Jorge Nuno Pinto da Costa mantém o tom crítico que o caracteriza, numa entrevista em que visa o timing escolhido pelo Governo para levar o público de volta aos estádios, o jogo político em torno da regionalização, os erros das arbitragens, até o Novo Banco. Para a próxima época promete contratações cirúrgicas, mas sem “loucuras”.
A partir de 28 de junho, vamos ter de novo adeptos nos estádios. Um terço da ocupação do estádio é uma solução equilibrada?
É uma decisão incrivelmente atrasada. Não há nenhuma razão que justifique que só no final de junho se possa ter público nos estádios. Curiosamente, numa altura em que não há futebol. Isto seria o mesmo que dizer que, no dia 15 de dezembro, as pessoas podiam ir para a praia sem distanciamento. Ficaria tudo contente, mas quando chegassem à praia tinham de levar guarda-chuva em vez de guarda-sol.
Acredita que não haverá recuos nesta retoma?
Não pode haver recuo, porque no período mais agudo da pandemia houve jogos experimentais, da seleção e do F. C. Porto na Liga dos Campeões, e todos os responsáveis vieram dizer que foram testes altamente positivos.
Mas qual acha que foi o receio do Governo? O argumento de que os adeptos não conseguem controlar os comportamentos?
Tem de perguntar ao Governo. Ainda recentemente perguntei a um ministro que visitou o Estádio do Dragão qual era a explicação para que o F. C. Porto não pudesse ter nem sequer as famílias dos atletas no jogo decisivo de basquetebol frente ao Sporting, mas na véspera tinha havido um espetáculo no Pavilhão Rosa Mota/Super Bock com 2500 pessoas. Ele, com toda a franqueza, disse-me que não compreendia. Se o ministro não compreende o que o Governo está a fazer, como vou eu compreender?
Acha que não houve capacidade política da tutela?
Não faço ideia, mas sei, por exemplo, que o presidente do Benfica, na final da Taça de Portugal, perguntou ao secretário de Estado de Desporto quando é que íamos ter público no futebol e ele respondeu que não fazia a mínima ideia. Se o ministro da tutela perante os factos concretos que eu lhe expus não encontrava explicação e o secretário de Estado da tutela também não sabia quando ia haver público, como vou eu compreender o que pensa o Governo?
O Governo enganou os portugueses ao dizer que os adeptos na final da Liga dos Campeões iam viajar em bolha?
Não sei se enganaram, mas disseram uma coisa que não foi verdade. A ministra de Estado, Mariana Vieira da Silva, disse que todos os adeptos ingleses só iam estar 24 horas em Portugal, e que havia uma bolha para cada grupo de adeptos. Se foi com o intuito de enganar, ou se foi por ignorância, ou se alteraram o que ela disse, isso não sei. Que ela disse uma coisa que não se verificou, isso é indesmentível.
Considera que o primeiro-ministro devia ter tirado ilações ou ter havido demissões?
Eu acho que não, porque quem ele devia demitir já teve tantos outros motivos mais graves para ser demitido que estou convencido que, faça o que fizer, nunca o será.
Está a falar do ministro da Administração Interna?
É tão óbvio, que disse logo o nome.
Mas não acha que houve exagero nos ataques que foram feitos sobre isto? Chegou-se a dizer que houve ordens para a não intervenção da polícia.
Não faço ideia, não me posso pronunciar. O que eu ouvi e vi foi a ministra Vieira da Silva a dizer que não haveria problemas, que nenhum inglês estaria mais de 24 horas em Portugal e que iam ser feitas duas bolhas, onde estariam os grupos de adeptos conforme o clube. Como não foi isso que se verificou, tanto posso dizer que ela enganou os portugueses, como faltou à verdade, para não dizer que mentiu. Se disseram alguma coisa aos polícias, não faço ideia. Mas sobra sempre para os polícias, que se agem são uns bárbaros e se não agem é porque são uns lentos.
Assumiu que a principal responsabilidade do que se passou foi do ministro da Administração Interna…
Eu não assumi isso, perguntaram-me do ministro Eduardo Cabrita, não fui eu que falei nele. Se calhar o culpado fui eu, porque sobra sempre tudo para mim. O que se passou não teve nada ou quase nada a ver com a Liga dos Campeões. O que aconteceu nesta final foi exemplar, não houve um mínimo incidente. Era exigido a todos o comprovativo de teste. Vim a descer a Alameda [do Dragão] a pé e até brinquei com uns agentes que lá estavam dizendo que afinal estes adeptos ingleses pareciam meninos de coro. O problema foi os ingleses que não vieram para o futebol, e que fizeram os incidentes. À mesma hora estava a haver incidentes em Albufeira. Se a final fosse em Madrid, eles festejavam na mesma e os outros bebiam para esquecer.
