A Rússia celebra a memória de um dos seus heróis. Yuri Gagarin é homenageado, como uma lenda que permanece intacta no país.
O dia 12 de abril assinalou o sexagésimo aniversário do voo mítico de Gagarin, o primeiro homem no espaço. Nesse dia, em 1961, passou 1h48m em órbita ao redor da Terra.
Tem uma estátua gigante com vista para Moscovo, mas este primeiro homem no espaço não era assim tão alto – tinha 1,58m. Filho de um carpinteiro e de uma camponesa – foi transformado num herói popular pelo poder soviético.
Yuri Gagarin nasceu numa pequena vila no oeste da Rússia, onde existe um museu dedicado à sua figura.
A Rússia celebra a data todos os anos com grande pompa e circunstância. Yuri Gagarin morreu em 1968, aos 34 anos, a bordo de um avião de treino, em circunstâncias que permanecem misteriosas até hoje.
Como ele era quando jovem
Tamara Filatova, sobrinha de Iúri Gagárin, lembra-se dele sem a brilhante auréola da glória mundial: era uma pessoa simples, caseira e reservada.
Hoje, ela é a curadora do memorial localizado no museu em homenagem ao tio na cidade de Gagárin (antiga Gzhatsk). Foi o próprio Iúri, então um menino de 13 anos, que carregou a pequena Tamara no dia de seu batizado.
Como foi o dia 12 de abril de 1961?
O voo do Iúri foi completamente inesperado para toda a família, pois a preparação era totalmente confidencial. Eu já era bem crescida, tinha 14 anos. Lembro-me bem do momento em que Polina Víktorovna, a coordenadora da escola, entrou na classe e disse: “Tamara, seu tio é aviador?”. E eu disse: “Sim, Iúri Aleksêievitch”. “Ele está no espaço!” A primeira sensação não foi de alegria, mas de medo. O espaço parecia-me naquela época – e ainda parece hoje, por sinal – uma espécie de abismo horrendo e hostil. Fiquei com muito medo de que algo acontecesse com ele, debrucei-me na carteira e chorei a aula inteira. Durante o recreio, Polina veio ter comigo para me acalmar: “Porque está chorando? Ele já pousou. Está tudo bem!”.
Os oito mil habitantes da nossa pequena cidade de Gzhatsk literalmente transformaram-se naquele dia quente e ensolarado. Todos foram para as ruas, houve muita alegria, muito júbilo. Todos se abraçando e beijando, cumprimentando uns aos outros! Para a cidade, foi algo extraordinário, porque o nosso Iurka (todos na cidade o chamavam assim) tinha feito uma coisa incrível! E quando eu cheguei a casa, simplesmente não a reconheci.
Na época, a calçada só ia até o portão e, depois, era estrada de terra batida. Era abril, estava um lamaçal. À volta da casa, havia um monte de carros pretos. Dentro de casa, estava uma grande confusão. Eram tantos visitantes que estava difícil desviar-me deles. Nunca tivemos telefone e, de repente, apareceram três, quatro aparelhos, que tocavam sem parar. As pessoas que ligavam queriam saber de tudo: como era a família, como foi a infância, onde estudou. Enfim, quem era ele.
No fim da tarde, todos os parentes foram levados para Moscou. Na verdade, a mãe do Iúri, Anna Timofiêievna, foi antes. Assim que ouviu o anúncio no rádio, ela não teve dúvidas de que era o filho dela que estava no espaço.
Foi imediatamente para a base de Tchkalovski e muito agitada, a pensar na Vália, esposa do Iúri, e como estaria lá com as duas crianças. Lena, a mais velha, iria fazer dois anos no dia 17 de abril e a mais nova, Gália, tinha acabado de nascer, em 7 de março. Ela ficou a saber que o filho tinha pousado em segurança quando estava no trem a caminho de Moscou. Já o pai do Iúri, Aleksiêi Ivánovitch, não conseguia acreditar que era o filho dele que tinha ido ao espaço. Ele achava que deveria ser outro Iúri Gagárin, ainda mais um major – não sabíamos que, logo após o voo, ele tinha sido promovido a essa patente.
Vocês certamente fizeram todas as perguntas possíveis a ele sobre a missão e sobre o espaço quando conseguiram se reunir em família.
Ele disse o mesmo que havia dito antes: a Terra era extraordinariamente bela e, do espaço, não parecia tão imensa como daqui. Mas ele nunca falava das dificuldades da missão.
Eu visitava com bastante frequência a Cidade das Estrelas em dias de folga e vi como era duro o trabalho do meu padrinho lá: ele chegava cedo e ia embora tarde. É claro, ele sempre brincava primeiro com as crianças e depois ia para o escritório e trabalhava até tarde só com uma luminária na mesa.
Possivelmente, por estar tão sobrecarregado de trabalho, valorizava muito seu tempo livre. Lá na Cidade das Estrelas, existem duas torres de 12 andares, uma do lado da outra e unidas por um pavilhão de vidro. Lá, os membros da equipe principal faziam comemorações em ocasiões festivas. Se fosse Ano Novo, todos apareciam vestidos a rigor. No dia de Neptuno, o padrinho vestia-se de Neptuno e um dos outros homens, de preferência um dos mais fortes, de sereia. Ainda mantenho contato com esse pessoal, são amigos, mas naquela época era como se fôssemos uma grande família.
Você se lembra do último encontro com o seu padrinho?
Eu lembro-me muito bem da última visita que ele fez a Gzhatsk. Foi em 5 de dezembro de 1967, dia da Constituição. O pessoal da cidade e ele combinaram ir caçar alces e fiquei pedindo: “padrinho, leve-me, eu quero tanto ver!” Aí ele disse que tudo bem e me levou. Uma parte dos caçadores cercou o animal e eu fiquei com ele na espreita. Tínhamos que ficar em silêncio absoluto para não espantar o animal e atirar quando ele viesse na nossa direção. E quem disse que nós conseguimos? O padrinho era irrequieto e eu não ficava atrás. Arruinamos a caçada porque ficamos rin
do, brincando com a neve, gritando no meio da floresta. É claro que não caçamos nada. Quando voltamos para casa, um jantar de comemoração já estava pronto. Festejamos quase até de manhã! Contamos piadas, cantamos.
Aquele acabou sendo o nosso último encontro com o padrinho. De manhã, antes de partir, ele abraçou-me bem forte e disse à minha mãe: “Sabe, Zôiuchka, todos me procuram pedindo para ajudar esse e aquele. Já você nunca me pediu nada. E eu vejo que as coisas estão difíceis para você”. “Como assim, Iúri? Eu vivo como todo mundo”, respondeu ela. “Não precisa de se preocupar. Está tudo bem connosco. Temos trabalho e uma propriedade grande”, completou. Não que ele se ofendesse, mas lamentava o fato de que era raro que os parentes fossem visitá-lo na Cidade das Estrelas. Mas tinha jeito? Todos trabalhavam, tinham seus problemas. Não dava para ir sempre.
No dia 27 de março de 1968, Iúri Aleksêievitch faleceu. Como a família recebeu a notícia?
Quando aconteceu a tragédia, foi tudo tão cruel e terrível que num primeiro momento pareceu que nossa vida tinha acabado. Ele estava envolvido em tanta coisa. No dia, a mãe do Iúri, Anna Timofiêievna, disse: “o sol está brilhando e eu vou andando e pensando ‘meu Deus, como pode o sol brilhar se ele não está aqui?’” Dizem que o tempo voa. Não voa. Tantos anos se passaram e… (chorando) mesmo assim é doloroso.