“Continuam os estudos preliminares referentes à construção do novo aeroporto de Lisboa…”. Se a frase não continuasse, podia muito bem tratar-se de uma notícia de 2023, num qualquer jornal a dar conta dos estudos a ser realizados atualmente em relação às nove localizações possíveis para a nova infraestrutura.
Mas não, trata-se de uma notícia antiga exibida numa publicação no Facebook. E a frase continua assim: “…que deverá ficar concluído entre 1978 e 1980”. Será possível que a discussão e as promessas sobre um novo aeroporto para a capital já durem há 50 anos?
A discussão sobre a necessidade de um novo aeroporto para Lisboa vem de longe e já ultrapassa o meio século. O aeroporto da Portela, na altura na periferia de Lisboa, foi inaugurado, em 1942. Menos de três décadas depois, começou a discutir-se a necessidade de relocalizar o aeroporto e a 8 de março de 1969, com Marcello Caetano à frente da Presidência do Conselho, o Decreto-Lei n.º 48902 constituía o “Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa” que funcionaria na dependência do Ministério das Comunicações.
Na época, começaram a ser estudadas várias opções, todas na margem sul do rio Tejo. Uma das hipóteses avançada por dois estudos independentes, concluídos em 1971, era Rio Frio e previa a construção de quatro pistas paralelas e a aquisição de uma área total que rondava os 21 mil hectares, como refere um relatório apresentado em 2008 por Miguel Coutinho e Maria Rosário Partidário, do IDAD – Instituto do Ambiente e Desenvolvimento.
Rio Frio ficou pelo caminho conturbado da revolução do 25 de Abril e só regressaria em 1982, ano em que é feito um novo estudo que teve em conta 12 possíveis localizações e que recomendava a construção na Ota, a 40 quilómetros de Lisboa. O processo fica outra vez parado e é reaberto em 1986, depois da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE).
Até 1994 nada avança. Rio Frio e Ota mantinham-se como as duas opções mais destacadas, mas, como não há duas sem três, surge mais uma hipótese: adaptar base aérea do Montijo, na margem sul, para uso civil. Os anos passam e nenhuma decisão é tomada. Finalmente, a 22 de julho de 1999, durante o Governo de António Guterres, o Conselho de Ministros confirma a seleção da Ota, uma vez que Rio Frio obrigaria ao abate de mais de 50 mil sobreiros. A decisão seria mantida pelo Governo de Durão Barroso e Santana Lopes, mas sem qualquer avanço na prática.
Seguia-se um dos períodos mais polémicos da longa jornada do novo aeroporto: José Sócrates. O primeiro-ministro, que assumiu funções em setembro de 2004, manteve a opção da Ota, pedindo o estudo de impacto ambiental. Estimava-se um custo de 3.100 milhões de euros e uma meta até 2017 para a entrada em funcionamento do novo aeroporto, mas começam a surgir críticas a esta hipótese devido à complexidade topográfica e hidrológica do local.
Depois de já terem sido gastos 40 milhões de euros em estudos para o aeroporto da Ota, um estudo comparativo preferia a zona do Campo de Tiro de Alcochete, por ser mais barata. Em 2008, o Conselho de Ministros chegou a aprovar esta localização, como se verifica aqui.
Os atrasos na aprovação das bases do contrato de concessão, os estudos de impacto ambiental e as polémicas sucessivas foram adiando de ano para ano os avanços práticos no projeto. E depois chegou 2011 e uma crise económica e financeira sem precedentes e a decisão nunca se concretizou.
Só em 2016, já sem troika e com o PS novamente no Governo, é que o debate sobre o novo aeroporto regressa. O então ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, confirma que os estudos para encontrar a solução arrancam em 2017 e que “o novo aeroporto avança em 2019”.
Em janeiro de 2019, o Governo e a ANA assinam um acordo que prevê a transformação da base aérea n.º 6, no Montijo, a expansão do aeroporto Humberto Delgado, dando forma à opção Portela + 1, e o objetivo de entrada em funcionamento em 2022. Aguarda-se novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) encomendado pela ANA à Agência Portuguesa do Ambiente e António Costa vai reiterando: “Não há plano B.” Políticos, autarcas, ambientalistas, todos têm uma palavra a dizer e a decisão continua a ser adiada.
Os anos seguintes, 2020 e 2021 ficaram marcados pela pandemia e pela suspensão de grande parte da aviação comercial. O projeto para um novo aeroporto também ficou em suspenso e o tema regressou em janeiro do ano passado, na campanha eleitoral para as legislativas.
Em junho de 2022, Costa anunciou que esperava pelo novo líder do PSD, Luís Montenegro, para uma decisão sobre o aeroporto, mas Pedro Nuno Santos antecipou-se e revelou que o Governo tinha decidido avançar com uma nova solução aeroportuária para Lisboa, que passava por avançar com o Montijo para estar em atividade no final de 2026 e Alcochete e, quando esse estivesse operacional, fechar o aeroporto Humberto Delgado.
No dia seguinte ao anúncio, o primeiro-ministro, António Costa, determinou a revogação do despacho publicado pelas Infraestruturas sobre a solução aeroportuária para a região de Lisboa e reafirmou que exigia uma negociação e consenso com a oposição sobre esta matéria.
O episódio de contradição entre o ministro e o primeiro-ministro culminou com Pedro Nuno Santos a admitir “erros de comunicação” com o Governo nas decisões que envolveram o futuro aeroporto. Muito se especulou sobre a saída do ministro do Executivo de Costa, mas acabou por manter-se em funções até dezembro de 2022.
Agora, foi criada uma comissão técnica independente (CTI) que vai ajudar a escolher a localização do novo aeroporto de Lisboa. Já ficaram definidos os “fatores críticos de decisão” de análise, no total de cinco, com os resptivos critérios de avaliação (21 ao todo).
No passado dia 3 de julho, o secretário de Estado da Conservação da Natureza e das Florestas defendeu que deve ser construído em Santarém o novo aeroporto de Lisboa. As declarações contrariaram as do ministro das Infraestruturas, João Galamba, que destacou em várias ocasiões a grande distância desta localização em relação ao centro de Lisboa, apesar de, mais tarde, ter garantido que não se tinha manifestado sobre esta opção.