Hoje somos cada vez menos aquém-fronteiras e cada vez mais além-mar. Este é o retrato fiel e atual da emigração portuguesa e das nossas comunidades espalhadas pelo mundo fora. Os portugueses hoje já não emigram, migram e é fundamental que nos apercebamos da extraordinária dimensão desta distinção. É fundamental reconhecer papel crucial que a nossa diáspora desempenha na afirmação de Portugal, da Cultura e da Língua portuguesa, mas sem nunca esquecer todos aqueles que, em circunstâncias infortunadas, foram obrigados a emigrar, sobretudo entre as décadas de 50 e 70.
José Manuel Caria
Nunca terá Portugal conhecido uma capacidade de reconhecimento internacional como assistimos hoje. Assistimos à afirmação de um país, de um povo, fenómeno talvez estranho para muitos perante a afirmação daquele pequeno retângulo recortado numa europa que ainda nos é estranha, mas reconhecido para todos nós, para quem afinal olha para o papel ativo da História a recolocar-nos no seu devido lugar.
Portugal “está na moda”, dita destinos mais ou menos discretamente como sempre soube fazer, corridos os mais de oito séculos da sua afirmação lusitana. E cruza toda a panóplia de intervenção do domínio humano: seja na política, na ciência, na economia, na cultura ou no turismo através da nossa inegável capacidade de nos afirmámos enquanto pessoas, profissionais e empresas que por esse mundo fora consolidam esta afirmação.
Os portugueses hoje já não emigram, migram. E é fundamental que nos apercebamos da extraordinária dimensão desta distinção. A procura de novos desafios de vida ou de novos destinos profissionais encontra hoje outras motivações. Não são partidas sem regresso, não são idas para mercados desqualificados na senda de uma labuta ardura e sem horizonte futuro, mas sim uma resposta de um país que produz quadros altamente qualificados, que “exporta” pessoas reconhecidas e ávidas por muitos países, mesmo aqueles que recorrentemente se afirmam mais desenvolvidos do que o nosso Portugal.
Números que falam por si
Cerca de cinco milhões de portugueses e lusodescendentes é o valor estimado da dimensão da comunidade lusófona espalhada pelo mundo, sendo que atualmente existem 2.240.152 pessoas com morada no estrangeiro registada no Cartão de Cidadão. Ainda de acordo com os dados oficiais mais recentes os principais países de fixação dos nossos emigrantes são a França, Brasil, Reino Unido, Suíça, Alemanha, China (incluindo Hong Kong e Macau), Estados Unidos da América, Luxemburgo, Venezuela, África do Sul e Canadá.
Refira-se ainda que destes principais países de fixação existem três que merecem destaque, pelo facto de terem sido importantes destinos da emigração portuguesa durante o século XX, nomeadamente os Estados Unidos da América, o Brasil e França, onde as numerosas comunidades se encontram já na terceira geração, mas apesar da distância física e psicológica, Portugal é ainda reconhecido como uma parte importante da sua identidade.
Outro dado muito significativo e bem representativo da integração dos nossos emigrantes nos seus países de acolhimento é o número de cidadãos portugueses e luso-descendentes que desempenham funções politicamente relevantes nesses mesmos países de acolhimento: em 2022 esse número ascendia a 2880 portugueses, com a seguinte distribuição: França (2.571), Estados Unidos da América (164), Luxemburgo (34), Brasil (30), Suíça (16), Canadá (11), África do Sul (11), Bélgica (10), Alemanha (7) e Reino Unido (7). Aqui uma nota de destaque para a situação que se vive em países como a França e os Estados Unidos onde as numerosas comunidades, bem estabelecidas, tiveram já tempo de se integrar plenamente e envolver ativamente na cena política local e até nacional.
Neste âmbito cabe também uma referência ao movimento associativo dentro das nossas comunidades, existindo hoje registo da existência de 1987 associações com a seguinte distribuição: Europa (1.114), América do Norte (513), América do Sul (244), África (57), Oceânia (31) e Ásia (28).
