Neste restaurante lisboeta, a arte está presente da porta de entrada à mesa, em homenagem ao pintor brasileiro que lhe dá o nome. E a gastronomia, essa, é também uma homenagem à conexão de três países, Brasil, Portugal e França.
É o proprietário, o empresário brasileiro Paulo Dalla Nora Macedo, que começa por contar a sua própria história, o que o fez vir para Lisboa. A pandemia foi o empurrão, o facto de o filho ainda não ter ingressado no sistema de ensino ajudou, e ter um amigo que veio antes, também para abrir um restaurante, fechou a decisão. A mudança acontece, assim, no final de 2021.
Colecionador de arte há 25 anos, com um espólio alimentado pela pintura, fez questão de trazer na bagagem muitas dessas peças, além de quadros, móveis, tapeçarias e outras obras. São estas peças que dão forma às três salas em que se desdobra o Cícero Bistrot.
É aqui que entra a história do nome. Cícero, de apelido Dias, pintor do modernismo brasileiro que aproveita uma exposição na Europa para escapar à ditadura do Estado Novo, instaurada em 1937 por Getúlio Vargas. Paris é o seu refúgio, aí tendo desenvolvido amizade com Pablo Picasso, mas viria a ser preso durante a ocupação de França pelos nazis. Em 1942, é resgatado de um campo de concentração e chega a Lisboa, como adido cultural da embaixada do Brasil. Aqui, frequenta restaurantes e cafés, onde toma contacto com os personagens da cena cultural portuguesa, ao mesmo tempo, que se deixa inspirar pela luz da cidade. Acabaria por regressar à capital francesa, onde vive até 2003, ano da sua morte.
Há obras suas neste restaurante de Campo de Ourique, bairro escolhido por ser “o mais francês de Lisboa”. E França está desde logo presente na designação que acompanha o nome do pintor – bistrot. E está, igualmente, na ementa, pois, de acordo com Paulo Macedo, o propósito é que a gastronomia faça a conexão entre os três países. Em cada prato, a base é francesa, mas há sempre um twist brasileiro ou português.
A arte desta conciliação é do Hugo Cortes, com 22 anos de experiência em restaurantes como o Eleven. Passemos à prática, o mesmo é dizer, à prova. A começar com uma seleção de cupita de bolota de porco preto e presunto pata negra, acompanhado por compota de ruibarbo e tostas finas de broa, a que se seguiu a sofisticação de foie gras, com chutney de manga e abacaxi. Tudo refrescado por vinho da Alsácia – Bernard Hass & Fils, Vendanges Tardives 2018.
Nos copos, seguiu-se Tsarine, campanhe rosé bruto que harmonizou perfeitamente com o carabineiro e robalo de mar com molho de coco, azeite de dendê e arroz basmati. E que não se dispensou no momento da sobremesa, um crepe de pera com caju, gelado de baunilha e mel do engenho.
Tudo servido na sala dedicada à arte popular, uma das três em que se desdobra este bistrot. Em todas, há arte: entra-se pela sala modernista, desce-se até à contemporânea e desce-se mais um pouco até à que o empresário designa como sala origens. Porquê? Porque é emoldurada por um painel pintado que simboliza as raízes luso-brasileiras.
No centro, pontua uma única mesa. E assim é intencionalmente, porque o propósito é simbolizar a sala de jantar da casa de cada um – um espaço de boas conversas à volta da comida.
Foi em setembro de 2022 que o Cícero abriu ao público. Os primeiros tempos foram destinados a consolidar a ementa. Paulo Macedo diz, mesmo, que este negócio é como uma alfaiataria com acertos até se conseguir um fato à medida. Os primeiros a descobrir o bistrot foram os estrangeiros, nomeadamente franceses residentes no bairro, mas também turistas. Mas, quando dezembro entrou no calendário, os portugueses foram-se aproximando da narrativa que o empresário brasileiro se propõe contar.