O início do mês de agosto em Portugal vai ser um pouco caótico com férias dos residentes, visita do Papa e a habitual entrada de milhares de famílias emigrantes, a que acresce a problemática de incêndios num ano que se considera particularmente complexo num cenário de previsões meteorológicas difíceis que poderão proporcionar ocorrência de incêndios com maior dimensão.
Entrevista conduzida por Abílio Bebiano a José Luís Carneiro, Ministro da Administração Interna
Como pensa o MAI equacionar todos estes problemas de difícil solução a nível nacional?
O verão é sempre um período exigente e, em particular, este mês de agosto. A Jornada Mundial da Juventude irá ser o maior evento organizado em Portugal, mas tenho toda a confiança que as Forças de Segurança saberão manter os elevados padrões de segurança, os que já demonstraram em grandes eventos internacionais, como o Euro 2004, a visita do Papa Francisco em 2017 e ainda recentemente a Cimeira dos Oceanos. Para a JMJ serão mobilizados cerca de 20 mil elementos de todas as forças de segurança.
O envolvimento dos bombeiros na JMJ não irá prejudicar o combate aos incêndios rurais. São dois dispositivos diferentes, há um especificamente para esse fim e há um vocacionado para a Jornada, que foi constituído em diálogo entre o presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e as associações humanitárias de bombeiros. Estima-se um efetivo de até três mil bombeiros.
Sendo um ano particularmente grave na previsão de incêndios, que medidas tem o Governo previstas para a sua prevenção e combate?
Quanto ao risco de incêndio, todas as previsões europeias e nacionais apontam para um verão muito difícil. Qual é o apelo importante a fazer às populações para a prevenção de comportamentos de riscos e até para a sua própria autoproteção? É lembrar que dois terços dos incêndios de 2022 tiveram como causa a negligência, no uso do fogo, no uso de máquinas agrícolas ou florestais, pelo que em dias de maior risco deve evitar-se o uso do fogo para queimas, queimadas ou uso de máquinas agrícolas ou florestais. Deve ser pedida informação e orientação junto das autoridades locais, como sejam a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia. Tanto mais que os meios, por mais que sejam, acabam sempre por ser escassos quando ocorrem muitos incêndios, e de grande severidade, ao mesmo tempo. O mais importante é evitar ignições em dias de alerta especial.
Tendo ainda muito presente o quadro das alterações climáticas e das lições apreendidas com os incêndios de 2017 e, mais recentemente, com o da Serra da Estrela, robustecemos o Dispositivo Especial de Combate aos Fogos Rurais (DECIR), com o maior investimento de sempre, 54,7 milhões de euros. Há mais meios financeiros, humanos, materiais para combater os incêndios em Portugal.
Temos também mais meios aéreos do que em 2022. Para se ter ideia da evolução do dispositivo, em 2015 existiam 150 Equipas de Intervenção Permanente nos corpos de bombeiros e, atualmente, temos um total de 723 equipas desta natureza, sendo que cada uma é constituída por 5 bombeiros que exercem a sua profissão a tempo permanente nos corpos de bombeiros.
O valor do financiamento permanente para as associações humanitárias de bombeiros é igualmente o maior de sempre, com 31,7 milhões de euros. Marco importante também é o do investimento em prevenção superior ao do combate, objetivo que atingimos em 2022. Conseguimos ainda, em conjunto com outros países, mobilizar a Comissão Europeia para um maior envolvimento para responder a este problema, que começou também a atingir os países da Europa central. O nosso contributo para o mecanismo europeu de combate aos incêndios rurais são dois meios aéreos, pré-posicionados em Castelo Branco, e que poderão entrar no teatro das operações quando um Estado-membro solicitar meios de combate e desde que esses meios aéreos não estejam a ser necessários em Portugal.
Jornada Mundial da Juventude. Que colaboração se pede aos residentes, face ao tipo de segurança que vai ser implementada nas zonas que o Papa visita em Portugal – Regiões de Lisboa e Fátima – e que incómodos terão para a população em geral?
Toda a coordenação estratégica na dimensão da segurança da Jornada Mundial da Juventude cabe ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, Paulo Vizeu Pinheiro. E a melhor colaboração que se pode pedir aos cidadãos, sobretudo aos das cidades mais pressionadas pela chegada de milhares de peregrinos, no caso Lisboa e Fátima, é que sigam as orientações das autoridades. O evento irá ter implicações na mobilidade em diferentes localidades, tendo para esse efeito sido criado um plano de mobilidade. Quanto à segurança, como já referi, estará assegurada pelas Forças de Segurança e pela Proteção Civil, que acompanharão toda a JMJ.
