O lusodescendente, 24 anos, é um dos novos heróis franceses. De Tóquio, trouxe a medalha de ouro de Karaté para casa. Steven Da Costa e o pai português contam ao Contacto todos os nervos, emoções e alegrias desta aventura.
Steven Da Costa, o melhor karateca do mundo, medalha de ouro por França nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, ainda não conseguiu descansar desde que regressou a casa, em Mont-Saint-Martin, Meurthe-et-Moselle, na fronteira com o Luxemburgo, na segunda-feira à noite.
O lusodescendente, de 24 anos, filho de pai com raízes em Soajo, Arcos de Valdevez, Minho, viajou ontem para Paris para continuar o corrupio de entrevistas agendadas, e outros eventos, tantas são as solicitações para com o primeiro campeão olímpico, masculino (categoria -67 quilos) de karaté, dado que a modalidade se estreou só nestas olimpíadas.
Tímido, Steven Da Costa, agradece rindo, quando o Contacto, o felicita pela sua conquista olímpica, a meio da tarde de terça-feira, ao telefone, quando conseguiu ficar um pouco em casa dos seus pais, Michel e Dominique da Costa, e com os seus dois irmãos, o gémeo Jessie e o mais velho Logan, também estes karatecas da seleção francesa. A casa dos pais é o seu local predileto, tanto que o jovem mora bem perto dos progenitores.
A fotografia de abertura deste artigo foi captada na noite de segunda-feira quando finalmente o campeão chegou a casa dos pais, depois da aventura vitoriosa em Tóquio, e pode finalmente celebrar com a família. Na foto, (da esquerda para a direita) estão o seu irmão gémeo Jessie, a sua tia Júlia, a mãe Dominique, o campeão Steven de branco e com a medalha de ouro, o pai Michel, o irmão mais velho Logan e a namorada deste, Júlia.
Foi por Michel e Dominique que Steven da Costa perguntou logo quando saiu do automóvel em Mont-Saint-Martin, chegado de Metz, após a viagem de Paris, onde aterrou vindo do Japão, com a comitiva olímpica.
“Onde estão os meus pais?”, questionou o karateca ao olhar para a multidão, como conta a imprensa que aguardava a sua chegada a Mont-Saint-Martin, a sua terra que já não pisava há mais de um mês. Cerca de duas dezenas de pessoas, entre amigos, conhecidos e fãs, e alguns portugueses, aguardavam pelo “seu” campeão, para lhe dar os parabéns.
Com a sua medalha ao peito, o ‘menino de ouro’ da localidade francesa foi recebido com pompa e circunstância por Patrice Marini, primeiro-adjunto da Mairie de Mont-Saint-Martin, que substituiu o presidente, em férias. “Mont-Saint-Martin felicita o seu campeão”, diz a inscrição na foto do lusodescendente que tem honras de abertura da página de Facebook da comuna francesa. Em setembro, na rentrée será feita uma grande festa em sua homenagem, está já combinado.
Surpreendido com esta explosão repentina de popularidade, e com França inteira a felicitá-lo pela conquista máxima nos Olímpicos, Steven Da Costa diz um “muito obrigado” em português, com sotaque francês às felicitações recebidas e, de seguida, avisa que “não sabe falar” bem português como o seu pai, Michel da Costa, português nascido em França, para onde emigraram os avós paternos de Soajo.
Mas, o lusodescendente reconhece que tem costela portuguesa, a parte herdada da ascendência minhota que também lhe molda a sua personalidade.
“O meu sangue quente português ajudou-me a ganhar o ouro”, garante Steven da Costa. Ao seu lado, o pai que trabalha no Luxemburgo, pega no telefone e realça: “Tem sangue quente sim, como os portugueses. A personalidade portuguesa é forte. É sempre para vencer. E esta medalha de ouro do Steve foi a primeira de muitas”, nas olimpíadas.
Para já o lusodescendente não poderá lutar para repetir o feito nas próximos Jogos Olímpicos em Paris, porque o karaté não está incluído nas modalidades inscritas. A família Costa, tal como muitos karatecas e adeptos desejam que a modalidade volte a fazer parte das olimpíadas em 2024. Tanto mais que são no país que ganhou o ouro.
“Gostaríamos muito que isso se tornasse realidade, então depois de termos uma medalha de ouro”, vinca o pai do campeão, o ‘Petit Prince’ do Karaté como é apelidado o lusodescendente.
Este “português”, como se define Michel da Costa, faz questão de salientar que na personalidade e no mérito do seu campeão estão também características gaulesas, pois a sua mulher, mãe dos seus filhos é francesa. “Foi um misto, as características portuguesas, francesas, mas também muito o seu trabalho, dedicação e determinação”, frisa.