Outro dado mito significativo, mas pouco referido tem a ver com as remessas oriundas da emigração cujos últimos dados conhecidos apontam para um valor de 3.892,2 milhões de euros. Segundo dados oficiais do Banco de Portugal, o ano passado, 2022, as remessas de emigrantes corresponderam a cerca de 1,6% do PIB português, valor esse que ainda assim representou uma subida de 4.98% face a 2021.
A herança do passado
Mas, mais importante que tudo, é não nos sentamos no sucesso do presente e do futuro esquecendo os sacrifícios do passado. Se hoje o sucesso das nossas gentes e a capacidade de afirmação do país são realidades reconhecidas, convém lembrar que um dos pilares de sustentação da afirmação da nossa identidade, da construção da nossa disporá, em muito se deve a todos aqueles que, em circunstâncias infortunadas, esses sim, que foram obrigados a emigrar, sobretudo entre as décadas de 50 e 70.
A esses coube a construção basilar de cimentar os valores de gente séria e trabalhadora, de um povo que outrora já se intitulará capaz de gerir os destinos do mundo. A todos esses, espalhados sobretudo por França, Brasil, Venezuela, Estados Unidos ou a África do Sul, que tiveram de abandonar o seu país em condições precárias e na busca de uma sobrevivência com dignidade caberá sempre uma palavra de muito grato reconhecimento. Esta é uma lição que nunca pode ser esquecida, quer pelos naturais luso descendentes, quer por todos aqueles que hoje se afirmam pelo seu sucesso, que já não emigram mas migram.
Porque o desafio continua o mesmo: solidificar um referencial identitário, aquém e além-fronteiras, na consolidação do espaço da lusofonia e na afirmação de um Portugal moderno, valorizando as gerações de emigrantes que, ao longo de décadas, na afirmação do seu País, da Cultura e da Língua portuguesa, tomaram este desígnio por seu: o orgulho de ser português.
Só assim a nossa diáspora terá condições para se poder continuar a afirmar pelo mundo. E para que não restem dúvidas, cada vez será mais difícil encontrar um palmo de terra, mesmo nos confins mais recônditos deste planeta, que não tenha uma pegada portuguesa.
Rede consular
Portugal conta hoje com uma extensa rede consular externa, composta por 134 missões diplomáticas, que prestam todo o apoio na realização dos atos consulares à comunidade portuguesa e a todos que deles necessitem.
Esta rede é acompanhada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, numa constante avaliação das suas necessidades e na implementando medidas de reforço, visando sempre a adequação da rede externa às necessidades das comunidades emigradas e à persecução dos objetivos de política externa de Portugal. Recorde-se que a última missão diplomática a abrir foi a do Senegal, estando já, bem como a respetiva secção consular, em pleno funcionamento.
Paralelamente Portugal conta ainda com 200 cônsules honorários sedeados em 89 países, que exercem funções de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do Estado Português e dos seus nacionais e são nomeados de entre pessoas nacionais ou estrangeiras com reconhecida aptidão para o exercido dessas mesmas funções.
Merece ainda uma referência o novo modelo de Gestão Consular (NMGC) adotado nas missões e que tem por objetivo assegurar o serviço consular 24h por dia, todos os dias, em qualquer parte do mundo. Este novo modelo assenta na criação e desenvolvimento de plataformas tecnológicas, dando prioridade à desmaterialização de procedimentos consulares e viabilizando a sua prática online.
Estão já diversas valências disponibilizadas, entre as quais:
- Portal eVisa, permitindo a apresentação de pedidos de visto por via digital;
- App Registo do Viajante, ferramenta de extrema utilidade, para quem viaja no estrangeiro, facilitando o contacto em caso de ser necessário apoio consular;
- Sistema de agendamento online, que permite ao utente a marcação, junto do posto consular, de atendimento para realização de atos consulares.
