Há exatamente 22 anos (a 17 de Janeiro de 1995) morria em Coimbra, com 87 anos, o Dr. Adolfo Correia Rocha, médico otorrinolaringologista.
Dito desta forma, haverá quem se não aperceba que o especialista em ouvidos, nariz e garganta a que me refiro é o notável escritor e poeta que adotou o pseudónimo de Miguel Torga. Miguel, pela admiração que tinha por dois vultos das letras espanholas, Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno; Torga, por ser a designação da urze, planta que cresce nas penedias da região de Trás-os-Montes.
Muitos dos admiradores de Miguel Torga talvez ignorem que ele nasceu numa humilde família de camponeses em S. Martinho de Anta, concelho de Sabrosa, distrito de Vila Real.
E muitos mais certamente desconhecem que Miguel Torga foi emigrante. Com apenas 13 anos rumou ao Brasil, para junto de um tio que vivia em Minas Gerais. E ali trabalhou durante 5 anos, numa experiência que lhe marcou a vida e a obra, como ele próprio sublinha numa curta autobiografia, escrevendo que “um dos seus títulos de glória é ter passado a adolescência no Brasil”.
Nessa autobiografia define-se de forma curiosa: “Magro como um espeto. Perfil de contrabandista espanhol. Médico. Anda que se desunha. (…) Mas do que gosta a valer é de calcorrear os montes do seu Douro trasmontano e os pauis dos campos do Mondego à caça de perdizes e de narcejas”.
Regressa do Brasil com 18 anos e vem estudar para Coimbra. Em 3 anos completa os 7 do liceu, matriculando-se na Faculdade de Medicina em 1928 – ano em que publica o seu primeiro livro de poemas, “Ansiedade”, ainda como Adolfo Rocha.
Inicia assim uma extraordinária carreira literária, com uma obra em poesia e prosa traduzida em muitas línguas, distinguida com prémios nacionais e internacionais. Aliás, várias vezes o seu nome foi indicado para o Prémio Nobel da Literatura.
Se aqui evoco Miguel Torga, é para homenagear a sua memória (tive o privilégio da sua amizade). Mas é também para afirmar, a quantos saíram de Portugal em busca de melhores condições de vida, que (quase) nada é impossível.
Este jovem humilde, nascido numa aldeia trasmontana, que se fez emigrante e voltou para se tornar em médico distinto e escritor famoso, demonstrou que os sonhos podem tornar-se realidade, desde que haja ambição saudável e trabalho incansável.
Torga escreveu que “o universal é o local sem paredes”.
Uma magnífica definição, que bem pode aplicar-se ao papel da comunicação social, que derruba fronteiras, vence distâncias e nos aproxima uns dos outros. Como a revista PORT.COM.
OUTRAS NOTÍCIAS