E a quem Steven Da Costa dedica a medalha olímpica? “Dedico-a aos meus pais”, diz o jovem lusodescendente que só agora está a “cair em si” e perceber que trouxe o ouro para França.
“No momento em que subi ao pódio com a medalha e ouvi o hino francês não realizei logo o que tinha acontecido, era tudo muito recente, mas senti-me imensamente feliz e muito orgulhoso”, conta o karateca.
Além da família ser “muito unida”, o pai é o treinador dos seus três filhos, que desde pequenos representam o clube Karaté Mont-Saint-Martin. Curiosamente, o português despertou para o karaté e começou a treinar depois dos filhos aderirem à modalidade. Gostou tanto que se tornou treinador dos “seus” atletas, e todos fazem “parte da seleção nacional de França”, sublinha.
“Sacrifício” e “dedicação”
Antes de chegar a Tóquio, Steven Da Costa já era uma referência mundial do Karaté, sendo campeão do mundo e duas vezes campeão europeu. Agora consagrou-se campeão olímpico, o primeiro da história da modalidade.
“É um orgulho tremendo, uma felicidade enorme, esta medalha é a recompensa por todo o sacrifício, privações, para Steven e para nós, e por todo o esforço, dedicação e trabalho do meu filho”, sublinha o pai. Michel da Costa perdeu a conta às horas de “treino, de esforço e persistência do filho” para chegar onde chegou.
O português acompanhou-o sempre, treinando-o diariamente e nos campeonatos em França e no estrangeiro, em muitos participaram também os irmãos, Logan (na categoria -75kg) e Jessie, (categoria -84kg). Já em 2013 o Contacto noticiava as vitórias dos irmãos karatecas Costa.
Nascido no Mont Saint Martin, em França, junto à fronteira com o Luxemburgo, Steven da Costa quer fazer história na modalidade. O karateca lusodescendente que é campeão mundial e também quer ser olímpico
Pai, Michel da Costa, trabalha no Luxemburgo na fábrica de águas minerais em Beckerich, e quase fica sem férias para acompanhar os filhos. “Sempre que há campeonatos tenho de tirar dias de férias, por isso, nem sempre dá para ir a Portugal. Este ano, não vamos à terra dos meus pais, em Soajo, no Minho. Não vou lá desde que a minha mãe faleceu há dois anos, mas tenho muitas saudades de ir”, confessa. Este ano, o português ainda veio de fugida a Lisboa, com os filhos, para o Torneio de K1 de karaté, em que Steven Da Costa participou e se sagrou campeão, em abril.
O pai de Steven Da Costa confessa também o quão “difícil” foi assistir pela televisão às competições do filho durante os jogos olímpicos em Tóquio, a tantos milhares de quilómetros de casa e com tão grande diferença horária, alguns decorriam de madrugada.
No último dia, com as duas rondas finais, a família reuniu-se toda em casa de Michel e Dominique. E os nervos foram mais que muitos. “Fico muito enervado quando assisto à prestação dos meus filhos, peço que não falem comigo, fico muito concentrado. Então com Steven em Tóquio, a vê-lo pela televisão…”, lembra o pai treinador. Quando o jovem atleta venceu a final foi “uma explosão de alegria”, “muita emoção”, “foi a festa”, em casa, momentos inesquecíveis para esta família luso-francesa.
Festa em setembro
Entre as duas rondas finais, Michel da Costa conta que Steven lhe telefonou de Tóquio, precisava de ouvir o pai e das suas palavras de motivação. “Perguntou-me a minha opinião e eu disse-lhe que ele tinha estado muito bem. Falámos, dei-lhe força e ‘piquei-o’, como costumo fazer com eles.
No final, tudo correu bem, o melhor possível”, diz o pai orgulhoso. Mesmo quando estão no ‘tatami’, nas provas, os filhos olham de quando em quando para o pai, sempre a assistir de perto, procurando descobrir como o progenitor está a avaliar o seu desempenho. “Basta olharem para os meus olhos e eles já sabem a minha opinião. Não são precisas palavras”, explica o português, evidenciando a cumplicidade familiar ainda mais unida pela paixão do karaté.
Depois da agenda preenchida em Paris, Steven vai ter finalmente uma semana de férias, mas fica pela França, conta o pai. Os treinos recomeçam em setembro, conta Michel da Costa, pois em novembro, o campeão olímpico luso-francês vai participar num campeonato no Dubai. É também no próximo mês que a população de Mont-Saint-Martin se vai reunir na grande festa de homenagem ao jovem “com sangue quente português” que colocou a localidade francesa no mapa global do karaté e a ser falada no mundo.