Existem ainda, no âmbito do NMGC, duas ferramentas que caberá destacar, pela sua abrangência e extrema utilidade:
O Centro de Atendimento Consular (CAC), criado em 2018, disponibiliza um atendimento telefónico via operador ou eletrónico, bem como atendimento informativo automatizado as 24 horas. Desde a sua criação, o CAC tem vindo a ser alargado, cobrindo atualmente 11 países, e beneficiando 17 postos consulares (Espanha, Reino Unido, Irlanda, Bélgica, Luxemburgo, Itália, Malta, San Marino, Albânia, Países Baixos e França).
O Consulado Virtual que permite, para já, disponibilizar um canal online para a realização de atos e serviços consulares sem necessidade de deslocação aos postos consulares, reduzindo tempo de espera, inconvenientes decorrentes da necessidade de agendamento ou deslocação. Em fases subsequentes irão ser integrados mais serviços e atos que os cidadãos poderão realizar eletronicamente e na comodidade do seu lar utilizando o seu computador.
O Ensino de português
É hoje assumido que Língua Portuguesa é um elo fundamental de ligação às comunidades portuguesas e tendo em conta a diversidade das nossas comunidades e lusodescendentes e o perfil linguístico heterogéneo de crianças e jovens, o ensino de português, enquanto língua de herança, assume cada vez mais relevância.
É também importante referir que o conceito de língua de herança é hoje entendido entre a comunidade científica como aquele que melhor responde à realidade das nossas comunidades, remetendo para contextos divididos de aquisição de línguas, entre o contexto familiar, em que o aluno contata com a língua portuguesa, e o contexto social (sobretudo, escola) em que a interação com o meio é feita na língua do país de acolhimento.
Neste contexto, o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. é o instituto público responsável pela coordenação e articulação da política externa do governo nas áreas da cooperação internacional e da promoção da língua e cultura portuguesas e compete-lhe fomentar o ensino do português como língua de herança, não materna e estrangeira nos curricula e sistemas de ensino, designadamente em países com comunidades de língua portuguesa.
Neste sentido, o quadro atual de intervenção e o seguinte:
- Através do Camões, I.P, a língua portuguesa é ensinada em 76 países.
- Em 2023 a rede do ensino de Português no estrangeiro abrange 1.443 escolas e 72.726 alunos nos níveis de ensino pré-escolar, básico e secundário.
- O Camões, I.P. conta com 61 cátedras; 19 centros culturais; 53 leitorados; 83 centros de língua portuguesa; 307 protocolos com instituições de ensino em 76 países.
- O Camões, I.P, disponibiliza cursos online de português como língua estrangeira, que abrangem os níveis A1, A2, B1, B2 e C1 do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR).
- O projeto Plano de Incentivo à Leitura tem os objetivos centrais de promover a criação de hábitos de leitura e divulgar autores e obras de literatura em língua portuguesa, sendo desenvolvido em duas linhas de atuação: (i) Envio pelo Camões, I.P., ou aquisição pelas coordenações de Ensino Português no Estrangeiro (EPE) de bibliotecas para os alunos do ensino básico e secundário da rede EPE e (ii) realização de atividades de leitura na rede EPE. Desde 2013, foram distribuídas 2395 bibliotecas pela rede EPE.
De referir ainda o desenvolvimento pelo Instituto Camões do programa “Digitalização do Ensino do Português no Estrangeiro” que tem como objetivo a criação de um ecossistema educativo digital de conteúdos, ferramentas, serviços, plataformas e equipamentos, que permitirá acelerar os processos pedagógicos, didáticos e comunicativos entre os alunos e professores da Rede.
Este programa constitui uma mudança muito significativa das condições de aprendizagem dos alunos, ao se apostar num processo de transformação pedagógica com criação de novos conteúdos e plataformas digitais que potenciam partilha e acesso a conteúdos digitais, dirigidos para alunos e professores do Ensino do Português no Estrangeiro.