Considerando, nesta época, a vinda de milhares de famílias de emigrantes que vêm passar o mês de agosto em Portugal, qual a previsão de dificuldades para entrarem no país e que aconselhamento lhes pode dar o MAI?
Tal como aconteceu em 2017 aquando da última visita do Papa a Portugal – e que agora se repete – , também durante a Jornada Mundial da Juventude será reposto o controlo documental nas fronteiras terrestres. A decisão foi tomada em Conselho de Ministros, após proposta das Forças de Segurança. Mas esse controlo não será sistemático, pelo que as fronteiras não estarão encerradas. A melhor recomendação que podemos deixar é que as pessoas estejam atentas aos conselhos das autoridades a respeito de todos os detalhes. Tudo será feito para que as famílias dos nossos emigrantes e todos os que chegam ao país para a JMJ o façam no maior conforto e celeridade possíveis.
Considerando que milhares de portugueses emigrantes são proprietários de parcelas rurais e florestais, porque é que o Governo não comunica com este público promovendo campanhas de prevenção e aconselhamento?
Como bem assinalou nas suas questões, o Governo lançou em abril uma campanha de sensibilização para que os emigrantes portugueses identifiquem e registem as suas propriedades em Portugal através do Balcão Único do Prédio (BUPi). Esta campanha esteve presente em canais generalistas de televisão e na imprensa local até ao dia 20 de abril, para sensibilizar a comunidade emigrante “para aproveitar o regresso à terra natal para fazer a identificação e o registo das suas propriedades através do BUPi. Dos dados que dispomos só de janeiro a maio, mais de 85 mil cidadãos identificaram cerca de 500 mil propriedades, numa média de cerca de 95 mil por mês e mais de 20 mil por semana. Desde o seu lançamento como projeto-piloto, em 2017, o Balcão Único do Prédio já identificou 1,5 milhões de propriedades, triplicando em apenas um ano o número de propriedades identificadas, com a participação de mais de 230 mil proprietários.
Como antigo Secretário de Estado das Comunidades e conhecendo bem a emigração, tem alguma mensagem a dar aos compatriotas que nos visitam nesta época?
As Comunidades Portuguesas são uma das mais importantes expressões de Portugal no Mundo, porque são a expressão do associativismo, da congregação de vontades e de esforços. Mas são também uma expressão da língua e da cultura. Os emigrantes transformam, desde logo, as comunidades de partida. Levam novas atitudes, novos comportamentos, novos valores, novas formas de entender o mundo, que transmitem às suas próprias famílias que ficaram nas terras de origem e vice-versa. Levam também os contributos do nosso país para as sociedades que os acolhem. São, por isso, forças de transformação nas sociedades de acolhimento.
E são um motivo de orgulho para Portugal, tal como já foi reafirmado pelas mais altas entidades nacionais. Tive o privilégio de conhecer muitas comunidades portuguesas historicamente constituídas nos diferentes continentes. E foi sempre uma grande satisfação ver o modo como vivem intensamente a ligação a Portugal e à nossa comunidade nacional. O modo como preservam os nossos saberes, a ligação ao país e muito particularmente às terras que os viram partir.
Conheci milhares de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro e descobri casos de grande sucesso profissional e várias histórias de vida repletas de esforço, trabalho e rasgo empreendedor. Evidentemente que existem casos de cidadãos nacionais que tiveram menos sucesso no seu percurso migratório e também esses merecem um olhar do Estado Português, que através dos serviços consulares e diplomáticos, possui mecanismos de apoio aos portugueses mais vulneráveis que vivem no estrangeiro.
Queria dizer também à comunidade portuguesa que podem também confiar em Portugal. Continuamos a ser, como bem sabem, um dos países mais pacíficos do Mundo, o que se deve naturalmente aos portugueses, às suas atitudes, aos seus comportamentos, aos seus valores e às nossas Forças de Segurança. É devida uma palavra de reconhecimento à Polícia de Segurança Pública, à Guarda Nacional Republicana e às outras forças e serviços que contribuem para a manutenção deste ambiente pacífico.
E quero por fim desejar um verão retemperador dos nossos emigrantes na chegada às suas origens. Para que no reencontro com familiares e amigos consigam reunir forças e ânimo para o regresso aos seus países de acolhimento. É sempre um momento de regresso às tradições culturais do nosso país, mas igualmente de descoberta do que de mais inovador e criativo os nossos territórios hoje oferecem.