em que se comemora o Dia Mundial da Língua Portuguesa e não se faz muito mais do que isso. A meu ver, sendo aproveitado este potencial das nossas diásporas o poder de expansão da língua e da diversidade de culturas que existe nos países da CPLP, fica altamente multiplicado, ampliado. A partir do momento em que nos concertamos também para colocar as diásporas a cooperar entre si, o que pode ser muito bem feito através da diplomacia, das embaixadas, estamos a potenciar a projeção daquilo que nos interessa que é deste património universalista, cosmopolita e humanista.
RC: E fundamental, depois, para essa ligação cultural, económica, científica com todo o mundo…
PP: Exatamente. Para ganhar influência também. Da mesma maneira que se estivermos organizados, em qualquer país, na Suíça, na Alemanha, em França etc, e fizermos valer a língua e as culturas, conseguiremos uma influência muito maior nesses países, estaremos a projetar-nos a todos e a concretizar aquilo que está no nosso espírito que é o humanismo, universalismo, cosmopolitismo. É também isto que procuro ter como um dos princípios orientadores da minha ação: divulgar a força e o poder das diásporas para que possam ser mais bem aproveitadas.
RC: Em maio último, na audição relativa ao Orçamento de Estado para a área dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, esta posição foi aliás bastante vincada pela bancada do PS.
PP: Sem dúvida. O PS tem sido um dos principais promotores do acordo de mobilidade no âmbito da CPLP, e é um acordo bastante importante porque traz uma cidadania acrescida e que eu gostaria muito que fosse implementada, que é um espaço mais ou menos como aquele que existe na União europeia, de liberdade de circulação, de partilha de recursos e de objetivos, de partilha de direitos, de portabilidade de direitos. Enquanto agentes políticos, devemos pugnar por atribuir mais direitos e não retirar direitos. Dar mais cidadania e não retirar cidadania, para que haja maior vivência, espaços de liberdade, direitos e felicidade de cada pessoa.
Acho que é um passo muito importante, que tem os seus constrangimentos, porque se trata de trazer para o espaço Schengen, que é convencionado, da UE, de liberdade de circulação e cidadãos de outros espaços que não fazem parte da nossa área político-administrativa.
Evidentemente que isto exige algum tipo de cautelas, mas conseguiu-se avançar nesse sentido e o Governo português tem sido sempre um dos principais defensores dessa ideia e é sem dúvida um contributo muito importante até em termos das organizações internacionais porque pode servir de exemplo para outras organizações internacionais de âmbito regional.
Quem é Paulo Pisco?
Antes de entrar na universidade, Paulo Alexandre de Carvalho Pisco exerceu jornalismo, não “de forma definitiva”, mas começou por escrever artigos de opinião para jornais regionais e depois para diários. Licenciou-se em Filosofia, na Universidade Nova de Lisboa e uma pós-graduação em Estudos Europeus na ULB (Université Libre de Bruxelles) e, enquanto estudante, a paixão pelo jornalismo foi aumentando, o que o levou a trabalhar e a estudar simultaneamente. Pisco colaborou, primeiro, numa revista do setor alimentar e, depois, no Correio da Manhã. E foi nessa qualidade de jornalista na área da política e dos assuntos europeus que acabou por ir parar a Bruxelas, ao Parlamento Europeu, onde esteve vários anos.
Do período em que viveu na Bélgica passou a assumir funções políticas: foi o presidente da fundação do PS no Benelux, e foi nessa qualidade que foi eleito pela primeira vez para a Assembleia da República. Aí, fez um curto mandato, entre 1999 e 2002, enquanto deputado do PS, afastando-se do parlamento nos 7 anos seguintes. Regressa em 2009 à AR onde é, atualmente, deputado do Partido Socialista eleito pelo círculo da Europa.
Outros cargos que desempenha:
Membro da Comissão Nacional do PS Presidente da Sub-Comissão das Diásporas da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa
Condecorações e Louvores
Ordem de Mérito atribuída pelo Grão-Ducado do Luxemburgo
Comissões Parlamentares a que pertence
Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas [Coordenador GP]
Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados [Suplente]
Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto [Suplente]