Não houve aqui uma politização e territorialização da Champions, com Rui Rio, líder do PSD, contra Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto?
Eu acho que não é essa a questão. O Rui Rio, nunca compreendi a atuação dele no que se relaciona ao desporto e ao F. C. Porto. O F. C. Porto foi campeão europeu, ganhou uma taça UEFA, e dizia o antigo e agora novamente presidente do Barcelona, Laporta, que o F. C. Porto era o único clube da Europa que, se ganhasse uma prova internacional, tinha o “ayuntamiento” com as portas fechadas. Portanto, os comportamentos do Rui Rio em relação ao desporto são para mim incompreensíveis. A luta que ele faz ao Rui Moreira não é por ser Norte/Sul ou Porto/Lisboa. É porque vem aí umas autárquicas, em que o Rui Moreira é o candidato favorito.
Rui Moreira é o seu candidato, assume-o publicamente?
Eu não dou diretamente apoios e nunca apoiei ninguém, porque entendo que deve haver uma distância. Mas não tenho problema em dizer que votarei nele. Porque tenho uma vantagem. Como não sou de partido nenhum, voto em quem achar que é melhor para a cidade, que são as eleições que me interessam mais, e para o país.
Tem sido uma causa sua a regionalização. O prazo traçado pelo primeiro-ministro, 2024, é demasiado dilatado no tempo ou é uma esperança?
Eu estava convencido, quando soube que ia marcar uma data, que era para 2900. Portanto, se ficou para 2024, ganhámos quase 900 anos.
Não acredita que, nessa altura, seja mesmo a sério?
Claro que não. Então alguém pode acreditar que um indivíduo vai dizer o que se deve fazer e numa data que já não coincide com a sua presença no Governo? Estamos a deitar areia para os olhos das pessoas. O maior opositor da regionalização é o senhor presidente da República. É público. É escolhida a data de 2024 porque assim está-se a dizer ao presidente da República que “esteja sossegado que, enquanto o senhor aí estiver, vamos entretê-los com a descentralização. Esteja descansado que regionalização não há”. Não acredito em nada, até é lamentável e mais valia continuar a brincar às descentralizações. Assim, cai no descrédito total.
Na semana passada, houve uma reunião na Mealhada com os presidentes dos clubes. O almoço caiu bem? Há uma aproximação entre si e Luís Filipe Vieira?
A aproximação das pessoas não pode ser vista porque há ou não uma reunião. Estiveram reunidos quase todos os presidentes. Quando se vai para uma reunião de trabalho, não há “eu falo com este” ou “falo com aquele”. Fazer um filme que este está a comandar aquele e aquele está a comandar o outro, não. A ideia inicial deste movimento, e não tenho problema nenhum em dizer, foi do Benfica. O Benfica contactou o F. C. Porto para saber se estava disponível e imediatamente dissemos que sim.
E que linhas saíram do encontro?
Olhe, saíram várias linhas que não vou estar a revelar, porque pedimos uma audiência ao senhor primeiro-ministro, para lhe transmitir coisas que nós consideramos anormais, por exemplo o IVA dos bilhetes pago a 23% e os de qualquer espetáculo, mesmo os pornográficos e touradas, 6% ou 7%.
Tentaram sensibilizar alguns partidos políticos?
Tentámos sensibilizá-los todos, mas os únicos que tiveram uma reação positiva, concretamente em relação ao público nos estádios, foram Chega, Iniciativa Liberal e o Partido Comunista, que fez um comunicado apoiando essa luta. Agora, vamos ao primeiro-ministro; espero que nos receba para levantar questões como esta que referi.
Tirando as questões de trabalho, não dá por validadas interpretações de aproximação a Luís Filipe Vieira?
Eu não sei o que se chama interpretação, se disser que eu lá falo com o Luís Filipe Vieira, claro que falo.
E fora não?
Fora, normalmente, não nos encontramos. Mas se encontrar, a partir do momento em que estamos num grupo de trabalho, naturalmente que não vou estar com intimidades, mas não vou deixar de o cumprimentar e de lhe falar.
Entrevista de Pinto da Costa aos jornalistas Domingos de Andrade e Inês Cardoso do JN/TSF. Imagens: Adelino Meireles