Portugal assumiu a presidência rotativa do Conselho da União Europeia no dia 1 de janeiro. Numa entrevista exclusiva concedida ao Diário do Povo Online, o embaixador português em Beijing, José Augusto Duarte, afirmou que a União Europeia defende um sistema internacional baseado em regras, promoção do diálogo e cooperação.
No ano de 2020 em que a pandemia de Covid-19 mudou o mundo, a China apresentou a proposta de estabelecer uma comunidade de saúde comum. Para o embaixador, que importância Portugal atribui à sua relação com a China, após ambos países cooperarem no combate à pandemia? Em que domínios existe margem para aprofundar as relações bilaterais?
Portugal e a China conhecem-se há mais de 500 anos, partilhando uma História marcada pelo diálogo e pela paz. Olhando para o futuro estou certo que continuaremos a cooperar em áreas de interesse comum, que permitam o reforço de uma relação bilateral equilibrada, não apenas mutuamente vantajosa mas na qual possamos em conjunto trabalhar nos valores do multilateralismo. Por isso, acho que podemos e devemos reforçar as trocas comerciais e de investimento, mas também nos intercâmbios culturais que nos permitem conhecermo-nos melhor mutuamente e, claro está continuando um contacto institucional político-diplomático constante no qual possamos consolidar todos os avanços que vamos tendo no nosso relacionamento.
A China e a União Europeia assinaram recentemente um acordo de investimento, após 7 anos de negociações intensas. Na perspetiva de Portugal, qual é o significado do acordo para as duas partes?
A conclusão das negociações do acordo de investimento entre a União Europeia e a China é o culminar de um longo processo e permite-nos encarar com renovada confiança o futuro do nosso relacionamento económico, ao criar um regime com mais abertura, mais estabilidade, mais previsibilidade e mais segurança. Estes são aspetos fundamentais para o reforço do investimento e para o desenvolvimento de uma relação comercial mais equilibrada entre a China e a União Europeia. O Acordo marca seguramente um novo patamar, uma nova fase, no relacionamento entre a União Europeia e a China.
Portugal acaba de assumir a presidência do Conselho da União Europeia. Que oportunidades podem resultar da liderança portuguesa para a cooperação UE-China e Portugal-China? Qual será o maior desafio para Portugal? De que modo pode Portugal pode contribuir para a recuperação da economia europeia?
Como já anunciado pelo Primeiro-Ministro de Portugal António Costa, são três as grandes prioridades da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia: recuperação económica, apostando nas transições climática e digital e assim contribuindo não apenas para ultrapassar os efeitos da crise causada pela pandemia, mas também para criar as bases de uma economia mais moderna e resiliente; concretização do Pilar Social da União Europeia, assegurando uma transição climática e digital justa e inclusiva, garantindo que “ninguém fica para trás” e valorizando o modelo social europeu; reforço da autonomia estratégica de uma Europa aberta ao mundo. Em todos estes domínios a cooperação com a China é importante: no combate às alterações climáticas, em linha com os ambiciosos compromissos assumidos pelo Presidente Xi Jinping, na defesa do multilateralismo e das Nações Unidas ou na promoção do comércio livre, justo e equitativo.
O primeiro-ministro António Costa propôs um plano de recuperação econômica com enfoque nas mudanças climáticas e na transformação digital. A China, por seu turno, propôs que as emissões de carbono atingissem o seu pico em 2030 e a neutralidade até 2060. De que forma Portugal e a União Europeia estão encarando o desafio das mudanças climáticas? Em que medida existe margem de cooperação entre a UE e a China nesta matéria?
As alterações climáticas são um exemplo claro de que problemas globais requerem soluções globais. A União Europeia e a China partilham esta visão e estão disponíveis para trabalhar no cumprimento das metas do Acordo de Paris e assim garantirem um mundo com um modelo económico que seja sustentável para as gerações futuras. Os compromissos assumidos pela China foram saudados pela União Europeia. A Europa é igualmente ambiciosa e Portugal velará para que, durante a sua Presidência, os compromissos políticos já assumidos sejam transpostos em atos jurídicos que cimentem essa vontade de fazer mais, melhor e com maior sentido de urgência tendo em conta a rapidez das alterações climáticas em curso. Esta é uma luta comum, que nos deve unir a todos pelo bem comum e estou certo que 2021 será um ano em que todos – União Europeia, China, mas também outros países, como os EUA – trabalharão em conjunto para lidar com uma ameaça que não conhece fronteiras.
No dia em que assumiu a presidência rotativa, o primeiro-ministro português afirmou que Portugal irá promover um conjunto de medidas durante o seu mandato para combater a pandemia. A promoção da vacinação em larga escala será alegadamente uma prioridade. Está prevista alguma cooperação entre Portugal, a UE e a China neste sentido?
Portugal e a União Europeia estão, como sempre estiveram, disponíveis e interessados em dialogar e cooperar com a China na luta contra a pandemia. A nossa prioridade imediata – aqui na China, como na Europa – é a vacinação, para que possamos salvar vidas e garantir, tão depressa quanto possível, o regresso a uma relativa normalidade. Mas há também outros domínios em que o diálogo é necessário, como a retoma da circulação de pessoas, no qual, estou certo, o contributo da China e da União Europeia será muito importante.
Como avalia a importância dos contactos entre a sociedade civil dos dois países para combater tentativas de estigmatização contra a China, veiculadas por algumas entidades durante o período da pandemia?
Portugal condena de forma inequívoca qualquer tipo de discriminação ou estigmatização de qualquer Povo, Nação ou Cultura. Atos de racismo e de xenofobia são punidos pela Lei e rejeitados pela sociedade portuguesa.
Perante a nova vaga da propagação da pandemia este inverno, a China tem vindo a organizar campanhas de vacinação em diversas cidades e a adotar medidas mais rigorosas para conter a propagação da Covid-19. Como avalia a possibilidade de cooperação e partilha de experiências entre a China, Portugal e até UE neste âmbito?
Tal como a China, também a Europa está a fazer face a uma nova vaga da pandemia, adotando as medidas necessárias para a combater, salvaguardando os nossos sistemas de saúde, defendendo a vida humana e procurando assegurar as condições necessárias para a recuperação económica. A vacinação será, para tanto, essencial e estou certo de que a União Europeia e a China poderão cooperar neste domínio, com base na ciência e na investigação e na partilha dos dados que nos permitam reforçar o nosso conhecimento sobre este vírus e trabalhar em conjunto para conter a sua propagação.
No ano de 2021 que acaba de começar, quais as perspetivas para o desenvolvimento global das relações China-Portugal e das relações China-UE?
Os desenvolvimentos de 2020 – com a conclusão do acordo sobre a proteção das indicações geográficas, a finalização das negociações do acordo sobre investimento ou a partilha de uma postura ambiciosa no combate às alterações climáticas – auguram boas perspetivas para o ano que agora se inicia. Esperamos, por isso, continuar a trabalhar com a China na defesa de um sistema internacional baseado em regras, na promoção do diálogo e da cooperação, na valorização do multilateralismo e das Nações Unidas, na criação das condições para uma relação comercial equilibrada e na salvaguarda da paz.